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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dias melhores para a Terra

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Imagem: iStock

24/04/2022 06h00

Esta última sexta-feira (22) foi o Dia da Terra, data que é uma ferramenta útil para lembrarmos onde estamos e, consequentemente, quem somos: uma das inumeráveis expressões interligadas da biosfera terrestre. Mas a data já teve dias muito melhores.

No primeiro Dia da Terra, em 1970, o Cid Moreira estadunidense, Walter Conkrite, anunciava em um especial da CBS: "Este é um dia único na história americana, dedicado para a humanidade buscando sua própria sobrevivência." Duas das principais redes de TV dos EUA, CBS e ABC, dedicaram quase o dia todo para a cobertura sobre as ameaças ao ambiente em que vivemos. Na CBS, um biólogo alertava: "Este planeta está ameaçado de destruição. … Estamos em uma crise de sobrevivência."

Com tanta cobertura da mídia e todo o debate público que foi, assim, multiplicado, até o presidente norte-americano Richard Nixon — militarista e um dos políticos que melhor encarnaram a figura do governante a deplorar — avançou as políticas ambientais, sendo até lembrado por isso.

Hoje, 52 anos depois da criação dessa data, as ameaças ambientais à nossa existência neste planeta explodiram: já ficou mais razoável até falar em mitigação, ou um tipo de redução de danos, em vez de evitar o desastre. Já o debate público possibilitado pela cobertura da mídia minguou para uma quase irrelevância, mesmo em meio aos alertas científicos cada vez mais graves: há menos urgência e espaço para esse assunto (em especial no Brasil; já no Norte Global tem havido avanços).

Boa parte desse problema se refere a reduzir esta crise para nossa existência como uma "pauta de meio ambiente", assim, relegando o assunto para baixo de notícias mais importantes ou em algum canto setorizado. O problema é que a atual emergência climática e ecológica afeta todos os aspectos de nossas vidas. Neste avançado grau da crise, isso já deveria estar mais óbvio.

No entanto, quem se preocupa em fazer algo a respeito ainda é rotulado como "ambientalista", "ativista", e há a ideia de que jornalistas ou a mídia em geral não deveriam se envolver nessa atividade. Superficialmente, isso pode até parecer bom senso mas, pensando bem, essa é uma noção estranha.

O fato de veículos de comunicação escolherem noticiar mais um assunto e menos outro, indica sua visão de mundo sobre o que seria importante as pessoas saberem. Então, por que quem decide os assuntos que consumimos e discutimos pensa que o atual estrago para nossas condições de vida é algo menos relevante? Essa opinião não revela também um compromisso com uma causa? Que causa é essa?

No final, não noticiar a atual crise ambiental com a devida urgência e espaço é muito parecido com a tão temida "parcialidade" com causas ambientais, com o "ativismo". Ambos envolvem um comprometimento ativo com uma visão de mundo.

A ideologia dominante, que se reflete em como empresas de comunicação operam, também está na base dos diversos problemas atuais. Para ficar só no meio ambiente, por exemplo, o modelo de lucro crescente — sem limites, regulações e compromissos socioambientais — depende de uma extração igualmente ilimitada de recursos naturais. Então, há toda essa destruição.

É por isso que a discussão padrão em torno de soluções — que acaba sendo determinada pela mídia — se foca em maneiras de continuar fazendo tudo isso, mas que supostamente permitiriam o equilíbrio entre desenvolvimento industrial e a natureza que nos sustenta. É o famigerado "desenvolvimento sustentável". A expressão é controversa porque esse "desenvolvimento" é o mesmo de sempre: acumulação de riqueza que, no final, beneficia só uma minoria e que não pode parar, regredir ou se preocupar com qualquer outra coisa. "Sustentabilidade" não tem sentido como algo a ser buscado se não houver uma redefinição sobre a riqueza que precisa ser sustentada, ou se ela continuar sendo simplesmente o bem de quem possui grandes indústrias.

Já a visão de mundo abraçada por boa parte das pessoas que são chamadas de "ambientalistas" redefine essa riqueza. Seremos ricos se pudermos viver, produzir e consumir sem nos prejudicarmos mutuamente, sem destruir o ambiente e os seres dos quais, em essência, somos inseparáveis. Riqueza é ter contentamento, sem alimentar a angústia contínua de ansiar sempre mais, que nunca experimenta satisfação genuína. Fortuna é ter a capacidade de reconhecer a vida que somos em tudo à nossa volta. Bens verdadeiros se referem ao poder de promover e celebrar a vida, ajudando e protegendo não por obrigação moral, mas como um reflexo da natureza profunda de quem somos.

Quando permitimos que tudo à nossa volta continue sendo assim destruído, não perdemos apenas relações humanas, árvores ou outros seres. Algo também vai morrendo dentro de nós, algo que era a nossa própria natureza.