Opinião

Equador barrou exploração de petróleo; Brasil terá a mesma coragem?

Mais um dia da independência se passou e enquanto bandeiras do nosso país passam desfilando por aí, deixam o convite para pensar sobre a soberania nacional e o que queremos enquanto nação.

No mês passado, os equatorianos decidiram em plebiscito acabar com a exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuni, situado no coração da Amazônia equatoriana. A decisão veio num momento em que o Brasil passa por um dilema semelhante no mesmo bioma, em que se discute a abertura de uma nova frente de exploração de óleo e gás na Foz do Amazonas, vetado em maio pelo Ibama.

A reserva que os equatorianos abriram mão não era pouca coisa: tratava-se da maior reserva potencial de recursos fósseis da história do país. Mas 59% dos cidadãos votaram a favor do bloco ser mantido pelo governo indefinidamente no subsolo, tornando o país o primeiro país do mundo a banir, por voto popular, a exploração de petróleo em uma área ambientalmente sensível - e enviando uma mensagem para o mundo.

No Brasil, a Foz do Amazonas já teve 95 perfurações, segundo os dados públicos da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A maioria dos poços foram perfurados ainda na década de 70, antes da criação do Ibama, quando a Petrobrás tinha monopólio da exploração no Brasil - e não dispunha das tecnologias para a perfuração em águas profundas pretendida hoje.

Mas o bloco 59, que teve sua licença barrada pelo Ibama e ganhou atenção da mídia, é apenas um dos que deseja-se explorar na atualidade. Segundo a própria Agência Nacional do Petróleo (ANP), junto com esse bloco foram feitas outras 22 concessões ainda em 2013, na região Norte e Nordeste, entre Foz do Amazonas e o litoral Potiguar.

Mapa dos blocos concedidos, apresentado na audiência pública na Câmara dos Deputados em 31 de maio de 2023.
Mapa dos blocos concedidos, apresentado na audiência pública na Câmara dos Deputados em 31 de maio de 2023. Imagem: Reprodução/EPEBR

É importante entender que não há nem certeza se ou quanto petróleo existe na região. Estamos falando de "exploração" no sentido original da palavra, de descoberta. A chance de se encontrar boas reservas nesses 23 blocos é grande, não só pelo que indicam os estudos, mas também pela experiência recente dos nossos países vizinhos ao norte, como a Guiana e o Suriname.

De um lado, os políticos dos estados amazônicos defendem a exploração como uma fonte de recurso para reduzir os problemas sociais locais do norte e nordeste brasileiro, levando o "desenvolvimento de petróleo e gás" que beneficia o sudeste com o pré-sal para os limites ao norte do país. Além disso, especialistas da Petrobras mostram que a empresa não possui nenhum histórico de vazamento durante perfurações de poços - "somente" em outras etapas da extração.

Do outro, o Ibama tem feito seu papel: barrar atividades impactantes em áreas ambientalmente sensíveis e solicitar maiores estudos e evidências para embasar as decisões. Na audiência pública do caso, o presidente Rodrigo Agostinho buscou evidenciar que o parecer negativo do Ibama não era o ponto final da conversa, mas, sim, tinha o objetivo de mostrar os pontos ambientalmente falhos e onde simplesmente não havia dados suficientes para se tomar uma decisão, pensando sempre com o pior cenário, como é esperado que o órgão faça.

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Pesquisadores complementam mostrando os dados que temos quanto a sensibilidade da região, que inclui desde as maiores reservas de manguezal do Brasil até os recifes amazônicos nas bordas da margem equatorial, a cerca de 170 km da costa. E fica a provocação: se a Petrobrás é tão capaz em realizar pesquisas e traçar planos para evitar acidentes, onde estão os estudos na região que são responsabilidade da empresa? Afinal, a concessão foi feita em 2013: uma década atrás.

Seja no setor privado ou público, contudo, diversas esferas de poder parecem confundir um parecer que está "aberto para melhorias" com "negociável", usando argumentos jurídicos para impor uma decisão política. Licenciamento ambiental não é e não deve ser arena para conciliação de interesses ou de brigas entre ministérios, e sim um processo de análise técnica e científica. Até que ponto essa discussão toda reflete nossa escolha como nação ou apenas os interesses privados de alguns poucos?

Eu moro em uma ilha e há anos vejo plataformas de óleo e gás e os navios todos os dias, passando no "quintal" da comunidade caiçara que me acolheu. Ouvir dizerem que "é preciso levar o desenvolvimento que o pré-sal trouxe para o sudeste, para o norte e nordeste" chega a me dar calafrios. Desenvolvimento para quem? Porque mesmo no coração desse processo, minha comunidade continua sem colher os "benefícios" dele. O petróleo não salvou as baleias e não vai nos salvar, também.

Na escola, aprendi que o verde da nossa bandeira era verde, amarela e azul representando nossas florestas, riquezas, mares e rios, respectivamente (ainda que a explicação histórica seja diferente). Sempre entendi que a parte das riquezas se referiam a nossas riquezas naturais, e que nossa biodiversidade, fauna e flora, entravam na conta. Acho que entendi errado.

*Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa, mestranda em Práticas de Desenvolvimento Sustentável, instrutora de mergulho e cofundadora da Marulho, negócio socioambiental que intercepta redes de pesca junto a pescadores locais em Angra dos Reis.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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