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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Assim como Linn, finalmente eu fracassei

BBB 22: Linn da Quebrada conversa com Rodrigo na piscina - Reprodução/Globoplay
BBB 22: Linn da Quebrada conversa com Rodrigo na piscina Imagem: Reprodução/Globoplay

31/01/2022 06h00

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Hoje é o último dia do Mês Nacional da Visibilidade Trans e, antes de mais nada, eu quero lembrar vocês que pessoas trans e travestis existem o ano inteiro. É nossa responsabilidade manter viva a pauta da inclusão destas pessoas em todos os contextos que habitamos. Dito isso, quero abordar o tópico principal da minha conversa com vocês hoje: o protagonismo de uma existência travesti dentro do maior reality show brasileiro.

Se você está esperando que eu fale sobre o programa, ou sobre atos de preconceito que vêm acontecendo constantemente ali dentro, você se enganou. Não é essa a minha intenção, até porque isso tudo você já pode acompanhar na televisão, no streaming e nas redes sociais e com toda certeza também se incomodou com os episódios de transfobia e microagressões.

Estou aqui hoje para falar justamente sobre este incômodo. Este que pessoas cisgênero estão demonstrando com tudo que estão vendo e sobre os discursos replicados por muitas delas que tem um denominador em comum: o sentimento de pena.

Existe uma linha muito tênue entre o sentimento de pena e o sentimento de empatia. Muitas vezes acreditamos que estamos agindo corretamente, pois temos certeza de que estamos sendo empáticos. Porém, na maioria das vezes que achamos que sentimos empatia por uma pessoa trans ou travesti, estamos, na verdade, sentindo pena.

Explico. Primeiro é preciso relembrar o conceito de "empatia", que é o ato de se colocar no lugar daquela pessoa. Isso quer dizer que empatia não é apenas imaginar o que aquela pessoa está passando, mas sim imaginar o que você faria, ou gostaria que fizessem, caso estivesse naquele lugar. E não é assim que agimos normalmente. Afinal, se fosse, tomaríamos responsabilidade por aquela dor alheia e faríamos o possível para mudar aquele cenário.

Digo que sentimos pena pois quando acreditamos que estamos nos colocando no lugar daquela pessoa, o que sentimos é "pesar". É uma sensação de tristeza. E tristeza e pesar não são empatia. Esses sentimentos, que podemos resumir à "compaixão", não são suficientes para nos causar o desconforto necessário para nos tornarmos agentes de mudança. Em resumo, se você sentiu vontade de abraçar aquela pessoa em vez de tomar uma ação concreta para mudar aquele cenário, você não sentiu empatia, você sentiu pena.

Por mais que pudesse ser maravilhoso se abraços mudassem realidades trans e travestis, ainda estamos muito distantes disso. São necessárias muitas outras ações prévias para que um abraço chegue a fazer diferença. Em algumas de outras colunas minhas aqui em Ecoa você pode ler sobre quais são essas ações que precisamos tomar para tornar um ambiente inclusivo.

A grande questão é: precisamos parar de sentir pena e agir. É passar a ter empatia para entender a vivência da pessoa trans e travesti a partir do protagonismo dela, e não de um entendimento da cisgeneridade e suas suposições da vivência trans. Trago aqui um ponto principal para elucidar como ainda olhamos para a pauta das pessoas do recorte transgênero através de uma ótica cisnormativa. Linn da Quebrada entrou neste reality show e se apresentou aos demais participantes com uma fala poderosa, em que dizia "eu sou o fracasso". Quando você ouviu isso, o que você sentiu? O que você entendeu desta fala de Linn?

O que vimos a partir desta fala foi um show de compaixão, em que muitas pessoas cis sentiram pena. Esse é o entendimento delas para a existência da travesti afirmando veemente que é um fracasso.

Agora, se você sair da "compaixão" e "tentar se tornar Linn", você vai entender outra coisa. Vai entender que não corresponder às expectativas de uma sociedade preconceituosa, que limita as existências, que exclui tudo que não considera normal, é de fato fracassar. Mas este fracasso, não é um pesar, esse fracasso de não fazer parte daquilo que não nos representa, é um orgulho.

Fracassar ao que é esperado de nós, quando não queremos ser parte disso, é uma conquista. É transpassar essa tentativa de anulação das nossas existências e transcender as tentativas de nos fazerem ser quem não somos.

Então, o que para você soa como pesar, para nós é uma vitória. E isso não pode — não deveria — ser confundido. Que possamos cada vez mais ter a liberdade de sermos o fracasso que sempre quisemos ser.