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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As vozes brasileiras que estão lutando por espaço na COP26

Kamila Camilo na COP26 - Aíla Marinho
Kamila Camilo na COP26 Imagem: Aíla Marinho
Kamila Camilo

10/11/2021 06h00

A COP26 (Conferência das Partes das Nações da Unidas) é o assunto do momento, e eu quero falar aqui sobre o que é esse evento por dentro, sobre as pessoas que participam das atividades e trazer uma perspectiva sobre o que é estar aqui sendo uma mulher negra, periférica e ativista.

Cheguei na Escócia há alguns dias para participar desse que é um dos encontros mais decisivos para o futuro do nosso planeta — especialistas consideram a COP26 a mais importante após a assinatura do acordo de Paris, pois agora ou concordamos em um caminho para frear o aquecimento global e recuperar nossas florestas, ou a extinção será inevitável.

Mensagem em um grupo de whatsapp em que participantes da COP26 compartilham informações sobre comida grátis no evento, especialmente por estarmos em um país onde tudo é muito caro. Tradução livre: "Pavilhão brasileiro tem maçãs, pipoca e café. Vão lá, peguem tudo e não deixem nada para eles porque eles estão fazendo greenwashing." - Reprodução - Reprodução
Mensagem em um grupo de WhatsApp em que participantes da COP26 compartilham informações sobre comida grátis no evento. Tradução livre: "Pavilhão brasileiro tem maçãs, pipoca e café. Vão lá, peguem tudo e não deixem nada para eles porque estão fazendo greenwashing."
Imagem: Reprodução

Da conferência podem participar governos, iniciativa privada, sociedade civil e imprensa, e o governo brasileiro passou vergonha desde o primeiro dia (o que não surpreende): montaram um pavilhão luxuoso, mas conteúdo que é bom, nada. Na verdade, apresentaram uma pedalada climática denunciada pelos ativistas Marcelo Rocha e Paloma Costa, visto que as metas "consideradas ambiciosas" são na verdade uma volta no tempo para reafirmar metas de 6 anos atrás.

E não há diversidade entre as pessoas, o que não surpreende. O espaço só não fica completamente vazio porque oferece café gratuitamente, e as pessoas passam lá para pegar e vão embora.

Nos corredores o Brasil é um vexame: a todo momento nos perguntam se o Bolsonaro é tão ruim quanto aparece nos jornais, se de fato ele falou que a vacina contra a COVID causa HIV (o que é uma mentira, claro)... Até recebemos o prêmio Fóssil do Dia (um troféu irônico dado aos países que não se comprometeram com as agendas de fato) pela forma desastrosa e desonesta com que nosso governo tem tratado os povos indígenas.

Mas preciso dizer que ao chegar aqui, mesmo com todo o pessimismo imposto pela urgência da agenda climática, minha esperança se reacendeu. Isso porque vi algumas das pessoas mais resilientes que já conheci articularem uma resposta para dizer: MESMO QUE NOSSOS LÍDERES VIREM AS COSTAS, NÓS NOS LEVANTAREMOS!

Desde a COP25, a sociedade civil se articulou para criar um pavilhão paralelo chamado "Brazil Climate Action Hub", que está com uma programação incrível e tem recebido diversas organizações que trazem suas vozes com a certeza de que serão ouvidas. Foi ali que o Instituto Talanoa apresentou uma proposta real de ambição para o Brasil, o documento Clima e Desenvolvimento: Visões para 2030. O espaço também recebeu o Instituto Terra, liderado pelo fotógrafo Sebastião Salgado. Além de ceder algumas obras de sua nova exposição "Amazônia" para serem exibidas no espaço, ele falou sobre a importância do comprometimento da iniciativa privada para salvarmos a Amazônia.

O consórcio Governadores pelo Clima também esteve no Brazil Climate Action Hub - Kamila Camilo - Kamila Camilo
O consórcio Governadores pelo Clima também esteve no Brazil Climate Action Hub
Imagem: Kamila Camilo

Ali é também um ponto de encontro para os ativistas e uma referência para toda a conferência. Inclusive, presenciei uma cena engraçada em que uma senhora brasileira que estava a caminho do pavilhão do governo federal pediu informações para o staff da conferência e indicaram o Hub como o espaço oficial. Ou seja, o mundo entendeu que as pessoas brasileiras se representam.

Desafios para se fazer presente

Tenho conversado com alguns dos mais de 80 jovens ativistas brasileiros(as) que estão na conferência este ano e ouvi de muitos o quanto foi desafiador chegar aqui. Mas, mesmo com a dificuldade para conseguir financiamento, os altos preços para hospedagem, a dificuldade para conseguir credenciais, ainda assim essa é a maior delegação de ativistas que já tivemos.

Eu vi muita solidariedade e suporte entre as pessoas da delegação, desde criar um grupo de mensagens que indica espaços com comidas gratuitas dentro da própria conferência até vaquinha para fazer mercado e cozinhar em casa. Ativistas locais abriram um espaço onde era possível ir tomar água e fazer um lanche (mas esse era restrito aos membros do Fridays For Future), e entre a delegação brasileira criamos um sistema de apoio no qual era possível pedir SOS no nosso grupo de WhatsApp.

As pessoas que fazem parte dessa delegação são determinadas, otimistas, mas ao mesmo tempo realistas e com muito conhecimento, que abraçam sua ancestralidade, mas dão as mãos para a ciência. O ativista Marcelo Rocha, que conseguiu financiamento para alugar um apartamento, fez do local um abrigo para quase 20 ativistas ao longo de toda a conferência.

Os ativistas brasileiros se fizeram presentes na COP26 em Glasgow, na Escócia -  Acervo pessoal Kamila Camilo -  Acervo pessoal Kamila Camilo
Os ativistas brasileiros se fizeram presentes na COP26 em Glasgow, na Escócia
Imagem: Acervo pessoal Kamila Camilo

Mas nem tudo são flores. Em espaços como COP, onde dinheiro e poder ditam as dinâmicas relacionais, ainda estamos disputando narrativas globais e a mais acirrada é "hemisfério sul x norte". Entre os ativistas presentes, tivemos atos em que, apesar de uma pequena participação, Greta Thunberg era a mais buscada pela mídia. Em um dos momentos, uma ativista sul-africana gritou: "Nós estamos falando, nos ouçam, nós estamos vendo vocês nos ignorar".

Ativistas indigenas como Txai Surui estão sistematicamente denunciando em suas redes sociais o racismo e a discriminação que estão sofrendo. Eu mesma testemunhei um caso logo no meu primeiro dia e não pude reagir porque corria o risco de tirarem a minha credencial. Depois, quando estava com Célia Xacriabá em um espaço chamado Action Zone, um repórter estrangeiro veio perguntar se podia entrevistá-la e dizia: "Preciso de alguém como você" e apontava para as roupas tradicionais que ela usava. Em seguida, perguntou se ela entendia esse espaço e se não ficava confusa aqui, o que nitidamente mostrava uma intenção de cunhar a narrativa de que povos indígenas não têm conhecimento suficiente para estar nesses espaços, especialmente se não falam inglês. Quando eu tentei ajudar ele disse que não estava falando comigo e só ouviu uma outra ativista branca que estava com a gente traduzindo a conversa.

Manifestação de jovens do dia 5 de novembro em Glasgow, na Escócia, durante a COP26 - Pedro Tufic - Pedro Tufic
Manifestação de jovens do dia 5 de novembro em Glasgow, na Escócia, durante a COP26
Imagem: Pedro Tufic

A visão colonizadora do norte global mais desenvolvido e rico ainda está sob um prisma assistencialista. Não à toa, está presente nas falas de diversas lideranças indígenas o pedido por recursos para que eles mesmos possam gerir. Para se ter uma ideia, povos tradicionais são 5% da população mundial, mas responsáveis pela preservação de mais de 80% das florestas, e estão sendo assassinados sistematicamente. Não adianta prometer financiamento e ainda assim fazer articulação para seguir desmatando.

A verdade é que espaços de poder sempre vão existir, e se eles não abrirem as portas a gente arromba; se não nos ouvirem falar, gritaremos e ocuparemos as ruas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL