"Inovar-Auto": programa de Dilma deixou carro brasileiro 15% mais eficiente
Fizemos um balanço final do Inovar-Auto, criado em 2012, com acertos e erros de cinco anos do programa
O "Inovar-Auto", regime automotivo estabelecido pelo governo de Dilma Rousseff em 2012, será encerrado definitivamente em 31 de dezembro deste ano -- algumas de suas ações, porém, já haviam expirado no começo deste semestre. Polêmico, estabelecia metas ambiciosas de crescimento da cadeia produtiva nacional e de eficiência energética dos veículos vendidos no país.
Conseguiu cumprir seus objetivos?
Passados os cinco anos de sua vigência, a resposta é sim -- e com certa folga. Mas houve tropeços, claro. Se as diretrizes do Inovar estabeleciam uma melhora média de 12% da frota brasileira em eficiência energética no período, dados da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) apontam evolução efetiva de 15,4%. Ou seja: ganhamos três pontos de "lambuja".
Ao mesmo tempo, porém, alguns pontos do "Inovar-Auto" (como o chamado "super-IPI" para modelos importados) foram contestados até mesmo pela OMC (Organização Mundial de Comércio), que apontou o protecionismo forçado provocado pelas medidas.
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Eficiência
Na prática, quanto "mais eficiente" um carro é, menor seu "desperdício" de energia ao funcionar. Isso significa que o consumo de combustível é menor e os índices de poluentes emitidos na atmosfera, mais baixos. Isso só foi possível com a "obrigatoriedade" do programa de investimentos em novas tecnologias.
"Tratou-se de um dos mais ousados planos de melhora de eficiência energética já vistos no mundo", elogia Edson Orikassa, presidente da AEA. De acordo com a associação, o país encerra 2017 com um padrão médio de 1,82 MJ/km consumidos para carros de passeio e comerciais leves, considerando um peso médio de pouco mais de 1.100 kg.
Para atingir tais números, tanto modelos produzidos no Brasil quanto importados tiveram de promover fortes adaptações em seus motores. Entre as soluções aplicadas estão: downsizing (redução de capacidade cúbica, com aumento de relação de potência e potência/torque específicos); adoção de motores com três cilindros ante os convencionais de quatro cilindros; uso de turbo, injeção direta e comando variável de válvulas; e elevação do etanol a elemento fundamental para ganho de desempenho, reduzindo emissões.
"Os engenheiros brasileiros fizeram um grande trabalho para tornar os propulsores mais eficientes e com menor atrito", aponta Marcos Clemente, diretor de eficiência energética da AEA. Também foram adotadas novas soluções para o sistema de transmissão, como caixas de câmbio com maior número de marchas e pneus com menor resistência à rolagem, que são popularmente conhecidos como "pneus verdes".
Infelizmente, o "Inovar-Auto" não serviu para incentivar a fabricação e comercialização de automóveis "verdes" -- elétricos e híbridos. As regras de importação e produção deste tipo de motorização permaneceram restritas, apesar de haver leve avanço.
Mais fábricas...
Outra frente que o "Inovar-Auto" tentou impulsionar foi a nacionalização da produção. Ao todo foram oito fábricas inauguradas, ao custo de aproximadamente R$ 14 bilhões. Veja a lista:
... mas e para manter?
Só que aí chegamos a um ponto negativo: ganhamos fábricas, mas ao mesmo tempo o parque de fornecedores foi "deixado de lado" e não acompanhou as mudanças. Para piorar, a crise econômica na qual o país mergulhou (de vez) em 2015 fragilizou ainda mais o setor de autopeças, aumentando nossa dependência em componentes importados (o que ajudou a encarecer o preço dos produtos).
Por falar nisso, a forte queda do mercado automotivo em 2015 e 2016 criou um paradoxo: o parque industrial foi expandido, mas a demanda caiu drasticamente. Como resultado, chegamos a ter mais de 50% da capacidade produtiva ociosa e algumas fábricas, como a da Chery, passaram a operar com extrema dificuldade (tanto que a operação da marca chinesa acabou vendida à Caoa este ano).
Em Itirapina (SP), por exemplo, a Honda manteve uma fábrica nova fechada -- ao custo de R$ 2 bilhões. Esta planta deveria ter sido aberta em 2015 para entregar modelos da plataforma compacta da marca (Fit, City, WR-V e HR-V).
A JAC sequer conseguiu construir o complexo que planejou para Camaçari (BA), o que a levou a tomar uma multa do governo. O grupo SHC, que representa a marca no país, tenta agora corrigir os rumos trocando a Bahia pela antiga linha de montagem do Suzuki Jimny em Itumbiara (GO). Já a Honda optou pela cautela e até hoje não inaugurou fábrica de Itirapina (SP), mesmo prontinha para uso.
Segundo Carlos Sakuramoto, diretor de manufatura da AEA, todos esses fatores ajudaram o Brasil cair mais de 30 posições no ranking de competitividade industrial do Fórum Econômico Mundial. Em 2012, quando o Inovar foi implantado, o país ocupava um lugar entre os 50 melhores países para se estabelecer uma indústria. Hoje é somente o 80º colocado.
"Somos muito dependentes de fatores como um câmbio favorável para sermos competitivos", analisou o executivo.
Outro alerta: não estamos, de fato, conseguindo acompanhar a guinada global rumo à chamada "indústria 4.0", que converge sistemas físicos à inteligência artificial para reduzir custos e aumentar a produtividade.
Os polêmicos 30 pontos
Nenhum fator do "Inovar-Auto" foi tão polêmico, contudo, quanto a questão da sobretaxa cobrada dos automóveis importados. O "super-IPI" previa acréscimo de 30 pontos percentuais de IPI aos carros vendidos por fabricantes que não ingressaram no programa, isentados a partir de um sistema de cotas que levava em conta a média de emplacamentos da marca nos últimos anos, porém com teto de 4.800 unidades.
Este foi o ponto mais crítico do regime: gerou grandes questionamentos dentro do setor, especialmente entre os importadores, e levou a OMC (Organização Mundial do Comércio) a condenar o país por prática de protecionismo.
A grande premissa do "Rota 2030", programa que deve substituir o "Inovar-Auto" (mas que atrasou e não saiu no começo do último semestre de 2017, como deveria ter ocorrido), seria "acabar com o super-IPI". Entretanto, empresários do setor admitem que as sobretaxas devem ser mantidas, embora em patamares e com sistema de tributação diferentes.
O que mais faltou
Na avaliação dos diretores da AEA ouvidos por UOL Carros, o "Inovar-Auto" derrapou ao deixar de abranger alguns tópicos importantes para o desenvolvimento dos veículos aqui produzidos e comercializados. Faltou, por exemplo, um plano específico para melhora da eficiência de veículos pesados.
Também faltou plano de avanço consistente nos padrões de segurança de nossos automóveis.
O regime também falhou, segundo os engenheiros, ao não especificar com precisão que fatia dos investimentos em P&D deveria ser aplicada especificamente à pesquisa de conhecimento e inovação. Muitas fabricantes acabaram colocando na conta os gastos em desenvolvimento de produto (ou seja, de um carro novo).
E, como dito, fracassaram os esforços para popularizar elétricos e híbridos no país, apesar de o programa prever incentivos (apelidados de "supercréditos") para comercialização e até produção nacional desse tipo de veículo.
"Rota 2030" manterá o ritmo?
Todos esses são pontos que o "Rota 2030" tentará abranger, sem deixar de reduzir o ritmo nas conquistas do "Inovar-Auto". As metas de evolução em eficiência energética para os próximos cinco anos, por exemplo, devem ser estabelecidas novamente em 12%, para uma média de 1,62 MJ/km no caso de carros de passeio.
Será que o próximo programa conseguirá expandir o legado de seu antecessor? Confira abaixo uma série de reportagens especiais que fizemos sobre ele em junho, além de outras notícias relacionadas ao tema publicadas nos últimos meses.
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