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Jacarezinho: Conheça projetos sócio-culturais desenvolvidos por moradores

O LabJaca é laboratório de dados e narrativas formado por moradores do Jacarezinho, no Rio - João Baraúna
O LabJaca é laboratório de dados e narrativas formado por moradores do Jacarezinho, no Rio Imagem: João Baraúna

Amanda Pinheiro

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro (RJ)

11/06/2021 06h00

Um mês após a operação mais letal da história do Rio, que deixou 28 mortos, na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, além de respostas, os moradores procuram retomar a vida em busca de dias melhores. E, apesar das dificuldades, a comunidade pode contar com fortes aliados para seu desenvolvimento e potência: as iniciativas sociais.

Entre essas iniciativas está o LabJaca, criado e coordenado por Bruno Sousa, ano passado no início da pandemia. Segundo o jornalista e pesquisador de segurança pública, de 23 anos, durante a entrega de cestas básicas e kits de higiene e uma campanha contra a violência doméstica que havia organizado, ele notou que o poder público não divulgava os números corretos de casos de covid-19 no local, foi então que decidiu criar o laboratório.

Quando fazíamos essa distribuição, passamos um formulário colhendo dados sobre casos suspeitos de covid nos moradores do Jacarezinho. Na época, ainda não existia testagem, e os nossos dados não teriam confirmação pela ausência dos testes. Mas o eEtado mostrava menos de dez casos, enquanto nossos números já mostram centenas. Então a gente pensou: o IBGE fala que aqui tem 37 mil pessoas, mas a gente sabe que tem pelo menos o dobro, eles não estão divulgando os números dos casos de covid. Então se não tem dados reais sobre essa parcela não vai ter políticas públicas para ela, nem vagas suficientes na escola, postos de saúde suficientes e, consequentemente, não vai ter vacina para todo mundo Bruno Sousa, LabJaca

Apesar de ser sediado no Jacarezinho, o LabJaca, laboratório de dados e narrativas, também possui informações sobre outras favelas e periferias. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada em 2019, o Brasil tem cerca de 11 milhões de analfabetos, ou seja, 6,6% da população não consegue ler nem escrever. Pensando nisso, para uma comunicação efetiva, o LabJaca aposta em uma ferramenta: o audiovisual.

"A gente entende que os dados não são acessíveis para todo mundo. Boa parte da população brasileira é analfabeta, então se a gente mostra para algum de nossos familiares um gráfico, por exemplo, eles não vão saber dizer o que aquilo significa. E a gente vai literalmente falar, se precisar a gente vai desenhar, mas vai fazer com que o morador entenda o que aquele dado significa", diz Bruno. "Nosso objetivo é esse: fazer produção de dados sobre as favelas e periferias do Rio com a ambição de expandir para o Brasil, quem sabe um dia para a América Latina. Além de fazer com que os moradores entendam isso e que, a partir dos nossos dados, sejam geradas políticas públicas condizentes com esses territórios".

Cinema e arte na favela

A fim de levar cultura e entretenimento para a favela, a Cafuné na Laje, criada em 2013 por Léo Lima e Aline Santos, surgiu despretensiosamente, no alto da comunidade, após filmagens do cotidiano no Jacarezinho. O projeto tem como intuito o resgate e a valorização da memória local, usando o audiovisual de forma lúdica para as crianças e jovens da favela.

Gravação filme "Favela Que Me Viu Crescer" - Gê Vasconcelos - Gê Vasconcelos
Gravação filme "Favela Que Me Viu Crescer"
Imagem: Gê Vasconcelos

"A ideia era ser uma produtora de audiovisual que pudesse formar jovens adolescentes da favela com a prática do cinema de maneira que eles assumissem as rédeas da produção em todos os níveis: captação, ação e divulgação. Na época, observamos que os cursos não tinham a participação de moradores de favelas, e era um incômodo nosso", disse Léo, 33.

Hoje, apesar da morte de Aline, uma das criadoras, devido a um câncer, o projeto cresceu e conta com uma equipe de dez pessoas, mais de 18 curtas-metragens, além de seleções em editais de cultura. "A Cafuné é como uma brincadeira, onde se estabelece regras para diversão. Com a imagem, a gente quer se divertir, informar, contar a nossa história de forma brincante e firme. Com o tempo foi entendido a importância da criança manusear uma câmera com o intuito de desenvolver um olhar carinhoso sobre suas memórias na favela", declarou o fotógrafo que também conta com a ajuda financeira dos próprios moradores do Jacarezinho.

Os bares, as tias e as famílias sempre contribuem, fazendo com que os nossos eventos aconteçam. Assim como ler e escrever, é necessária a descolonização do olhar estigmatizado das grandes mídias e desenvolver olhares próprios para que contemos e sejamos os protagonistas da nossa própria história. E reafirmar o óbvio: que somos trabalhadores, sonhadores, temos nome e sobrenome, endereço e direitos. É estranho a gente, em 2021, ainda falar sobre saneamento básico, comida e emprego. A questão do Jacarezinho não ser vista como uma potência, choca! Não se pode imaginar a potência carioca sem citar Monarco, que morou no Jacarezinho, o jogador Romário, nascido e criado aqui. O Rio é Rio também porque existiu e existe esse Jacarezinho, Léo Lima, Cafuné na Laje.

O grafite para esquecer a dor

Dias após a operação no Jacarezinho, o LabJaca e o projeto Voltando à Escola se uniram para grafitar os lugares atingidos por balas perdidas. Cerca de 30 grafiteiros renomados do país e 10 fotógrafos participaram da ação, que também contou com a presença de crianças e moradores antigos que também pediram para grafitar o muro de suas casas.

"A nossa ideia foi tentar levantar a autoestima da favela no pós chacina. E a quantidade de senhores de idade que paravam a gente na rua e pediam praa gente fazer um grafite na casa dele e fazer um desenho na porta dele para virar um quadro de arte, foi muito legal, a receptividade é gigantesca", disse Bruno, do LabJaca.

Para ele, por meio dos dados, cultura e educação é possível mostrar que a favela não é um ponto de dor, mas evidenciar o que causa a indiferença do poder público.

A gente sempre entendeu que a população da favela tinha voz, só não era dado espaço para que ela falasse. E, mesmo quando ela tinha esse espaço de fala, era sobre essas dores. Então a gente entendeu que só falar que está morrendo mais preto não vai adiantar, eles [governantes] não vão mudar, então vamos fazer uma produção de dados e encurralar esses caras a partir disso. A principal forma como o projeto pode ajudar contra essa hostilidade do poder público é fazer essa produção forte de dados e de narrativas, porque a gente não vai deixar de contar nossas histórias Bruno Sousa, LabJaca

Caminho para facilitar entrada no vestibular

Pensado em 2015 e inaugurado somente quatro anos depois, o Nica Jacarezinho é um pré-vestibular gratuito e possui esse nome em homenagem à tia-avó do criador Joel Luiz Costa, que morreu analfabeta. A ideia foi criar um projeto voltado para a educação no local. Luan Ribeiro, um dos coordenadores do pré-vestibular, contou que uma coincidência atravessou o caminho da equipe:

"A gente encontrou professores que queriam dar aulas no Jacarezinho, mas eles não tinham espaço e a gente tinha esse lugar. Então facilitou demais esse processo de criação", afirmou.

Atualmente, o Nica possui 20 alunos divididos em duas turmas e uma equipe com 14 professores e sete coordenadores. Durante esses dois anos, o projeto já teve 12 alunos aprovados em vestibulares. Para Luan, além dos estudantes se reconhecerem no centro do aprendizado, a favela do Jacarezinho também faz parte desse processo.

"O aluno precisa se sentir importante durante a aprendizagem. E a população do Jacarezinho tem que se sentir importante nas ações que a gente propõe. Costumo dizer que ninguém dá voz a ninguém, todo mundo tem voz. Infelizmente a população marginalizada, não só é invisibilizada fisicamente, como a oralidade também é. E isso inibe a potência. E a partir do momento que a gente descobre nosso poder, o trabalho flui bem melhor", disse.