Noah Scheffel

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Opinião

Kate Middleton e o mistério do que não é dito

Entre os assuntos que desaparecem rapidamente, um deles se destacou nos últimos dias e vai durar até sabe-se lá o rei quando. Literalmente. De semanas para cá, só se fala no suposto sumiço de Kate Middleton e onde e quando ela apareceria.

Kate, esposa do príncipe William, da família real britânica, não participa de nenhum compromisso oficial desde o Natal. Segundo a família real, ela fez uma cirurgia abdominal em janeiro e não deve retomar o trabalho até 17 de abril. Na segunda-feira (18), a imprensa internacional noticiou que o casal foi visto saindo de um mercado no sábado (16).

Porém bastou isso, algumas fotos mal editadas e uma rede social cheia de teorias de conspiração, para que o paradeiro dela já tivesse tido mil enredos.

A questão é que ninguém sabe ao certo o que está havendo, ao menos não alguém que pudesse vir a público, e esse mistério continuará sendo pautado na antiga rede do passarinho como se fosse a única coisa acontecendo no mundo, até que se tenha a resposta definitiva de onde e como está Kate.

E aqui questiono o quão friamente esquecemos de assuntos como o "aniversário" dos assassinatos de Marielle Franco e o suicídio do influencer trans Paulo Vaz, ambos ocorridos no mesmo dia 14/3, semana passada, em diferentes anos, mas pela mesma violência intolerante.

Esquecemos pois dessas histórias nós já sabemos o enredo, e o ser humano costuma encontrar seu sadismo quando existe uma história não dita, uma história não contada, um mistério a ser desvendado, uma fofoca no ar. Nosso imaginário social nos faz conectar em histórias como a de Kate pois nela, até o encontro de sua verdade, tudo é possível de ter acontecido.

Infelizmente é por este motivo que continuamos chovendo no molhado quando poucos de nós ainda cobram respostas da sociedade para pautas como a crise climática, casos de direitos humanos desrespeitados, pessoas morrendo injustamente. Aqui, a audiência só persiste enquanto se pode desfrutar de boas doses do tal sadismo em imagens, vídeos ou até mesmo podendo exercer o papel de salvador vez ou outra, sem nem lembrar depois o que se passou.

Muitos de nós que estamos envolvidos em ativismo, trabalho comunitário e em esforços para promover mudanças positivas em nossa sociedade estamos de fato preocupados. Afinal, em um mundo cheio de desafios sociais, ambientais e econômicos, seria de se esperar que mais pessoas se sentissem compelidas a agir, certo? Na maioria das vezes essa não é a realidade que observamos, principalmente se compararmos a fenômenos sociais como uma suposta princesa desaparecida.

O caso da Kate me choca pela potência que a sociedade demonstra para fazer tanto, e ao mesmo tempo me entristece por saber que ela poderia fazer muito mais se determinado assunto fosse de seu interesse. Imagine essa legião de pessoas que hoje cria teorias e pesquisa datas ou dias, desmascara fotos ou encontra erros em edições, estivesse unida para fazer o bem de que a sociedade tanto precisa em outras causas sociais tão importantes. Quão poderosa é a sociedade unida em prol de algo e onde poderíamos estar caso estivéssemos juntos por uma vida melhor para todos?

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Mas, enquanto a sociedade não encontra Kate Middleton, continuamos vivendo nesta distopia onde pouca coisa é tão fugaz quanto um assunto de suma importância.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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