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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil desperdiça dinheiro público ao não dar oportunidade para cientistas

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Imagem: iStock
Laura C. E. da Silva

06/03/2022 06h00

Desde os sete anos de idade eu queria ser cientista. O que me motivava era o aprender, algo que me fascina até hoje. Aos 34 anos, finalmente posso dizer que sou pesquisadora, mas sempre que me apresento dessa forma ouço: "você só estuda, ou também trabalha?".

Essa pergunta, que respondemos repetidamente aos familiares e amigos, deixa claro que para a sociedade brasileira, fazer ciência ocupa um lugar de não-trabalho. Um exemplo disso é que pesquisadores não são assalariados por aqui, mas bolsistas. Sem direito trabalhista, sem sindicato, sem ter a quem recorrer nos casos de assédio. Somos dignos da "caridade" do governo, o que nos apresenta à sociedade como seres improdutivos, irrelevantes para o desenvolvimento econômico, além de reforçar a crença popular de que estudar e fazer ciência são atividades realizadas em benefício próprio, ou por prazer.

Prazer em aprender de fato é essencial a um pesquisador, mas o conhecimento gerado não é benéfico somente a si. Isso fica claro ao compararmos as duas maiores pandemias da história: a gripe espanhola e a covid-19. Enquanto na gripe espanhola, iniciada em 1918, a vacinação contra o vírus influenza, seu causador, só pôde ser iniciada na década de 40, a vacinação contra o coronavírus iniciou-se aproximadamente um ano após o seu surgimento.

O contraste nos tempos de resposta das duas pandemias é decorrente do avanço gradual das bases científicas utilizadas na identificação e inativação de vírus, que são construídas diariamente e ao longo de vários anos pelos pesquisadores da área. Essa correlação demonstra que o estudo que rompe as fronteiras do conhecimento, mesmo sem ser notado, é uma peça central do desenvolvimento socioeconômico.

Como somos vistas fora do Brasil

Em países considerados desenvolvidos, como Estados Unidos e Alemanha, o pesquisador é um trabalhador como qualquer outro, acessando os mesmos direitos. E isso desde o início de sua carreira, ainda no doutorado. Um reflexo direto da valorização desses profissionais é a instalação de centros de pesquisa e inovação de grandes empresas, que aproveitam a disponibilidade de profissionais capacitados e a gama de instituições de pesquisa próximas.

A injeção de capital privado, como sabemos, gera empregos e faz a economia girar. Assim, países que investem consistentemente em ciência apresentam economias mais estáveis.

No Brasil, o investimento em ciência fica à mercê da política. Um bom exemplo é a flutuação no número de bolsas concedidas pelo CNPq, uma das principais agências federais de fomento à pesquisa. Entre 2002 e 2015, período dos governos Dilma e Lula, do PT, o número de bolsas de mestrado e doutorado do CNPq saltou de 11 mil para 28 mil. Desde então, cai vertiginosamente. Em 2019 foram apenas 17 mil bolsas, e a partir de 2020 os números totais deixaram de ser divulgados.

O aumento inédito no número de bolsas durante o governo PT criou um exército de doutores. Mas a descontinuidade do investimento deixa, agora, uma geração inteira de pesquisadores, formados a custo de muito dinheiro público, sem oportunidade de contribuir com o desenvolvimento econômico do país.

Cria-se o paradoxo da empregabilidade do doutor brasileiro: ao mesmo tempo que não há empregos suficientes em nosso nível de formação, somos excluídos das demais oportunidades por excesso de qualificação.

Não existem oportunidades no Brasil

Esse paradoxo só existe pela condição de não-trabalho dos cientistas, que são vistos como inexperientes pela indústria brasileira. A principal consequência disso é a migração em massa de doutores, fenômeno conhecido como fuga de cérebros.

Não são os vastos recursos para pesquisa no exterior, nem as melhores condições de trabalho, nem mesmo a famosa síndrome de vira-lata do brasileiro que levam nossos doutores a decidir contribuir com o desenvolvimento econômico de outro país. É a falta de oportunidades no Brasil. Por isso, é nossa responsabilidade encontrar formas de absorver esses profissionais. Não fazê-lo é, no mínimo, um desperdício de dinheiro público.

Infelizmente, há pouco que pode ser feito para reter os talentos que já estão formados e desempregados hoje. Pensando a longo prazo, uma cultura de valorização da ciência pode gerar governantes futuros que garantam o investimento continuado. Mas é difícil valorizar algo que desconhecemos, não é mesmo? Precisamos então começar a desmistificar a ciência já.

Por isso, a você, leitor, eu pergunto: quantos cientistas você segue nas redes sociais? Que tal começar por aí?

Alguns perfis para seguir:

@macro.nano.lab

@nuncavi1cientista

@dra.rafaribeiro

@professorpolímeros

@agenciafapesp