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Conversa de Portão #3: O que aproxima as periferias de SP e NY?

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

29/09/2020 04h00

Protestos contra a desumanização de vidas negras, o impacto racializado do coronavírus: não são poucas as semelhanças entre as periferias do mundo, mesmo em questões contemporâneas. Em São Paulo, assim como em Nova York, a gravidade dos problemas sociais não é a mesma para todos. Sobre essas semelhanças, o terceiro episódio de Conversa de Portão conversa com Loira Limbal, cineasta dominicana que cresceu nos EUA, onde vive com sua família. Ouça ao programa no arquivo acima.

Todas as terças-feiras, o podcast produzido pelo coletivo Nós Mulheres da Periferia em parceria com o UOL Plural traz a opinião, análise ou história de mulheres sobre notícias que são importantes para mulheres da periferia

Desde que migrou para os EUA com sua mãe, Loira mora no Bronx, bairro com alta concentração de população negra e latina na cidade de Nova York. Logo no começo da pandemia, a mãe foi contaminada pelo coronavírus e sua situação passou a se agravar. No sétimo dia, ficou claro que o problema não poderia mais ser tratado em casa. Loira, então, sentiu na pele as diferenças do atendimento médico para populações mais pobres e não brancas e para brancos mais abastados.

"Neste momento, a única notícia que a gente tinha era de coisas horríveis, obscenas acontecendo nos hospitais", diz (a partir de 6:50 do arquivo acima). Na triagem, foi determinado que Luz, a mãe de Loira, teria que ser atendida. "Aí eu entrei em pânico, porque ela teria que entrar sozinha", conta (a partir de 8:00 do arquivo acima). Um dos agravantes é o fato de Luz, assim como a maioria dos que estavam sendo atendidos naquela situação, não falar inglês. "Estava cheio de pessoas como a minha mãe e mais velhos, todas as pessoas pretas e latinas, sem falar em inglês. O povo que é trabalhador e trabalhadora essencial e nunca teve uma qualidade de vida e por isso tem todas as comorbidades", completa. "Dá uma ideia do nível do bagulho ver uma cidade do tamanho de Nova York com os hospitais superlotados com nossa gente, com nossos velhos", diz (a partir de 8:46 do arquivo acima).

Ela conta (aos 11:35 do arquivo acima) que o hospital chegou a negar atendimento à sua mãe. Ela interveio. "Mas aí você tem todas as pessoas que não têm ninguém para fazer barraco, que tá morrendo porque não tem ninguém para fazer barraco. Isso é porque eu falo inglês, tenho uma faculdade, sabe? Tô acostumada a conversar com pessoas em suposta posição de autoridade. O nosso povo não tem isso, mano".

Loira conta (a partir dos 13:13 do arquivo acima) que já tinha vivido situação semelhante quando uma médica sequer quis orientar sua mãe porque "pessoas como sua mãe, mais velhas e imigrantes, não adianta falar, porque não mudam o comportamento".

Eventualmente, o hospital dispensou Luz sem sequer testar para Covid-19, apesar de ter detectado uma pneumonia. Loira conversou com conhecidos, e recebeu um conselho: levar sua mãe para um hospital universitário em um bairro de classe alta, predominantemente branco. "O atendimento foi totalmente diferente", conta (aos 14:30 do arquivo acima). Em três horas, ela já tinha passado por uma bateria de exames e sido internada. O coronavírus foi confirmado, ela precisou de cuidado intensivo. E hoje está recuperada. "Agora, me fala: e uma família que não tivesse uma amiga enfermeira para dar a informação do hospital? Ou carro para cruzar a cidade?", questiona (a partir dos 15:55 do arquivo acima).

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