Jornalista reúne textos que a ajudaram a lidar com morte do ex-marido

"Quando isso vai passar?" Sonia Consiglio conta que foi a partir desta pergunta que teve início o livro "#Sobrevivi - O Que Li, Aprendi e Vivi no Meu Luto", Editora Heloisa Belluzzo, recém-lançado.

A publicação traz uma coletânea de trechos destacados em 24 livros, lidos após a morte do ex-marido, em menos de um ano.

Freud, Jung, Santo Agostinho, Christian Dunker, Allan Kardec, Chico Xavier, Carpinejar, Lya Luft, Joan Didion, Roland Barthes, Chimamanda Ngonzi Adichie, C.S.Lewis são alguns dos nomes visitados por Sonia, nos quais encontrou amparo para seguir adiante na fase mais profunda do luto.

Eles estão divididos em seis categorias: ciência, psicológicos, espíritas, autoajuda, testemunhais e diários, e podem ser lidos na ordem proposta ou de maneira aleatória. "Destaquei os textos que mais me marcaram e que, acredito, possam ser uma leitura reflexiva, leve e acolhedora. São mensagens curtas para ler no ritmo e no momento de cada um."

A autora comenta que a maioria das obras aborda a vida após a morte. A exceção é o sobre a ciência e, por isso, ocupa o primeiro capítulo, revelando citações do livro "O Cérebro de Luto: Como a Mente nos Faz Aprender com a Dor e a Perda', de Mary-Frances O'Connor. Segundo Sonia, é interessante observar que o cérebro não entende a morte e fica sempre em busca da pessoa, causando confusão e atordoamento.

Há também partes de sonhos que ela teve ao longo do período e mensagens que escreveu para o ex-marido.

Nessa introspectiva jornada, Sonia percebeu que há muitos mitos e até preconceitos em relação à passagem pelo momento de perda, quando é primordial falar mais a respeito.

Não se supera a morte de alguém importante. Apenas aprendemos a viver com essa nova realidade, que nos modifica para sempre. Sonia Consiglio

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Imagem: Divulgação
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Apoio dos livros

"O questionamento [quando isso vai passar?] foi motivado por achar que a minha tristeza, devido ao falecimento do meu ex-marido, estava demorando a passar. Eu vi a ansiedade na pergunta, afinal estávamos separados há dois anos, após 30 anos juntos. Eu me defino muito por essa relação. Digo que é meu companheiro de alma", diz.

Sonia conta que o livro é menos sobre o casal e mais sobre o processo do luto, que, segundo ela, só se percebe quando passa.

É avassalador, pois não dá para querer ter controle do que acontece, ao perder uma pessoa fundamental na sua vida. Tive muito suporte da família e amigos. Sonia Consiglio

Ela começou a buscar em cada linha, página e capítulo respostas e apoio. O livro "Sinais - A Linguagem Secreta do Universo", de Laura Lynne Jackson, foi o ponto de partida, mesmo sem que ainda soubesse disso. "Lembro que o li em uma viagem, durante os voos de ida e volta."

Sonia já havia lido outros livros, entretanto, a publicação de Laura Lynne Jackson trouxe outras referências. Alguns livros chamaram a atenção pelo título que pareciam conversar com ela, como "A Ridícula Ideia de Nunca Mais Te Ver', de Rosa Montero, e "Tudo Bem Não Estar Tudo Bem", de Megan Devine.

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"Nessas leituras, encontrei apoio, que, muitas vezes, as pessoas ao redor se esquivam por medo de desencadear ainda mais sofrimento. É muito frequente mudarem de assunto ao recordarmos algo ou dizemos o nome da pessoa, pois acreditam que isso não irá ajudar no momento. Percebe-se o silêncio na sequência ou, então, se apropriam de frases para consolar, que vão de que a pessoa não vai querer te ver triste, tudo acontece por um motivo, até a 'pelo menos vocês viveram uma história'."

É vital dar espaço ao sofrimento para que possa emergir, ser vivido e elaborado. Sonia Consiglio

Sonia Consiglio e os livros que cita
Sonia Consiglio e os livros que cita Imagem: Arquivo pessoal

As fases do luto

O luto não diz respeito à morte, exclusivamente, mas também se relaciona a perdas e mudanças. Conforme explica Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do IPq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), é preciso compreender que é difícil lidar com a nossa própria mortalidade, e parte do luto é esse contato com a morte na nossa própria vivência.

"Além disso, como se lida o tempo todo com as emoções, com sentimentos, não com a razão propriamente dita, não com os pensamentos, mas como se sente e reage, algumas áreas cerebrais, que processam as emoções, ficam mais ativadas", diz Alves.

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Por isso, é importante acolher, deixar falar e ouvir. "É um processo de ausência. É comum, por exemplo, olhar a cadeira e expressar que era onde a pessoa se sentava e que agora não está, e a cadeira faz lembrar da pessoa. Mas, à medida que o tempo passa, é esperado se apropriar e transformar isso em saudade, em objetos que te lembrem a pessoa querida, mas não com a dor da ausência continuamente. Isso ocorre quando o luto evolui de forma natural."

Elisangela Niná, psicóloga pela Unip, com especialização em psicopedagogia pela Anhembi Morumbi, formação em neuropsicologia pelo CETCC (Centro de Estudos em Terapia Cognitivo Comportamental) e em transtornos alimentares pela USP, comenta que, assim como o questionamento feito por Sonia, a pergunta que mais fazem é quanto tempo se leva para superar a perda de um ente querido. "Sempre respondo que o tempo é relativo, as experiências são individuais e cada um resolve de forma específica, dependendo do tipo de relacionamento que se tinha com a pessoa que se foi.

A passagem pelo luto é dinâmica entre as cinco fases —negação, raiva, barganha, tristeza e aceitação— e há casos em que não se apresentam todas elas, mas a tristeza profunda é a que está presente em todas.

Sente-se a dor e entra-se em contato com a ausência definitiva daquele ente querido e com essa realidade tão pouco pensada: como existir sem aquela pessoa? Como não poder ligar para minha mãe? Como não poder dar bom dia ao seu marido, esposa? A pessoa entra em contato com as nuances desta dor. Elisangela Niná, psicóloga

Segundo ela, há casos em que se busca maneiras, muitas vezes inconscientes, de sublimar a dor. Pode-se desenvolver hobbies e atividades, como cozinhar e encontrar alívio e distração na produção de doces e bolos. "Outras usam a escrita para elaborar a emoção e fazem cartas, pedindo desculpas e relatando acontecimentos recentes. A pessoa encontra ali um lugar de conforto e aconchego."

Quando é patológico

A psiquiatra do IPq explica que o patológico mantém a pessoa em uma mesma fase, o luto não evolui, pois, em geral, a perda provocou um impacto emocional muito grande.

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Outra manifestação diz respeito ao tempo que parece não estar adequado, pois se remete ao ocorrido como se tivesse sido recente, mesmo tendo sido há muitos anos. Outra característica é a imobilidade e a não transformação, busca-se deixar tudo como era, principalmente as casas, quando houve a morte.

Nesses casos, é melhor buscar ajuda de um especialista.

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