Ela foi atropelada e achou que não melhoraria de dores: 'Só vivia deitada'

A vida de Maria de Fátima Tasso, 67, mudou há quase dois anos e meio. Em 6 de setembro de 2021, uma segunda-feira, véspera de feriado, ela foi atropelada em uma avenida próxima a sua casa, na zona sul de São Paulo. Maria quebrou os dois braços e a perna esquerda. "Fiquei 3 meses e meio em uma cadeira de rodas", conta a aposentada, que passou por três cirurgias.

Antes muito ativa, foi um choque para Maria se ver com a mobilidade limitada de um dia para o outro. Ela fazia musculação e voltou a caminhar pouco antes de sofrer o acidente, por indicação do médico para prevenir dores de uma artrose.

Além disso, a aposentada sentia muita dor na recuperação das cirurgias. "Era dor o dia inteiro. Eu chorava e só vivia deitada, praticamente. Não aguentava", disse a VivaBem.

Quando uma pessoa sofre fraturas assim existe um alto o risco de se desenvolver dor crônica, quando o desconforto dura mais de três meses. Isso acontece porque, antes dos danos aos ossos, a pessoa tem lesões em várias estruturas, como cartilagem, músculos e nervos periféricos — que, inclusive, conduzem os estímulos da dor.

"Fatores de dor vão desde causas orgânicas até emocionais. Trauma psicológico, inclusive o de sofrer um acidente, é um fator de manutenção da memória de dor", explica o ortopedista Adonai Barreto, da UFS (Universidade Federal do Sergipe), vinculado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

"Paciente com dor por muito tempo é alguém que tem memória de dor. Há uma tendência do cérebro de manter um limiar baixo naquele território, ou seja, qualquer coisa pode despertar desconforto", completa o médico.

O acidente: 'Pensei que tinha morrido'

Maria lembra pouco do acidente. Ela caminhava de costas para os carros, por isso não viu nada. "O motorista alegou que um caminhão bateu nele, e ele bateu em mim. Mas a gente não viu isso na câmera", conta.

Por sorte, a ambulância de um hospital da região circulava pela avenida e a socorreu. "Eu estava com o celular na bolsa, ligaram para o meu filho e falaram que eu tinha sido atropelada e estava bem machucada."

Continua após a publicidade

No hospital, é até engraçado dizer, mas eu pensei que tinha morrido e que estava em outro mundo. No meu subconsciente, eu escutava um barulho tão grande, que eu achei não ser mais a Terra, mas era o pessoal me socorrendo. Maria de FátimaTasso, aposentada

Sem vaga no hospital, ela precisou voltar para casa por um dia, até ser internada novamente para uma sequência de três cirurgias. Maria se recuperou relativamente rápido e teve alta em 18 dias.

Em casa, no entanto, a realidade foi difícil. "Eu praticamente tava toda travada", lembra ela. Aos poucos, Maria restabeleceu a mobilidade, mas com muitas limitações devido às lesões. "Quando fui liberada para andar, eu pegava a bengala e ia pra calçada, pra tentar melhorar. Meu filho ia atrás de mim, olhando."

Centro de Referência da Dor Crônica
Centro de Referência da Dor Crônica Imagem: Reprodução/X/Prefeitura de SP

Tratamento focado na dor

Por sentir muita dor, Maria foi encaminhada para uma unidade especializada no tratamento do problema. O Centro de Referência da Dor Crônica foi inaugurado em 2021, na Vila Mariana, pela prefeitura da capital paulista — hoje, já são seis na cidade.

Continua após a publicidade

Para ser atendido, o paciente precisa ter encaminhamento de uma UBS (Unidade Básica de Saúde). Ao chegar, ele passa por uma nova avaliação do diagnóstico, para identificar melhor as características da dor.

Dores articulares, como queixas na lombar, cervical, ombros e cotovelo, são as mais comuns, conta a coordenadora da unidade, a fisioterapeuta Priscila de Oliveira.

O tratamento varia para cada paciente e é determinado pelo PTS (plano terapêutico singular). "A equipe faz reuniões para discutir o PTS e, a partir dele, decide quais vão ser os direcionamentos", explica Oliveira.

Essas intervenções não são só consultas médicas e a indicação de remédios. O tratamento é, sobretudo, focado em especialidades visando a reabilitação do paciente, como a acupuntura, psicologia, fisioterapia e terapia ocupacional — as unidades também contam com assistentes sociais, farmacêuticos e enfermeiros.

"Vale lembrar que a dor é multifatorial, pode ser emocional, psíquica, física, social, espiritual. A partir da avaliação, verificamos o quanto cada paciente se beneficia de cada abordagem", explica Oliveira.

 Centro de Referência da Dor Crônica
Centro de Referência da Dor Crônica Imagem: Reprodução/X/Prefeitura de SP
Continua após a publicidade

Enfim, a melhora: 'Achei que nunca mais ia dançar'

Antes de chegar ao Centro da Dor Crônica, Maria ouviu que o seu tratamento seria difícil e que conviveria com muitas sequelas de mobilidade.

Ao iniciar o tratamento lá, ela classificou a dor em oito, numa escala que vai até dez. Esse é um procedimento comum e serve para mensurar o desconforto de cada pessoa. No caso de Maria, a dor era constante, intensa e atingia principalmente os ombros, as pernas e os braços.

Seu tratamento envolveu fisioterapia, terapia ocupacional, acupuntura, reiki e acompanhamento com a psicóloga. São duas visitas à unidade por semana desde 2021. "Brinco que aqui é um 'pedacinho do céu', porque foi onde eu encontrei a melhora", diz.

Tratar a dor foi essencial para retomar a qualidade de vida. Hoje, o nível de desconforto é dois.

Com a melhora, Maria entrou em processo de alta neste ano. Cada pessoa tem um período para isso. "Não quer dizer que o paciente vai zerar a dor, mas que tem melhora da qualidade de vida. Ele vai ter que continuar fazendo o que aprendeu aqui. Essa educação em dor é uma das propostas do serviço", explica a coordenadora, Priscila de Oliveira.

Continua após a publicidade

A recuperação significou à Maria retomar prazeres que pensou ter perdido para sempre. "Um médico falou que eu nunca chegaria nem perto de melhorar 100%, mas hoje estou em 80% já", comemora. "Gosto de música e achei que nunca mais ia dançar, e já fui várias vezes para o forró, que amo."

Segundo ela, cuidar da mente foi muito importante para lidar não só com a dor, mas ressignificar a forma como vê a vida. "Eu tinha a mente boa, mas era muito de reclamar. Depois que passei com a psicóloga, dei uma melhorada e tento agradecer mais." Também aprendeu técnicas de respiração e meditação, que ajudam em momentos de crise.

Sou vaidosa e fiquei com cicatrizes, mas eu acostumei. Hoje, eu olho para elas e sei que sobrevivi, que estou bem e vou melhorar mais. Penso desse jeito. Maria de Fátima Tasso, aposentada

Deixe seu comentário

Só para assinantes