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OPINIÃO

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Como VW Fox proibido para brasileiros foi parar no fundo de loja de usados

Colunista do UOL

09/12/2021 04h00

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Ele estava nos fundos de uma loja de usados, mas bem nos fundos mesmo. Imagine uma loja grande, com vários carros na frente, prontos para serem vendidos. Atrás desses veículos, um espaço reservado para atendimento passa a impressão de que a loja termina ali.

Porém, um olhar mais atento percebe corredor na lateral, que leva a um espaço mais ao fundo. Não se trata de um espaço tão bonito como o da frente, já que a ideia não é receber clientes ali, mas sim preparar os carros usados para serem vendidos.

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Enfim, era lá que ele estava, com uma aparência péssima, debaixo de árvores e cheio de folhas secas acumuladas na carroceria. Para piorar, calotas genéricas, um retrovisor de cada cor, manchas na pintura e um grande trinco no para-brisa faziam o carro passar despercebido por qualquer um que passasse por ali.

Essa é a descrição do primeiro contato que tive com o Volkswagen Fox que tirou meu sono. Um Fox prata, ano 2009, carroceria duas portas, que parecia um carro qualquer. Mas sabia que ali tinha muita história para ser contada.

Tomei conhecimento dele uns dias antes, quando um membro na minha equipe foi avaliar um carro nessa loja e se deparou com ele. Me mandou algumas fotos na mesma hora, dizendo ser um Fox importado, com motor 1.2.

Fiquei alucinado, pois sabia que se tratava de um modelo vendido na Europa, onde as diferenças não se resumiam ao motor diferente, mas sim a uma série de melhorias de acabamento, conforto e segurança em relação ao Fox vendido normalmente aqui no Brasil.

A empolgação foi tanta que, dias depois, fui à loja com o objetivo de comprar o Fox. Com o carro em nossas mãos, começamos a desvendar seus mistérios e suas várias curiosidades.

Como veio para cá

Volkswagen Fox europeu achado em loja no Brasil - Felipe Carvalho/Caçador de Carros - Felipe Carvalho/Caçador de Carros
Imagem: Felipe Carvalho/Caçador de Carros

As letras iniciais do chassi desse Fox são "WVW" e indicam que foi fabricado na Alemanha. O nome no documento é "I/VW FOX 1.2", onde o "I" é de "importado". Mas, ao abrir o capô, uma etiqueta na parte superior da grade indica que o carro foi fabricado na unidade de São Bernardo do Campo (SP).

Pois é, na prática ele foi fabricado aqui mesmo. Entre 2005 e 2011, exportamos Fox para Europa, todos fabricados nessa fábrica - diferentemente dos modelos vendidos aqui, que eram produzidos na unidade de São José dos Pinhais (PR).

O Fox que compramos foi inicialmente comercializado na Áustria, país vizinho à Alemanha. Foi uma austríaca que comprou e chegou a usar o carro por lá, mas pouco tempo depois veio ao Brasil e trouxe consigo seu pequeno hatch. A certeza de que o carro foi emplacado lá está nos furos que foram feitos nos para-choques para fixar as placas europeias, maiores que as nossas.

O leitor deve estar se perguntando como ela conseguiu isso, já que não é permitido importar carros usados para cá com menos de 30 anos. Acontece que essa mulher trabalhava no Consulado da Áustria, e nesse caso é sim permitido trazer carros de seu país de origem, mesmo que usados.

Depois do carro ter cruzado o Oceano Atlântico duas vezes, rodou por uns anos em Brasília com essa moça, e depois foi "liberado" para o mercado de usados até chegar em nossas mãos.

Como anda

Volkswagen Fox europeu achado em loja no Brasil - Felipe Carvalho/Caçador de Carros - Felipe Carvalho/Caçador de Carros
Imagem: Felipe Carvalho/Caçador de Carros

A ficha técnica indica que o motor rende apenas 55 cv. Com isso em mente, só poderia esperar um carro lento, mas estava enganado. É claro que não é nenhum canhão, mas é uma delícia de ser guiado.

Apesar da pouca potência, o torque é bom: são 11 kgfm que estão disponíveis em baixas 3000 rpm, número melhor do que qualquer 1.0 aspirado da atualidade. Isso faz toda a diferença, tanto que a transmissão tem relações longas, já que o carro consegue se manter bem em baixas rotações e exige poucas trocas.

Esse motor é da conhecida família EA111, a mesma que equipou vários VW nacionais, com a diferença de ter um cilindro a menos. Ou seja, enquanto os motores que conhecemos aqui tem quatro cilindros, esse Fox europeu tem apenas três.

Além desse motor, ele também poderia ser equipado com motor 1.4 de quatro cilindros, o mesmo que tivemos na nossa Kombi, ou uma terceira opção movida a diesel. O nosso é o menor de todos, com apenas 1,2 litro, 6 válvulas, e movido somente a gasolina.

Muitos se apegam ao número da potência para menosprezar esse motor, mas é uma grande bobagem se basear apenas em ficha técnica. Garanto que o carro anda muito bem, inclusive na estrada, onde consegue manter 120 km/h sem muitos esforços, com baixa rotação, pouco ruído ou vibração.

Diferenciais de segurança

Volkswagen Fox europeu achado em loja no Brasil - Felipe Carvalho/Caçador de Carros - Felipe Carvalho/Caçador de Carros
Imagem: Felipe Carvalho/Caçador de Carros

A Europa sempre foi mais exigente que o Brasil na questão da segurança, portanto todos os Fox exportados para lá eram equipados de série com duplo airbag e freios ABS. O Fox vendido aqui teve esses equipamentos como opcionais até o modelo 2012 e eram bem raros até aquele momento. Somente em 2013, um ano antes da obrigatoriedade desses itens no Brasil, a Volkswagen decidiu colocá-los como equipamentos de série por aqui.

Tem mais: repetidores de setas nos para-lamas, faróis com regulagem de altura, lanterna de neblina e ancoragem Isofix completam o pacote de segurança do Fox europeu. Por aqui, o modelo nacional só passou a ter repetidores de seta nas laterais na reestilização do modelo 2010. Nunca tivemos os faróis com regulagem de altura e o Isofix só chegou no derradeiro modelo 2021.

Esse que compramos não tem controles de estabilidade e tração, mas é possível que alguns tenham recebido esses itens, segundo o que aparece no manual do carro.

Outros diferenciais

Volkswagen Fox europeu achado em loja no Brasil - Felipe Carvalho/Caçador de Carros - Felipe Carvalho/Caçador de Carros
Imagem: Felipe Carvalho/Caçador de Carros

Foram várias as configurações dos Fox vendidos na Europa, e o nosso foi agraciado com um pacote intermediário, que inclui ar-condicionado, direção assistida, vidros e travas elétricas.

Até aí, tudo bem, mas tem algumas curiosidades. Os controles do ar-condicionado são diferentes de qualquer Fox vendido aqui. Batizado de "Climatic", é o mesmo que tivemos no Polo. Já a direção tem assistência eletro-hidráulica, diferente do que oferecido no Brasil, além de o volante ter regulagens de altura e profundidade, algo raro no modelo nacional.

O estofamento tem tecido diferenciado, com listras verticais de muito bom gosto, jamais visto aqui. O sistema de som também é similar ao do Polo, com MP3 e entrada auxiliar do tipo P2 no porta-luvas - que inclusive tem tampa, algo que só tivemos nos Fox nacionais depois da primeira reestilização de 2010, quando ganhou outro desenho de painel.

Atrás, o assento tem porta-copos bem ao meio, o que limita o espaço para apenas duas pessoas, algo curioso, já que o entre-eixos é exatamente o mesmo do Fox nacional e caberiam três pessoas numa boa. Para não deixar dúvidas sobre isso, apenas dois cintos de segurança foram instalados no carro.

Como disse, foram várias as configurações. Nas nossas pesquisas, achamos alguns Fox europeu mais simples, com para-choques sem pintura, e outros mais completos, com teto solar e aquecimento nos bancos.

Para finalizar, somente a carroceria duas portas foi disponibilizada para o mercado europeu, que tinha no Fox o modelo mais barato da marca.

Mistério

Volkswagen Fox europeu achado em loja no Brasil - Felipe Carvalho/Caçador de Carros - Felipe Carvalho/Caçador de Carros
Imagem: Felipe Carvalho/Caçador de Carros

Ainda tem uma pulga atrás da minha orelha. Se o leitor prestou atenção, disse que o carro foi fabricado aqui, mas que a gravação do chassi começa com letras da Europa. Como isso foi possível? Entrei em contato com a Volkswagen, mas infelizmente não consegui a resposta para isso. Já recebi mensagens de muitos funcionários e ex-funcionários que trabalharam nessa época, e as histórias são sempre diferentes.

Afinal de contas, como podemos chamar de importado um produto fabricado aqui? Fica esse mistério, que ainda não consegui desvendar.