Melhor corpo do mundo

Campeã de judô, Maria Suelen Altheman se escancara: "Meu corpo é o melhor do mundo: me dá medalhas"

JR Duran (fotos) e Talyta Vespa (texto) Colaboração especial para UOL, em São Paulo JR Duran/UOL

A dieta da judoca Maria Suelen Altheman, 32, teve de ser reorganizada devido à pandemia de coronavírus. O motivo, ela conta, foi a necessidade de manter, mesmo sem treinos, seu peso ideal para as competições na categoria pesado: 114 kg. Apesar de ter improvisado um tatame em casa, Suelen reduziu drasticamente a intensidade dos treinamentos. E ela não poderia aumentar ou diminuir seu peso por causa das duas cirurgias que teve no joelho.

Na categoria em que Suelen compete, não há limite máximo de peso para lutar. E isso casa muito bem com a maneira de pensar da judoca. "Sempre fui muito bem resolvida com meu corpo. A genética da minha família não me permite ser magra e eu nunca quis atingir esse padrão", conta.

Adoro mostrar meu corpo, tenho orgulho dele. Ele me faz ganhar medalhas, tem corpo melhor que esse? Nunca me escondi. Não gosto de maiô, vou usar maiô na praia por quê? Eu uso biquininho, viu, não me venha com biquinão".
Maria Suelen, olhando as roupas com que seria clicada por JR Duran.

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Fernanda Schimidt/UOL

Corpo de Atleta, com JR Duran

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados pela pandemia, começam no dia 23 de julho. Durante duas semanas, você verá os melhores atletas do mundo competindo por medalhas. E nem todos esses melhores atletas do mundo têm o corpo que você imagina ser o ideal, que se vê nas capas de revista, magros e com tanquinho. O corpo perfeito de um atleta é aquele que o torna o melhor naquilo que ele faz. E pode ser alto ou baixo, longo ou curto, magro ou gordo.

Para mostrar cinco corpos perfeitos que desafiam o estereótipo que a sociedade definiu como ideal, o UOL Esporte convidou o fotógrafo JR Duran para contar a história de cinco atletas que fogem do padrão de beleza imposto diariamente a cada um de nós. Eles compartilham como a força e o peso são, na essência, o que os transformou em campeões. É esse corpo —já tão criticado— o instrumento de resistência e vitória desses esportistas e deveria ser também o motivo de orgulho para todos que não se veem representados pelo padrão. Eles são foda porque são gordos.

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"Adoro derrubar homem"

Com traços marcantes do pai, Suelen tem as costas largas desde pequenininha. É também desde a infância que a atleta se sente satisfeita com o próprio reflexo no espelho, graças ao apoio da família, que nunca questionou a beleza da caçula. "Sempre fui gordinha e nunca quis ser magra. Minha família não é supermagra, é genética, não tem jeito", diz.

Até hoje, a maior parte das amigas de Suelen é magra, e, garante ela, isso nunca foi um problema. "Na escola, eu já fui muito xingada pelo meu corpo, mas sempre soube me defender muito bem. Agora, quando minhas amigas gordinhas eram xingadas e choravam, daí eu não aguentava: arrebentava os meninos na porrada. Se o bullying era comigo, nem fazia nada. Mas se fosse com alguma das minhas amigas, aí a coisa ficava feia".

O judô entrou na vida de Suelen, que nasceu em Amparo, no interior de São Paulo, aos 10 anos. Desde essa época, ela já competia na categoria peso pesado. Ela passou a treinar em um projeto social do bairro em que morava, que promovia atividades esportivas para crianças. Daí, bater nos meninos —coisa cotidiana— virou esporte. Derrubar homem, enfatiza, não a faz menos mulher.

A graça era que eu treinava com os meninos —não tinha menina no grupo de judô. Eu achava um máximo bater nos meninos na luta. Sou muito competitiva, e a melhor parte de treinar com homem —eu treino até hoje— é que eles detestam cair para mulher. E eu adoro derrubar homem. Comecei a gostar de judô exatamente porque a técnica me permitia derrubar meninos grandes. Quando encaixa, encaixa, não tem como não cair."

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Não venha com maiô nem com biquinão

Suelen distribui 114 kg em 1,75 m de altura, e afirma que o único período da vida em que questionou a própria autoestima foi na adolescência: à época, eram as amigas magras que saíam na frente na hora da paquera. "Demorei muito para me interessar em namorar, eu sempre fui muito da rua, de brincar. Amadureci tarde no quesito relacionamentos. Mas, quando isso aconteceu, me senti, sim, mal algumas vezes. Eu pensava: 'Por que eu sempre sobro?'".

"Mas não chorava horrores, nem ficava me lamentando. A vida seguia. Conforme fui adquirindo conquistas dentro do judô, tudo isso mudou. Primeiro, porque, dentro do ambiente esportivo, não existe esse preconceito que existe fora. É outro mundo. Segundo, porque tenho um corpo que me fez campeã. Isso muda tudo."

Suelen explica que os fortes de treinos de luta intensificaram uma característica que já era sua: as costas largas. "Meu corpo ficou mais masculinizado porque eu treino muito pesado, pego firme na academia. Então, quem não é do esporte estranha. Já ouvi que pareço homem por ser grande, que tenho um corpo masculino; já ouvi que pelo meu porte físico, eu parecia homossexual", relembra.

"Se não fosse o esporte, acho que eu não teria construído uma relação não só de respeito, como de amor pelo meu corpo. Me olho no espelho e fico feliz. O mais importante é a gente se aceitar e, hoje, existem vários estímulos para que nós, mulheres fora do padrão, nos aceitemos. Estou adorando ver mulheres gordas usando biquíni! Sempre usei biquíni, nunca gostei de maiô. E não me venha com biquinão, não, viu? É biquininho."

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Um compilado de vitórias

No tatame, Suelen coleciona números impressionantes. Foi vice-campeã mundial duas vezes, levou o bronze no último Mundial disputado antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio e soma três medalhas em mundiais militares, uma de ouro. Tem, ainda, dez medalhas pan-americanas e 30 pódios no circuito mundial. Desde o ciclo olímpico para Londres-2012 (em que terminou em quinto lugar), está entre as melhores do mundo. E vai para Tóquio como a número 5 do ranking mundial.

Todas essas vitórias só foram possíveis graças à firmeza da mãe da judoca que, mesmo morta de saudade, incentivou a filha a treinar. A atleta saiu de Amparo, onde morava com os pais, aos 15 anos, para morar em uma república com mais de dez atletas —todos de nível profissional. "Eu era a caçula do lugar", conta.

Assim que chegou ao São Caetano, clube no ABC Paulista, a atleta passou dias chorando de saudade da família.

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"Eu ligava a cobrar para a minha mãe todos os dias, coitada. A conta veio altíssima. Eu chorava e implorava para voltar. E ela, por mais cheia de saudade que estivesse, dizia: 'Filha, fica mais uma semana. Espera completar um mês. Se completar um mês e você, ainda assim, quiser voltar, a gente te traz de volta'. Eu sentia muita falta de casa, não estava acostumada com cidade grande, não estava habituada a treinar tanto. Era insano", relembra.

Em São Caetano, Suelen via os próprios ídolos o tempo todo: Tiago Camilo, dono de duas medalhas olímpicas, e Carlos Honorato, de uma, eram atletas do clube. "Meu técnico sempre dizia: 'Se eles podem, você também pode'", conta.

Então, ganhei o Campeonato Paulista; depois, o Brasileiro, e comecei a perceber, mesmo, que era possível. Fiz uma seletiva para o Pan-Americano da categoria de base e viajei para fora do Brasil pela primeira vez. Vi vários atletas de fora. Ali, tive certeza de que o que eu queria era ser judoca".

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Pandemia e o sonho adiado

Durante a pandemia, todos os treinos foram cancelados, e Suelen precisou encontrar uma nova forma de se manter apta para as competições —independentemente do tempo que elas demorariam a retornar.

"Comecei a fazer o treino físico em casa. O judô, mesmo, eu não fiz por meses. Depois de um tempo, combinei de me isolar com alguns amigos atletas para que a gente se ajudasse no treino técnico", afirma.

Então, Suelen e os amigos conseguiram um tatame, e todos se comprometeram a manter as medidas de segurança para garantir os treinos. "Meu objetivo é a Olimpíada, precisava voltar a treinar forte para não perdê-lo de vista. Por mais que eu tenha me sentido muito abalada psicologicamente com tudo isso, tento sempre pensar que o cancelamento do evento me deu mais um ano para treinar".

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