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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Saúde mental para quem?

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Imagem: Getty Images

15/03/2021 04h00

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Você já se questionou qual a linha que separa razão e desrazão, ou sobre a ótica de quem surge o conceito da "loucura"?

São tempos em que, como nunca antes, a saúde mental tem sido dialogada e discutida com a devida seriedade que precisa. Os ambientes em que convivemos, as nossas rotinas, os múltiplos estímulos diários, as responsabilidades mil, os ritmos frenéticos aos quais somos submetidos de forma naturalizada, definitivamente possuem um preço, e esse preço não tem quase nada a ver com dinheiro.

Quero colocar este preço em perspectiva. Como se as pessoas vivendo nesses contextos citados acima fossem um país no nosso planeta. Ou seja, eu posso ser a Argentina, você a França, seu vizinho a China, seu colega de trabalho os Estados Unidos, e assim por diante, para cada pessoa existente na nossa sociedade — e, claro, muitas delas fazem parte de um mesmo país.

Só que nesta relação entre países existe algo que se chama câmbio, e cada moeda possui um valor perante as demais. Isso faz com que o preço que se paga por qualquer coisa seja, quase sempre, diferente para cada uma dessas nações.

Por mais que a sociedade coloque sobre nós diversos motivos para que pensemos em saúde mental, sempre teremos um preço a pagar: se levarmos essa pauta como importante para nossa vida, ela vai possuir um preço, se a negligenciarmos, ela vai possuir outro. Mas mais que isso, quais são os países em que esses preços são mais caros? E por quê?

A minha analogia a países aqui é referente a diferentes recortes da nossa sociedade. Por mais que os dilemas sociais que afetam a nossa saúde mental pareçam os mesmos, mesmo não sendo, as estratégias e mecanismos que nos permitem o privilégio de pagarmos por esse preço, são diferentes. Assim como o fato de podermos lidar, ou não, com eles, também.

Existem grupos de pessoas que podem priorizar o "não estar se sentindo bem", que podem respeitar o "burnout", que podem se ausentar momentaneamente ou até mesmo em definitivo de qualquer atividade ou ritmo frenético para cuidar de sua saúde mental. Que bom para elas, e que justo seria se isso fosse possível para todos. Porém, muitos outros grupos não podem pagar este preço, porque para eles a variação de câmbio torna impossível o benefício do autocuidado.

Pessoas que podem pagar pelo preço da própria saúde mental são pessoas privilegiadas. São aquelas que não têm a desrazão problematizada e, sim, entendida e acolhida, em que a "loucura" é um conceito abraçado e mobilizado, até porque de fato aquela vida é, sim, preciosa. Mas repare bem de que "países" estamos falando: pessoas brancas.

E quem paga a conta dessa variação cambial?

Quantas pessoas pretas ou pardas que você conhece se ausentaram de algum compromisso para cuidar da própria saúde mental? Quantas delas você viu faltando a um dia de trabalho ou tirando dias para relaxar, pois o estresse está gigante? Quantas delas você viu jogando tudo para o alto porque não aguentava mais?

Muito pelo contrário, além das pessoas pretas e pardas não poderem pagar este preço, mesmo que o câmbio esteja favorável a elas, o débito do privilégio do país vizinho é mais um encargo que elas devem suprir. Afinal, alguém precisa fazer a economia girar. Parafraseando Emicida, é todo dia um novo "levanta e anda".

Então, quando pensamos em saúde mental, precisamos também pensar sobre quais pessoas estão fazendo parte do acesso ao autocuidado e sobre quanto o privilégio de alguns sobrecarrega os demais. Se não estamos pensando em saúde mental para todas as pessoas, estamos aniquilando subjetividades e vidas. Não interessa a variação cambial, o preço precisa ser o mesmo.