Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como a mídia pode ajudar na crise ambiental
Como costumo mencionar (por exemplo, aqui e aqui), no Brasil, o principal desafio em relação ao atual colapso ambiental é furarmos a bolha e rompermos o silêncio em torno desse problema. Essa é uma responsabilidade tanto da mídia em geral, quanto de nós como sociedade, que precisamos cobrar e exigir que essa questão tenha o espaço proporcional à sua relevância.
Esse silêncio é seletivo. Não é que os maiores desmatamentos, ondas de calor e desastres ambientais de todos os tempos não estejam sendo noticiados. Mas é que a história toda não está sendo contada. Por exemplo, qual é a relação de desastres climáticos (em certas áreas, seca e calor extremos; em outras, chuvas destruidoras) com a extinção das florestas nativas e a poluição industrial? Por que o governo favorece empresas que destroem (como na iminente aprovação do PL do Veneno)?
Como lidarmos com o aspecto destrutivo da expansão (agro)industrial, além dos informativos fictícios sobre sustentabilidade? Quais as consequências em nossas vidas da continuidade da aniquilação da Amazônia? O que acontecerá se continuarmos lançando na atmosfera toneladas de gases do aquecimento das indústrias, desmatamento e pecuária? Aquilo que sofremos hoje, como clima extremo e crise energética, é consequência de quais ações e inações das décadas passadas? Além das versões corporativas sobre como continuar lucrando com a situação, que outras alternativas temos? Que medidas podemos tomar para mitigar a degradação ambiental que já não tem mais volta? Como viver com a perspectiva de um mundo cada vez pior?
Há um silêncio em torno dessas questões. Ele se torna particularmente gritante quando reconhecemos que essas não são questões supérfluas, mas afetam absolutamente todos os aspectos de nossas vidas.
Mas não é um silêncio total. Pelos bordas, a discussão vem chegando devagar. Por exemplo, esta reportagem bem contextualizada da BBC. Ou a nova newsletter do UOL sobre emergência climática.
Aqui mesmo no Ecoa, há um oásis de debates significativos — frequentemente me sinto grato por ter um espaço para articular ideias como estas, que não encontram espaço na mídia. Mas o alcance ainda é muito limitado.
O que precisamos é de editoras visionárias, jornalistas corajosos, com a capacidade de bancar e dizer: "Vamos abrir um espaço aqui. Isto realmente é importante. Se não houver demanda por isso, a gente cria esse interesse. Precisamos fazer isso chegar ao maior número possível de pessoas. Elas precisam estar a par dos vários aspectos da destruição sistemática de nossas condições de vida, para que tenham ferramentas para decidir o que fazer diante dessa enorme ameaça."
É isso, por exemplo, que vem fazendo há anos o jornal britânico The Guardian, considerado o veículo mais confiável da Inglaterra. Em 2019, a empresa lançou um "compromisso de serviço ao planeta": "[Na época,] declaramos que a escalada da crise climática era a questão definidora de nossas vidas e que reportagens de qualidade, confiáveis, sobre o meio ambiente eram uma ferramenta importante para enfrentá-la", diz o texto.
Quando falamos em "emergência" ambiental, isso não é retórica. Realmente, a situação chegou a um ponto em que temos pouco tempo. Especialistas, em 2020, falavam em um prazo de dez anos para mudarmos radicalmente todo o nosso sistema de produção e consumo. Ou então, nos preparamos para um gradual colapso massivo de todas as condições de vida. Agora, restam oito anos, e nesses dois que já se passaram a coisa ainda piorou.
Neste pouco tempo que resta, não há mais tempo para abordagens de longo prazo. Provavelmente, nossa única chance é a sociedade se mobilizar e exigir políticas governamentais para frear essa autodestruição, já que governos são a única entidade com o poder de implementar rapidamente transformações amplas, como as medidas urgentes na pandemia demonstraram claramente.
Mas, em relação à destruição de nosso ambiente, por que isso não acontece? Essencialmente, por causa do silêncio da mídia. Onde esse silêncio começou a ser quebrado, o despertar público e a mobilização também brotaram na mesma proporção, como por exemplo no Norte Global.
Lá realmente tem havido progressos nessa área, como mostra a organização Covering Climate Now, que atua especificamente para quebrar esse silêncio da mídia.
Desde 2015, a cobertura da crise climática aumentou 90% em todo o mundo (mas principalmente no Norte Global). Uma pesquisa entre 80 redações jornalísticas pelo globo apontou que 80% delas planejam aumentar a cobertura nessa área no próximo ano.
Várias dessas mudanças estão acontecendo nos EUA, cada vez mais castigado por catástrofes climáticas causadas por humanos (ou, como diz o climatiquês, "mudanças climáticas antropogênicas"), e onde também recentemente o filme "Não olhe para cima" ativou um debate intenso sobre o colapso climático e ecológico de nossas sociedades.
Por exemplo, o jornal Boston Globe anunciou que sua editoria climática está expandindo e repensando a cobertura: "Agora estamos à beira do 'tarde demais', e devemos decidir como responder."
Já o New York Times, em um anúncio de uma vaga para Editor Climático, publicou: "[A seção] Times Opinion está procurando um editor para liderar sua cobertura climática. Esse é um papel crítico (na seção Opinion), com potencial para moldar o debate sobre como lidar com a crise global."
Uma das líderes de audiência nos EUA, a rede de TV ABC News, publicou no fim de 2021: "A ABC News anunciou uma série de reportagens sobre mudanças climáticas de um mês, abrangendo sete continentes (...) unindo forças para mitigar os danos ainda maiores da crise climática que o mundo enfrenta. A ABC News comprometerá recursos sem precedentes, enviando âncoras e correspondentes por todo o mundo (...) para cobrir as circunstâncias que colocaram milhões de pessoas em risco — que lutam com o aumento do nível do mar, fome, ameaças climáticas e muito mais — em busca de respostas para prevenir as consequências danosas da inação."
A CNN estadunidense também anunciou medidas semelhantes, ao inaugurar uma editoria climática exclusiva: "Temos comprometido recursos para cobrir a questão climática por mais de uma década e hoje anunciamos que estamos formalizando a expansão de nossa cobertura climática com uma dedicação exclusiva."
Mudanças como essas são mais do que urgentes aqui no Brasil, que costuma atrasar alguns pares de anos para seguir as tendências mundiais. Mas poderemos esperar todo esse tempo?
Lembro-me de uma conversa com um editor em um jornal em que trabalhava, lá no início dos anos 2000:
- Não é importante dar mais destaque para essas reportagens sobre a destruição do meio ambiente?
- É, sim? mas, como eu poderia não destacar os 300 mortos desse acidente?
A resposta basicamente significava: como não noticiar o que todos os outros veículos estão noticiando? Na verdade, é exatamente isso que precisa ser feito, irmos contra a corrente de silêncio e indiferença, e nos alinharmos com a defesa e celebração da vida.
Jornalistas muitas vezes se esquivam dizendo que não podem fazer ativismo ou ser partidários. Definir nesses termos o cuidado com a natureza, da qual somos mera expressão, é uma das distorções que definem estes tempos e impedem a mudança.
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