Painel da ONU: Refugiados vestem camisa e diminuem rotatividade em empresas
Giacomo Vicenzo
Colaboração para Ecoa, de São Paulo
24/06/2021 14h04
Chegar em uma nova terra, reconstruir a vida longe da família e enfrentar as barreiras de outra língua e cultura são alguns dos muitos desafios enfrentados pela maioria dos 82,4 milhões de pessoas refugiadas em todo o mundo. O número foi alcançado em 2020, mesmo com fronteiras fechadas por conta da pandemia de covid-19 e acendeu sinal de alerta sobre a integração desses grupos em novos países, sobretudo, na esfera do trabalho.
O tema foi centro da mesa de debate transmitido ontem (23) em Ecoa, e marcou o lançamento do Fórum Empresas com Refugiados, uma iniciativa da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e Rede Brasil do Pacto Global. Entre os integrantes do fórum estão empresas e outros tipos de organizações não empresariais interessadas em apoiar a inclusão de refugiados no mercado de trabalho.
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Cheguei aqui sozinho, morava no albergue da igreja e não tinha muito apoio, mas depois aprendi português, fiz muito curso gratuito no Senai e assim consegui me integrar no Brasil. Aprendi que quando o refugiado sai de sua terra a situação é muito terrível, ele busca uma liberdade e vê aqui uma chance.
A fala acima é de Thái Nghiã, que a pedido da mediadora do painel, Gabriela Cassef, repórter da Folha de S.Paulo, contou brevemente sua trajetória de superação e sucesso em terras brasileiras. Nghiã é fundador da marca de calçados reciclados Goóc e chegou ao país refugiado do Vietnã em meados da década de 1970. Sua trajetória também é marcada pela aprovação na USP no curso de matemática e mais tarde, já com a empresa consolidada, resistir a um incêndio que quase fez o seu negócio falir.
"Minha empresa é pequena, mas como uma família. A diversidade ajuda muito, os próprios funcionários acolhem as pessoas de fora, isso aumenta nosso valor interno. Conviver com pessoas diferentes mostra que essas pessoas sempre dão mais, se esforçam mais, querem trazer sucesso para mostrar que conseguiram se estabelecer", disse Nghiã sobre a convivência com colaboradores que chegaram ao país na condição de refugiados.
Mas mesmo o esforço dobrado pode não ser suficiente, assim lembrou o também painelista José Egas, Representante do ACNUR, que apontou o quanto é mais difícil para venezuelanos conseguirem postos formais no Brasil.
"Há mais de 48 mil venezuelanos que já foram reconhecidos como refugiados, mas há muita dificuldade em acessar o mercado de trabalho formal. Um estudo com o Banco Mundial apontou que um trabalhador venezuelano tem apenas um terço da capacidade de conseguir emprego em comparação com um brasileiro. Entre os refugiados, notamos que 24% têm ensino superior, mas são contratados em cargos menores devido às dificuldades de revalidar o diploma, por exemplo", ressaltou Egas.
Diversidade, menor rotatividade e injeção na economia
O segundo painel do evento foi moderado por Vanessa Tarantini, Assistente Sênior de Soluções Duradouras do ACNUR e Gabriela Almeida, Assessora de Direitos Humanos da Rede Brasil do Pacto Global, que apresentaram o fórum e apontaram boas práticas de empresas e caminhos para se engajar na causa.
Diogo Bardal, oficial de operações associado da International Finance Corporation (IFC), trouxe ao bate-papo apontamentos sobre o cenário brasileiro em relação ao trabalho e os impactos positivos da inclusão de refugiados.
"Observamos que há uma categoria [de trabalhadores] que tinham uma rotatividade de 30% a 40%, e em um ano as pessoas [refugiadas] permaneciam no emprego [não entrando neste percentual]. A mesma coisa para área de habitação, os refugiados buscam contrato de aluguéis no centro e querem morar perto do emprego. Não é muito diferente do que o nosso setor de baixa renda quer. O setor privado tem um papel de ajudar a prover esses recursos", defendeu Bardal.
O oficial de operações também lembrou as mudanças econômicas positivas que advém desses processos migratórios. "Olha os impostos recolhidos na cidade de Boa Vista, as atividades econômicas básicas da cidade, a região quase dobrou de população. Tem algo positivo nessa capacidade de assimilar nossos vizinhos e refugiados - é uma questão de países em desenvolvimento para países em desenvolvimento, e tentar fazer com que todos os países sejam bons, sejam países acolhedores", completou.
Gabriela da Motta de Azevedo, gerente de recrutamento e seleção da Unidas, compartilhou experiências da organização. "Fizemos um projeto de sensibilização da liderança. A gente ajuda a mostrar que pessoas em situação de refúgio fazem parte da nossa sociedade, abraçamos esse projeto no ano passado. Um trabalho de colaboração e confiança, que proporcionou a contratação de mais pessoas", disse.
"Mostramos o potencial de cada indivíduo e reconhecemos isso nos nossos meios internos de coordenação de diversidade. O foco é o empoderamento de refugiados e a equidade de gênero. O processo de contratação mexe no processo da empresa toda. As empresas que estão nessa jornada têm um impacto gigantesco", completou Azevedo.
Também participaram do painel: Marcelo Linguitte, diretor de operações na Rede Brasil do Pacto Global; Ana Menegotto, diretora de recursos humanos da Sodexo; Veronica Rossini, diretora de marketing e comunicação da Tent Partnership for Refugees; Eduardo Ferlauto, gerente geral de sustentabilidade da Lojas Renner S.A. e diretor executivo do Instituto Lojas Renner; e Paulo Sérgio de Almeida, oficial de meios de vida do ACNUR, que encerrou o evento.