Pais e filhos com TEA: empatia e ajuda profissional reduzem sobrecarga

Em setembro do ano passado, Keren Hawthorne de Camargo Bomfim, 26, foi diagnosticada com TEA (transtorno do espectro autista). Ela suspeitou da condição após reconhecer em si aspectos manifestados pela filha Manuella, 6, que está no espectro. O filho primogênito Isaque, 8, também tem autismo.

A família retrata dados de uma pesquisa feita pela Genial Care em parceria com a Tismoo.me, em que 24% das pessoas com autismo cuidam de outras com o transtorno. Para Keren, cada diagnóstico trouxe um sentimento diferente.

No do filho, quando ele tinha 5 anos, foi um alívio. "Muita gente falava para mim que ele era uma criança sem limite, sem educação e mimada", conta. Houve também um luto pela ruptura de uma realidade vivida até ali.

Com a filha, também aos 5, foi uma surpresa. "Eu não esperava. Vivi aquela fase de luto, porém não me permiti viver por muito tempo, porque o Isaque e ela precisavam de mim."

Quanto a ela, tem sido um processo.

Acho que ainda é muito novo, foi uma mistura de sentimentos. Eu não sei lidar muito bem ainda. Vivi 26 anos sem diagnóstico, tem momentos que tenho crise, mas para mim é normal, indiferente. Keren Hawthorne

Cuidar de si e do outro: um desafio

A dinâmica em casa é desafiadora. Keren relata que os filhos são geralmente compreensíveis entre si, mas há dias em que não podem ficar perto um do outro. Às vezes, entram em crise no mesmo dia.

Como as crianças têm autismo nível 2 de suporte e ela é nível 1, as demandas são mais intensas para eles. Diversas terapias, planejamento para as férias pela mudança de rotina e dar atenção em casa, seguindo o tratamento, são só a ponta do iceberg.

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Um dos pontos de atenção quando pais e filhos têm TEA é dar previsibilidade às atividades diárias, indica a psicóloga Thalita Possmoser, diretora clínica da Genial Care. "Seguir a rotina serve para autorregulação e regulação da criança", diz.

Ela aconselha buscar suporte profissional para construir estratégias que diminuam a sobrecarga familiar. Tal suporte inclui terapia individual —para o adulto e a criança— e coletiva.

A neuropsicóloga Bárbara Calmeto observa que, normalmente, os adultos com TEA se sentem menos preparados para lidar com a criança, porque há dificuldade de comunicação social e interação.

Por outro lado, ela vê uma vantagem. "Os pais se identificam, entendem o que o filho está passando, entendem as questões sensoriais, há empatia", diz ela, que é diretora do Autonomia Instituto.

Apesar da compreensão, a especialista endossa a busca por ajuda profissional. "Esse adulto com autismo precisa da terapia dele e de um treinamento parental da equipe que atende a criança para se engajar melhor na terapia dos filhos."

Sobrecarga

Keren foi diagnosticada com TEA após os dois filhos receberem o mesmo atestado
Keren foi diagnosticada com TEA após os dois filhos receberem o mesmo atestado Imagem: Arquivo pessoal
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Mas nem sempre os adultos encontram tempo para si. "Eu precisaria de psicóloga, mas não tenho tempo. Não consigo trabalhar pela demanda deles. Saio 6h30, chego 13h, faço curso", diz Keren.

Acabo me excluindo muito, vou ficando para segundo plano e voltando mais a atenção para eles. Keren Hawthorne de Camargo Bomfim

Assim como ela, 68% dos cuidadores de pessoas com TEA dizem ter dificuldade de encontrar tempo para descanso e cuidar de si. "Mães sempre relatam um lugar de sobrecarga, principalmente sentindo culpa", comenta Possmoser.

O levantamento também revela a disparidade desse sentimento: enquanto 47% das mães com autismo se sentem culpadas pela condição dos filhos com TEA, 20% dos pais na mesma condição sentem o mesmo.

A psicóloga destaca que cuidar de pessoas com TEA é também uma responsabilidade social, não apenas de quem lida diretamente com elas. "É importante ter políticas públicas que favoreçam a inclusão das crianças", exemplifica. "Essa sobrecarga é questão de saúde pública."

Autismo na fase adulta

Quem é diagnosticado com TEA já adulto tem, geralmente, nível de suporte 1, ou seja, necessita de poucas intervenções ou auxílio para manejar a vida diária. Mas, em alguns casos, a ajuda profissional é bem-vinda.

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Para entender a necessidade de tratamento e qual seria ele, é preciso avaliar o nível de prejuízo que a pessoa tem, diz Calmeto.

E não vale só a percepção dela. Às vezes ela acha que não tem prejuízo, mas as pessoas em volta veem isso. E se há indicação, é buscar terapia especializada cognitivo-comportamental, que tem evidência de melhores resultados. Bárbara Calmeto, neuropsicóloga

Ainda que o diagnóstico seja recente, Keren percebe que muita coisa do passado começa a fazer sentido hoje.

"Na fase adulta, a pessoa está buscando se encontrar, porque passou a vida toda se achando esquisita, que não se adequava, se culpando muitas vezes", comenta Calmeto.

Segundo ela, o diagnóstico tardio traz um misto de sentimentos: alívio de saber por que é do jeito que é, e dúvida sobre o que fazer a partir dali e o que vai mudar.

Tainá Moraes, psicóloga especializada em desenvolvimento infantojuvenil, observa que as vivências de uma pessoa com TEA na infância acabam reverberando no futuro.

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"Eles lembram de situações que não sabiam lidar e hoje têm dificuldade em relacionamentos por não conseguirem expressar o que sentem ou acharem que não são sensíveis, aí buscam ajuda", diz.

Analogia do avião

Coloque a máscara de oxigênio primeiro em você e depois auxilie outras pessoas. A orientação dada a passageiros de avião é uma analogia usada pelas especialistas para mostrar a importância dos pais e da família no cuidado de crianças com TEA.

Para ajudar os pequenos, é preciso antes olhar para si, cuidar de si a fim de estar disponível física e emocionalmente para a realidade que se apresentar. No autismo, o apoio dos cuidadores é fundamental para o desenvolvimento das crianças.

"Se no tratamento a gente ensina a criança a colocar a roupa, mas em casa os pais colocam, não ajuda, e a criança não mantém o aprendizado. Precisa trabalhar em conjunto com os pais", explica Moraes.

Possmoser reforça a ideia. "A família é um grande agente de mudança, de parceria. As terapias são importantes, mas ter cuidado ampliado para outras áreas da vida facilita muito o processo."

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