Sem útero e canal vaginal, ela não se sentia mulher de verdade

Sem útero e sem canal vaginal, a professora de educação infantil Antonia de Oliveira Santos, 39, mais conhecida como Sol, não se sentia uma mulher de verdade. A condição com que nasceu, chamada de síndrome de Rokitansky, acomete o sistema reprodutivo feminino. A genitália externa tem aspecto normal, mas os órgãos genitais internos não se desenvolvem completamente ou se desenvolvem de forma rudimentar.

Com ausência de menstruação na adolescência, Sol imaginou que havia algo de errado, mas sua mãe só a levou ao ginecologista quando ela tinha 21 anos. Ela fez alguns exames e foi diagnosticada com Rokitansky.

O médico explicou que mulheres com a condição não menstruam, têm dificuldades nas relações sexuais e não podem engravidar, entre outras coisas. No início, fiquei assustada com a notícia, mas não me afetou tanto porque não namorava. Sol

Cinco anos após o diagnóstico, porém, Sol começou a namorar e várias situações vieram à tona.

"Me submeti e me sujeitei a muitas coisas porque na minha cabeça meu namorado, na época, foi o único homem que me quis e me 'aceitou' do jeito que eu era. Me sentia frustrada por ter uma vida sexual sem penetração e um tempo depois descobri que meu namorado me traía. Além disso, também queria ter filhos e constituir uma família que nem as minhas amigas", relembra a professora, que por muito tempo se sentiu sozinha e não falava sobre a síndrome com quase ninguém.

De acordo com Cleo Franco, psicóloga clínica e coordenadora do departamento de saúde mental do Instituto Roki, mulheres diagnosticadas com Rokitansky podem desencadear uma série de emoções, incluindo ansiedade, preocupação, angústias, medos, inseguranças, desilusões e questões relacionadas à autoimagem, autoestima e sexualidade.

"Fazer terapia, conversar com amigos, familiares, parceiros. Todo tipo de suporte e acolhimento é importante, uma vez que a partir desses vínculos as mulheres e seus familiares poderão entender e ressignificar a síndrome de forma menos sofrida. Os grupos de apoio, em especial, possibilitam a troca de experiências e vivências que fortalecem cada uma na sua jornada, permitindo-as se reapropriar dos seus projetos sexuais e de vida", comenta Franco.

Moradora de Piripiri, a 160 km de Teresina, no Piauí, Sol conviveu com a condição durante anos sem nenhum tipo de acompanhamento médico. Atualmente, o método da dilatação vaginal é o primeiro tratamento a ser indicado e apresenta cerca de 90% de taxa de sucesso.

"Com a orientação de um ginecologista, a mulher utiliza um dispositivo (dilatador) que gradativamente dilatará e formará o canal vaginal, o que permitirá que ela tenha uma vida sexual normal, com penetração vaginal, sem dor ou desconforto", explica Claudia Takano, mestre e doutora em ginecologia, e coordenadora do Ambulatório de Malformações Genitais da Unifesp.

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Ainda de acordo com a médica, uma outra opção de tratamento é construir o canal vaginal por meio de cirurgia, no entanto, ela só é indicada em situações específicas. Uma delas é quando fatores anatômicos dificultam o uso de dilatadores ou quando há falha no método de dilatação —o que ocorre em menos de 10% dos casos.

Em meio a esse processo, a pedagoga conheceu outras mulheres com a condição e teve duas tentativas frustradas de fazer a cirurgia. "Meu ginecologista tinha um amigo médico que já havia operado uma mulher com síndrome de Rokitansky. Ele ia me operar de graça, mas não apareceu nas duas vezes que marcamos o procedimento. Fiquei muito triste, a cirurgia era o ponto de partida para eu me encontrar e me sentir uma mulher completa e de verdade", lamenta Sol.

A professora chegou a juntar dinheiro para realizar o seu sonho, mas em 2015 conseguiu realizar a cirurgia pelo SUS em São Paulo.

Foi o dia mais feliz da minha vida, mas confesso que criei muita expectativa e não achei que ter relação sexual foi as mil maravilhas que todo mundo falava. Sol

Grupo de apoio voltado a cônjuges e pais

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Imagem: Arquivo pessoal

Após oito anos de relacionamento, Sol terminou com o seu ex e um tempo depois conheceu Cleison Barbosa, seu atual noivo.

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"Quando a Sol me contou foi um baque porque pensava na possibilidade de ter filhos e ela não pode engravidar. Nosso relacionamento sempre foi na base da conversa, procurei mais informações e entrei em um grupo de apoio online voltado para cônjuges e pais de mulheres com síndrome de Rokitansky no Instituto Roki", conta o estudante de química de 23 anos.

Segundo a psicóloga, parceiros de mulheres que têm a condição podem se beneficiar do apoio psicológico, compreendendo melhor a síndrome, como se aproximar de um tema tão íntimo e feminino e desenvolvendo empatia em relação aos desafios enfrentados por elas.

"Expressar sentimentos, medos e expectativas em um ambiente seguro e orientado por um profissional pode fortalecer os laços emocionais, facilitar a compreensão mútua e desenvolver estratégias para o bem-estar mental. Também há questões relacionadas a tratamentos, fertilidade e formação familiar, que podem impactar significativamente a vida do casal", afirma a psicóloga.

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Imagem: Arquivo pessoal

Para Cleison, a experiência de ter participado do grupo de apoio durante cinco meses foi maravilhosa. "Gostava de ouvir as histórias e de trocar informações. Com o tempo fui amadurecendo, aprendendo mais sobre a Sol e sobre mim mesmo", diz ele.

Juntos há quase seis anos, o casal afirma que lida bem com o fato de a professora não poder gestar. "Gostamos muito das crianças dos outros, a parte boa é que quando começa a chorar, entregamos para os pais", brinca Sol. Já Cleison acredita que ter um filho hoje em dia não se encaixa mais no estilo de vida deles: "Estamos bem e felizes".

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