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Aos 18 anos, jovem surda reuniu 80 mil pessoas por legendas em videoaulas

Maria Clara Rosa Meier exigiu a inserção de legendas em vídeo-aulas do Descomplica - Acervo Pessoal
Maria Clara Rosa Meier exigiu a inserção de legendas em vídeo-aulas do Descomplica Imagem: Acervo Pessoal

Carol Castro

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro (RJ)

21/07/2021 06h00

As aulas por vídeo causavam uma confusão no cérebro de Maria Clara Rosa Meier de 18 anos. Em meio à fala da professora, havia ruídos das casas de alunos que, por descuido, deixavam o microfone aberto. Os fones de ouvido, grandes o suficiente para tentar isolar todo o som ao redor, esmagavam o aparelho auditivo e só traziam dor de cabeça. Ler lábios pelas imagens de baixa qualidade também não era uma opção. Apesar da proximidade do vestibular, Maria Clara enviou um recado à escola: estava deprimida e passaria algumas semanas afastada das aulas.

Não que tenha sido fácil frequentar as aulas presenciais sem um intérprete, mas o ensino à distância só atrapalhou mais ainda o processo de aprendizado. "O implante apenas copia o som existente e envia para o cérebro, mas 90% das vezes os sons mais captados são os ruídos", conta. "Portanto, se em uma aula a professora falar em alto e bom tom e ainda houver algum chiado em outro microfone, o meu aparelho irá focar no som do chiado, atrapalhando minha compreensão da aula."

Maria Clara nasceu com surdez profunda bilateral. Quando ela estava com um ano e meio, a família optou pelo implante coclear - aquele mesmo que o baterista Ruben, interpretado pelo ator Riz Ahmed, utiliza no filme "O som do silêncio". "Cresci dentro de uma família e de amigos ouvintes, fui criada como ouvinte, mas sofri barreiras de uma surda. O implante acabou por apagar a minha identidade surda muitas vezes na minha vida", relata a garota de 18 anos, que abandonou o implante e passou a estudar Libras.

A adolescência trouxe outras dúvidas - tanto em relação `a sua sexualidade, quanto ao seu lugar no mundo como uma mulher surda. "Eu me sentia confusa entre ser lésbica ou bissexual até saber que existiam estudos sobre isso". Enviaram a ela um texto de Adrienne Rich, professora, feminista e escritora americana, sobre heterossexualidade compulsória. Ali o mundo se abriu. "Comecei a estudar o feminismo de forma séria, mas senti muita falta da mulher lésbica e surda sendo debatida nos livros, artigos e movimentos. Fui, então, estudar sobre a surdez e nisso me apaixonei , me identifiquei e reafirmei mais ainda a minha identidade surda", comemora.

Descomplica ou complica?

1 - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Maria Clara Rosa Meier, 18 anos
Imagem: Acervo Pessoal

As dificuldades no colégio não impediram Maria Clara de seguir com os estudos. Só que, mais uma vez, encontrou barreiras: as videoaulas do site Descomplica não possuíam legendas ou intérpretes de Libras. Dessa vez, a jovem não deixou passar batido. Mandou e-mails para o site cobrando medidas de acessibilidade, criou uma petição do site Change.org e contou sua história e críticas nas redes sociais. "Postei na minha conta que antes se chamava @o.que.disse (atualmente @surdez.politica) sobre a falta de apoio para as pessoas com deficiência dentro de uma plataforma que chegava a lucrar milhões", conta. A hashtag viralizou no Twitter e no Facebook e o site respondeu prometendo mudanças. Nada foi feito.

Nove meses se passaram, sem nenhuma novidade no site. "Com o decorrer do tempo eu não olhava mais, me desanimou", diz. Até que recebeu um e-mail do pessoal do Change.org, solicitando o seu número de celular. Só então, a jovem descobriu que a petição tinha 80 mil assinaturas. E veio a mensagem:

"Olá, Maria Clara! Meu nome é Marcelo e trabalho na Change.org. [...] Desde setembro estamos em contato com o Descomplica e cobrando por atualizações no caso. Nessa semana, recebemos a resposta de que os vídeos já estão sendo legendados, resta aguardar para que em breve todos estejam disponíveis com legendas."

Na luta pela inclusão

A vitória alegrou, mas não iludiu a garota. "É uma vitória parcial. Só será completa quando houver de fato todos os tipos de acessibilidade não só no site deles, como em todos os lugares." A repercussão da história rendeu um convite para abrir uma audiência pública sobre educação inclusiva na Câmara Municipal de Niterói (RJ), onde mora.

Em sua fala, Maria Clara contou sua história, desde a infância, com as vezes em que sofreu bullying dos colegas. E cobrou políticas públicas pela acessibilidade. "Como vamos ter cada vez mais pessoas com deficiência e pessoas surdas dentro de universidades públicas se, além da falta de apoio do governo, temos também a falta de apoio de uma empresa que lucra milhões de reais?", questionou. "Verba é o que não falta para acabar com essa segregação com os surdos, falta educação e conscientização para todos os brasileiros."

É só o começo. Aprovada no vestibular de Letras - LIBRAS (bacharelado), na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela manda o recado e planeja o futuro: "Pretendo agir também nas políticas públicas"