GM pode repetir Ford e fechar fábricas? O que demissões suspensas mostram

Ex-líder de mercado e fabricante do Chevrolet Onix, que foi o veículo mais vendido do Brasil por seis anos consecutivos, a General Motors ligou um sinal de alerta com o plano de demitir mais de 1.200 funcionários nas três fábricas da montadora em São Paulo, que se tornou público no mês passado.

A alegação para as demissões, posteriormente suspensas pela Justiça do Trabalho e que motivaram uma greve de 17 dias nas três fábricas paulistas, foi "queda nas vendas e nas exportações". Mesmo com o fim da greve nesta semana, a GM diz que segue em negociações com os sindicatos para chegar a um rápido acordo em um PDV (programa de demissões voluntárias), "que seja justo e que permita seguir produzindo e investindo no país".

Diante de tudo isso, fica a pergunta: existe o risco de a General Motors encerrar a produção de veículos no Brasil, segundo o mesmo rumo que a Ford adotou em 2021?

Elementos para esse questionamento não faltam. No início de 2019, a direção da GM chegou a falar na possibilidade de encerrar as operações no país por falta de lucratividade - o discurso mudou após o anúncio de isenções de ICMS e IPTU por parte do governo paulista e de um plano de reestruturação da empresa, que culminou com o anúncio de investimentos de R$ 10 bilhões nas linhas de produção da montadora em São Paulo.

Outro fator a alimentar especulações de um eventual fechamento das fábricas da General Motors no país é a prorrogação de incentivos fiscais para indústrias automobilísticas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até dezembro de 2032, aprovada pelo Senado no texto da Reforma Tributária - que voltará a ser votado pela Câmara dos Deputados. O benefício é visto pela direção da GM e de outras montadoras sem fábrica nessas regiões como uma concorrência desleal.

Segundo disse Fábio Rua, vice-presidente de políticas públicas e comunicações da General Motors, à colunista de UOL Carros Paula Gama, não é o momento de falar em sair do Brasil devido ao resultado da votação no Senado - que ainda poderá ser modificado no Congresso.

"Quando você está no ambiente de concorrência desleal, tem que usar as ferramentas que tem para ter o mínimo de chance nesse mercado assimétrico".

No entanto, segundo especialistas consultados por nossa reportagem, há outros elementos que justificam preocupação com o futuro da GM no Brasil.

Nova Ford?

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Para Ricardo Bacellar, da consultoria Bacellar Advisory Boards, há uma série de elementos "preocupantes" em relação ao futuro da operação da General Motors no Brasil. Segundo o especialista, fatores que levaram a Ford a encerar a produção de veículos no país também podem ser considerados no caso da GM.

"É importante entender que, quando a Ford abriu mão de fabricar veículos no Brasil, isso teve muito mais a ver com suas operações globais. Na época, a Ford fechou fábricas aqui, na Índia e em outros mercados para concentrar investimentos e recuperar vendas no na China, onde ia mal naquela época e é o maior mercado do mundo", opinou.

Conforme Bacellar, em 2023 a General Motors acumula baixa de aproximadamente 25% nas vendas no gigante asiático ante o desempenho de 2022, quando a montadora norte-americana comercializou cerca de 1,7 milhão de veículos na China - ou seja, somente naquele mercado, a GM vendeu um volume não muito diferente da somatória de todas as montadoras no Brasil durante o ano passado.

"Se considerarmos outros fatores, a corda está extremamente esticada para a General Motors no Brasil. O custo para produzir veículos aqui é extremamente alto e nosso mercado está estagnado, andando de lado, o que é outro grande problema. Além disso, hoje o nível de investimento necessário para se manter competitivo só tem aumentado em relação a 2021, quando a Ford fechou suas fábricas no país", pondera o consultor.

Ricardo Bacellar pontua que, "independentemente de viés político", há um fortalecimento dos sindicatos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e isso pode se tornar mais um elemento preocupante.

"É fato que hoje os sindicatos estão mais fortalecidos. Essa reversão das demissões pode ser um elemento de análise de risco estratégico para a direção da GM, inclusive no que se refere a futuras negociações de reajuste salarial. Tudo isso em um cenário que já é ruim".

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Bacellar ainda aponta a prorrogação dos incentivos fiscais para montadoras com fábrica no Nordeste e na região Centro-Oeste, que desagrada a GM e outras montadoras aqui instaladas.

Por sua vez, Cássio Pagliarini, sócio da consultora Bright Consulting e ex-executivo de marcas como Ford, Renault e Hyundai, destaca que a General Motors "está encontrando dificuldades e não anunciou grandes planos de renovação" de sua gama de produtos e isso explica, em parte, a intenção de desligar funcionários.

"É difícil dizer que há um risco [de encerramento da produção local], mas dá para desconfiar. Chevrolet Onix e Tracker estão com boa participação de mercado porque são produtos atualizados. Já a Montana é um produto novo, mas não tem encontrado o mesmo sucesso do que a Fiat Toro".

Pagliarini também cita um descompasso entre a estratégia de eletrificação no nível global com a realidade da empresa no Brasil.

"Os planos globais da GM focam os carros elétricos, enquanto no Brasil os híbridos são maioria e a companhia já disse que não tem pretende produzi-los aqui. A fábrica de São José dos Campos [uma das unidades que teria funcionários demitidos] produz a Chevrolet S-10, que vem perdendo terreno por não ser tão atualizada quanto as competidoras diretas na categoria das picapes médias".

Por outro lado, Milad Kalume, diretor da consultoria Jato do Brasil, não acredita que neste momento a GM irá encerrar a produção em solo brasileiro, da mesma forma que a Ford.

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"O que está acontecendo hoje é simplesmente um retrato dos últimos anos da GM no país. Não vejo o risco de acontecer como aconteceu com a Ford. Será preciso trabalhar de forma mais contundente, mas acredito que a marca conseguirá pensar em produtos de volume para o mercado brasileiro, isso está em sua essência", analisa o executivo em entrevista a Paula Gama.

Para Kalume, a intenção de demitir mais de mil funcionários é uma adequação da filial brasileira à estratégia global da matriz, nos Estados Unidos, de eletrificar toda sua linha de produtos.

"A GM já passou por redução de custo na produção, agora chegou ao limite, o próximo passo é demissão".

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