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Projeto agiliza vacinação contra covid-19 para pessoas gordas

Luísa de Paula Souza Bernardi, 29, apelar para o mutirão do Saúde sem Gordofobia - Acervo pessoal
Luísa de Paula Souza Bernardi, 29, apelar para o mutirão do Saúde sem Gordofobia Imagem: Acervo pessoal

Jéssica Balbino

Colaboração para Ecoa, em Poços de Caldas (MG)

02/07/2021 06h00

"Eu tentei obter o laudo através das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região em que vivo, no bairro do Grajaú, na zona Sul de São Paulo e estava bem complicado, porque além de enfrentar a gordofobia nos postos, havia uma recusa na emissão do laudo, dizendo que apenas o IMC acima de 40 não bastava, que era necessário ter alguma doença relacionada ao peso."

Depois de ter o laudo médico atestando o Índice de Massa Corpórea (IMC) igual ou maior a 40 negado por três vezes na busca pela vacina é que a autônoma Renata Costa, 40, encontrou a iniciativa Saúde sem Gordofobia na internet e conseguiu a imunização contra a covid-19 em São Paulo (SP).

"As consultas [na UBS] que seriam marcadas eram com prazo de pelo menos um mês. Com o Saúde sem Gordofobia, fui atendida no sábado e na segunda-feira consegui me vacinar", diz Renata a Ecoa.

Renata não foi a única pessoa gorda a enfrentar dificuldades no acesso ao laudo médico exigido para a vacinação. A terapeuta holística Luísa de Paula Souza Bernardi, 29, também precisou apelar para o mutirão do Saúde sem Gordofobia". Ela que tem o IMC 42, comemora.

"Garantir a vacinação foi um alívio, olhar meus amigos gordos serem vacinados é incrível. É como se essa vacina tivesse me devolvido o prazer de viver.", conta

Saúde sem Gordofobia

1 - Divulgação - Divulgação
Mutirão do projeto "Saúde sem Gordofobia" agilizou vacinação de pessoas gordas
Imagem: Divulgação

O Brasil tem 96 milhões de pessoas gordas, o que corresponde a 60,3% da população de 18 anos ou mais de idade, segundo o último levantamento da Insituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicado em 2019.

No entanto, no atendimento clínico que realizam, as psicólogas Laís Oliveira Sellmer e Gabriele Menezes entenderam que muitas pessoas relatavam dificuldades ou medo de se consultar com médicos em razão da gordofobia médica, ou seja de um tratamento carregado de discriminação e preconceito.

Foi pensando nisso que em agosto de 2020, após muita troca de mensagens por um grupo no WhatsApp, elas criaram, no Instagram, o perfil @saudesemgordofobia, que reúne, de forma organizada, um banco de dados com pelo menos 600 profissionais da área da medicina de diferentes lugares do país, indicados por pacientes ou submetidos a uma longa e minuciosa entrevista para comprovarem que são empáticos às causas e corpos das pessoas gordas.

Na prática, qualquer pessoa que busque atendimento em diferentes partes do Brasil pode encontrar os profissionais através do link disponível na página e também pode sugerir novos profissionais. O projeto é voluntário e a base que reúne os médicos é construída de forma colaborativa

"A página, pra gente, é uma missão. Nos sentimentos salvando vidas e isso é motivo de alegria.", afirma Laís.

Mutirões pelo direito à vacina

Os mutirões para garantir vacina às pessoas gordas aconteceram durante o mês de junho, em diferentes finais de semana. O primeiro ocorreu no consultório do psicólogo Ygor Sellmer, no bairro do Campo Limpo, na zona Sul de São Paulo. Com uma logística de agendamento, uma médica parceira do projeto recebeu pacientes de diferentes partes da capital. Elas foram pesadas, tiveram a altura medida e receberam o laudo para a vacinação.

No segundo final de semana, o mutirão ocorreu de forma virtual, para que pessoas de diferentes localidades do país pudessem conquistar o laudo. Por meio de vídeos, três profissionais da saúde das áreas de ginecologia, endocrinologia e clínica geral emitiram os laudos. Ao todo, cerca de 500 laudos foram emitidos e funcionaram como documento comprobatório para o acesso à vacina.

Agora, o projeto pretende seguir com médicos parceiros que fazem atendimentos a valores sociais, que variam entre R$ 50 a R$ 130 para emissão do laudo e também teleconsultas. A ideia é que sejam feitos mutirões de baixo custo para especialidades como psiquiatria, ginecologia e, sobretudo, para renovação de receitas.

Para a psicóloga Gabi Menezes, os mutirões ajudaram muito os pacientes e também incentivaram a área médica. "Atualmente os postos já se organizaram para, quando da aplicação das doses, pesarem e medirem os pacientes. Após os mutirões e as reclamações que tornamos públicas, os próprios agentes de saúde estão mais esclarecidos.", observa Gabi.

Estigma x vacina

Ter a existência considerada menos importante ou valorosa por meio de discursos médicos patologizantes ou que menosprezam aquela pessoa por causa da aparência física é o que, muitas vezes, afasta pessoas gordas do médico, por isso, escolher tomar a vacina foi, para algumas pessoas gordas, motivo de constrangimento.

Para Luísa, no entanto, o risco de estar exposta à covid-19 era maior.

"Sempre tive uma saúde muito boa, porém com o tempo parei de ir a médicos, por conta da gordofobia. Eu nunca tive problemas com o fato do IMC [acima de 40] ser incluído como risco. Negar isso, infelizmente, colocou muita gente em risco, tanto que eu perdi um colega de trabalho. O problema, para mim, foi justamente a pressão midiática sobre nós. A maneira que eles abordavam o assunto foi enlouquecedora, como se todo gordo que contraísse o vírus fosse morrer", diz.

A terapeuta conta também que desenvolveu uma distorção de imagem durante a pandemia e perdeu o prazer de se alimentar, chorando toda vez que precisava comer.

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