Perereca-pintada, sapo-chifrudo: 40% dos anfíbios podem ser extintos
![Boophis blommersae, espécie endémica de Madagáscar Boophis blommersae, espécie endémica de Madagáscar](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/b3/2023/11/06/boophis-blommersae-especie-endemica-de-madagascar-1699288889363_v2_900x506.jpg)
A rãzinha-do-tepequém (Anomaloglossus tepequem) costumava ser observada em abundância em riachos da Serra do Tepequém, no estado de Roraima.
Endêmica do Brasil e dessa localidade em específico, ou seja, só encontrada ali e em nenhum outro lugar do planeta, acredita-se que ela tenha desaparecido da natureza. Desde a década de 1990, nunca mais essa espécie amazônica foi vista.
Essa rã é um das 26 classificadas como possivelmente extintas no país, segundo o mais novo levantamento global de anfíbios feito pela União Internacional para a Conservação das Espécies da Natureza (IUCN). E os números são assustadores. Dois em cada cinco deles estão ameaçados.
O estudo teve a participação de mais de mil especialistas ao redor do mundo. Foram analisadas 8 mil espécies de anfíbios — entre sapos, rãs, salamandras, cobras-cegas e outros —, quase 3 mil a mais do que na última análise, realizada em 2004.
![A rã-galática (Melanobatrachus indicus), à esquerda, é uma das espécies mais raras da Índia, redescoberta apenas em 1997. Foto: Sandeep Das. À direita, a também indiana Ghatixalus asterops, considerada em perigo. A rã-galática (Melanobatrachus indicus), à esquerda, é uma das espécies mais raras da Índia, redescoberta apenas em 1997. Foto: Sandeep Das. À direita, a também indiana Ghatixalus asterops, considerada em perigo.](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/af/2023/11/06/a-ra-galatica-melanobatrachus-indicus-a-esquerda-e-uma-das-especies-mais-raras-da-india-redescoberta-apenas-em-1997-foto-sandeep-das-a-direita-a-tambem-indiana-ghatixalus-asterops-considerada-1699282084454_v2_750x421.png)
O grande destaque desta vez é o papel cada vez maior das alterações climáticas para o declínio global de anfíbios, considerados os mais ameaçados entre a classe dos animais vertebrados. Nada mais do que 40% de suas espécies estão com algum risco de extinção.
Desmatamento, perda de habitat e a ocorrência de doenças, como a quitridiomicose, que tem devastado populações inteiras, já eram fatores mais amplamente documentados como ameaças, mas agora os biólogos alertam que o aumento da temperatura, a baixa umidade e a seca, consequências das mudanças no clima, estão aumentando ainda mais a pressão sobre muitas espécies de anfíbios.
De acordo com o estudo, de 2004 a 2022, mais de 300 espécies foram levadas bem próximas à extinção e 30% desses casos foram provocados, principalmente, pela crise climática.
"A água é essencial para a reprodução dos anfíbios. É nela que eles se reproduzem e os girinos nascem", explica o biólogo Iberê Farina Machado, coordenador da Avaliação de Anfíbios no Brasil da Comissão de Sobrevivência das Espécies da IUCN e um dos coautores do artigo.
Além disso, alterações na temperatura e na umidade impactam a saúde e colocam em risco a sobrevivência desses bichos.
Os anfíbios possuem a pele úmida e é através dela que respiram. Algumas espécies usam uma certa porcentagem maior do pulmão e outra da pele para a troca gasosa ou vice-versa. Se o clima está seco demais, isso afeta a respiração deles.
Iberê Farina Machado
![Mapa produzido pelo levantamento revela onde estão as 2.873 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção; a maioria está nas zonas de altitude, onde há cada vez menos umidade disponível Mapa produzido pelo levantamento revela onde estão as 2.873 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção; a maioria está nas zonas de altitude, onde há cada vez menos umidade disponível](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/a8/2023/11/06/mapa-produzido-pelo-levantamento-revela-onde-estao-as-2873-especies-de-anfibios-ameacadas-de-extincao-a-maioria-esta-nas-zonas-de-altitude-onde-ha-cada-vez-menos-umidade-disponivel-1699281869667_v2_750x1.jpg)
26 espécies possivelmente extintas no Brasil
O Brasil é o país com maior diversidade mundial em anfíbios, abrigando cerca de 1.200 espécies. Quase um terço delas foram avaliadas pela primeira vez nesse novo relatório.
A avaliação apontou que 189 espécies estão atualmente classificadas como criticamente ameaçadas, em perigo ou vulneráveis à extinção no Brasil. E o que preocupa mais é que a grande maioria delas é endêmica.
O cenário é ainda mais sombrio quando temos em conta as 26 espécies classificadas como possivelmente extintas, não tendo sido avistadas em ambientes naturais desde a década de 1980 ou antes.
Iberê Farina Machado
É o caso da rãzinha-verrugosa-do-itatiaia (Holoaden bradei) e a rã-das-pedras-de-petrópolis (Thoropa petropolitana), ambas encontradas no século passado na Mata Atlântica.
Entretanto, a última vez que a petropolitana foi avistada nos riachos da serra fluminense foi em 1982.
![Perereca-pintada-do-rio-pomba (Nyctimantis pomba), espécie criticamente ameaçada de extinção, endêmica de uma única região na zona da mata mineira. Perereca-pintada-do-rio-pomba (Nyctimantis pomba), espécie criticamente ameaçada de extinção, endêmica de uma única região na zona da mata mineira.](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/6e/2023/11/06/perereca-pintada-do-rio-pomba-nyctimantis-pomba-especie-criticamente-ameacada-de-extincao-endemica-de-uma-unica-regiao-na-zona-da-mata-mineira-1699282192604_v2_450x1.jpg)
O biólogo esclarece que, no Brasil, o desmatamento e a expansão agropecuária e urbana continuam sendo os principais responsáveis pela extinção de anfíbios. Todavia, as alterações climáticas estão cada vez mais presentes.
Estima-se que nos últimos 40 anos, por exemplo, a Amazônia tenha ficado 1 ºC mais quente e apresentado uma taxa de redução de chuvas de até 36% em algumas áreas.
As secas extremas no bioma são cada vez mais recorrentes.
Neste exato momento, os estados amazônicos vivem uma das piores estiagens de sua história. Rios secaram e a navegação foi interrompida, deixando populações ribeirinhas sem acesso a alimentos e água potável. Mais de cem botos foram encontrados mortos no Lago de Tefé.
À medida que os humanos provocam mudanças no clima e nos habitats, os anfíbios são incapazes de se deslocar muito longe para escapar do aumento da frequência e da intensidade do calor extremo, dos incêndios florestais, da seca e dos furacões acarretados pelas alterações climáticas.
Jennifer Luedtke Swandby, coordenadora da Autoridade da Lista Vermelha do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN e uma das envolvidas no estudo.
![Sapo-chifrudo-de-palawan (Megophrys ligayae), espécie em perigo endêmica de Filipinas. Sapo-chifrudo-de-palawan (Megophrys ligayae), espécie em perigo endêmica de Filipinas.](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/54/2023/11/06/sapo-chifrudo-de-palawan-megophrys-ligayae-especie-em-perigo-endemica-de-filipinas-1699282276555_v2_450x1.jpg)
Anfíbios de altitude são os mais afetados
Seca e estiagem são sinônimos de falta de água e umidade. Nesse cenário desolador para a sobrevivência dos anfíbios, imagina-se que aqueles que vivem mais perto do solo seriam os mais impactados.
Contudo, não é bem assim. As espécies que habitam áreas mais altas, acima dos 1.600 metros de altitude, perecem mais rapidamente.
Em regiões de grandes serras, como o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro, ou no Monte Roraima, ao norte do país, sapos, rãs, pererecas e demais anfíbios sofrem mais com os distúrbios climáticos.
"Temos percebido as linhas das nuvens cada vez mais altas, ou seja, há menos umidade disponível para eles no topo das montanhas. E como eles não conseguem escapar mais para o alto, acabam se tornando reféns do clima", diz o biólogo brasileiro.
![À esquerda, sapo da espécie Ghatophryne ornate, nativo da cordilheira dos Gates Ocidentais, no sul da Índia. Foto: Sandeep Das/IUCN. À direita, rã-de-cristal (Hyalinobatrachium aureoguttatum), que habita as florestas de Equador, Colômbia e Panamá. À esquerda, sapo da espécie Ghatophryne ornate, nativo da cordilheira dos Gates Ocidentais, no sul da Índia. Foto: Sandeep Das/IUCN. À direita, rã-de-cristal (Hyalinobatrachium aureoguttatum), que habita as florestas de Equador, Colômbia e Panamá.](https://conteudo.imguol.com.br/c/entretenimento/4e/2023/11/06/a-esquerda-sapo-da-especie-ghatophryne-ornate-nativo-da-cordilheira-dos-gates-ocidentais-no-sul-da-india-foto-sandeep-dasiucn-a-direita-ra-de-cristal-hyalinobatrachium-aureoguttatum-que-habita-1699281743445_v2_750x421.png)
A perda de tantas espécies e a iminente extinção de possíveis outras são um novo alerta sobre a necessidade urgente de se conter as causas das mudanças climáticas e mitigar seus efeitos.
Os anfíbios são importantes bioindicadores da saúde de seus ecossistemas e, consequentemente, do planeta.
"O mundo aquecendo vai perdendo muitas mais espécies do que seres humanos e eles nos servem como um alerta", afirma Machado.
Os anfíbios estão desaparecendo mais rapidamente do que podemos estudá-los, mas a lista de razões para protegê-los é longa, incluindo seu papel na medicina, no controle de pragas, alertando-nos para as condições ambientais e tornando o planeta mais bonito.
Kelsey Neam, coordenadora de prioridades e métricas de espécies da Re:wild e uma das principais autoras do estudo.
*Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.
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