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OPINIÃO

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Publicação já apontava risco de genocídio yanomami por gestão Bolsonaro

Bolsonaro com Rodrigo Cataratas, acusado de garimpo na terra indígena Yanomami - Reprodução/Facebook
Bolsonaro com Rodrigo Cataratas, acusado de garimpo na terra indígena Yanomami Imagem: Reprodução/Facebook

Lucas Ferrante*

Colaboração para Ecoa

06/02/2023 06h00

Nos últimos dias, o drama vivido pelo povo yanomami em Roraima ganhou a grande mídia, mostrando como o garimpo tem afetado a terra indígena que é o território deste povo. Há exato um ano, a renomada revista científica Science já apontara risco de genocídio das populações yanomami no Brasil, causado pelas ações da gestão do governo Bolsonaro.

A publicação que coordenei e teve como coautor o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e também prêmio Nobel da paz, Philip Martin Fearnside, foi categórica em contextualizar que o garimpo impulsionado pela gestão Bolsonaro é a causa da vulnerabilidade dos yanomami.

Nesta publicação constatamos que as empresas mineradoras tinham 3.481 solicitações pendentes junto à Agência Nacional de Mineração para permissão para prospecção em terras indígenas do país, embora atualmente seja ilegal a exploração.

As empresas que apresentaram os pedidos teriam ainda prioridade para aprovação se a mineração nessas áreas for legalizada no futuro. A iniciativa de legalização do garimpo em terras indígena foi pautada inúmeras vezes pelo próprio ex-presidente da república, Jair Bolsonaro.

As terras indígenas também tiveram aumento expressivo de invasões em seu governo, de acordo com outra publicação do periódico Science.

A administração presidencial de Bolsonaro reduziu as inspeções e enfraqueceu muito a proteção das terras indígenas contra invasões, diz a publicação. A frequência e a escala de invasões em terras indígenas, especialmente para mineração, aumentaram significativamente, apontou o artigo.

A publicação também destacou a necessidade urgente de ações judiciais para impedir as licenças de mineração em terras indígenas e a necessidade de remoção dos garimpeiros.

Na Science, também foi destacado que, em 05 de dezembro de 2021, jornalistas investigativos descobriram que o governo Bolsonaro havia autorizado sete projetos de mineração de ouro na "Cabeça do Cachorro", uma área da Amazônia habitada por 23 povos indígenas no canto noroeste do país.

O Ministério Público Federal iniciou uma investigação sobre as autorizações, e em 27 de dezembro de 2021 elas foram canceladas. Segundo os procuradores do Ministério Público Federal, as autorizações na Cabeça do Cachorro foram uma preparação para a abertura das terras indígenas em toda a Amazônia à mineração.

Estas mudanças ainda se tornariam legais assim que o Congresso Nacional aprovasse um projeto de lei, o PL 191/2020, para abrir terras indígenas para mineração, barragens e o agronegócio. O ex-presidente Bolsonaro, que apresentou esse projeto de lei pessoalmente, pediu prioridade especial a este projeto para a coalizão de partidos políticos que o apoiavam e detinham o controle da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

A publicação ainda destacou que mais de 20.000 garimpeiros invadiram a Terra Indígena Yanomami. Muitas áreas na Amazônia estão sob ameaça de mineração empresarial com base nas muitas solicitações pendentes para licenças de pesquisa mineral, de acordo com o estudo. Além disso, estas áreas contêm povos indígenas isolados que não estão em contato com a maioria da sociedade brasileira, o que aumenta o risco de genocídio.

Os povos isolados correm um perigo particular devido às políticas insuficientemente protetoras da Fundação Nacional do Indígena (Funai), que foi militarizada e desmantelada pelo governo Bolsonaro, como destacado por vários periódicos científicos como a Science, Die Erde (revista editada pela Associação Geográfica de Berlim) e Environmental Conservation, que é editada pela renomada Universidade de Cambridge.

Em 8 de dezembro de 2021, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos iniciou um processo para classificar pecuaristas e garimpeiros como "povos tradicionais", o que lhes permitiria permanecer legalmente em unidades de conservação e, potencialmente, em terras indígenas, aponta a publicação da Science.

Isto coloca Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos na "cena do crime" da tentativa de genocídio do povo yanomami, por facilitar as invasões e a permanência de garimpeiros em terras indígenas. O governo Bolsonaro ainda chegou a ignorar mais de 60 pedidos de ajuda de lideranças yanomami.

Estudos ainda apontam que a atividade mineraria, principalmente o garimpo, é responsável pela contaminação da água, diminuição da caça, pesca e de outras atividades ligadas à subsistência dos indígenas, o que induz as populações a desnutrição. A degradação ambiental nestas áreas também é responsável pelo aumento de malária. Desta forma, fica claro que os problemas de desnutrição e aumento de doenças nos indígenas yanomami estão atrelados ao garimpo na reserva.

A publicação da Science ainda apontou a necessidade de o Ministério Público Federal agir para obter ordens judiciais, revogando as autorizações de mineração em terras indígenas, além de apontar que as inúmeras ações do governo Bolsonaro de violação aos direitos indígenas não podem mais ser ignoradas pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, onde vários processos permanecem pendentes.

De acordo com as evidências destacadas na Science, houve "má-fé" do governo Bolsonaro em favorecer invasores em terras indígenas, inclusive na reserva indígena yanomami. Isto inclui o próprio ex-presidente da república, Jair Bolsonaro, a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves e o ex-chefe da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva.

É crucial que o Tribunal Penal Internacional leve adiante as denúncias e apure os crimes contra o povo indígenayanomami e demais povos indígenas do Brasil. O governo do presidente Lula, deve atuar imediatamente para retirada dos garimpeiros da terra indígena yanomami e intensificar o combate ao garimpo e mineração na Amazônia.

*Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), mestre e doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Dentre suas áreas de pesquisa, têm investigado como grandes empreendimentos como estradas, o desmatamento e mineração impactam os povos indígenas e os ecossistemas Amazônicos.