Amnésia pós-show existe mesmo? 'Pagamos caro e esquecemos tudo'
Três horas e mais de 40 músicas: esse é o tamanho do show de Taylor Swift. Mas, mesmo com tanto tempo, algumas pessoas dizem não lembrar muito do que viram e ouviram ao vivo. É a "amnésia pós-show", termo popularizado por fãs da cantora no meio deste ano, quando a turnê "The Eras" cruzava os EUA.
Por mais que não seja um diagnóstico clínico real, esse tipo de esquecimento existe e é um mecanismo do cérebro que pode surgir em outros momentos marcantes, como no dia do casamento ou da formatura de um filho.
"Eu, Rafaela Polo, entendo isso bem. Sou repórter de VivaBem e, no último ano, fui a sete shows, mas vou fechar 2023 em oito. Começando com Bring Me The Horizon, em dezembro de 2022, passando por Emicida, Imagine Dragons, Paramore, Foo Fighters, RBD, dois da Taylor Swift e terminando com a turnê de despedida do NX Zero. Quantas memórias acumulei nesse período, né? Bom, não muitas. Pelo contrário: foram poucas.
Sei que quando fico emocionada demais acabo esquecendo dos momentos. Resolvi fazer o exercício de prestar atenção no que ainda me lembro dos shows a que fui esse ano. Me dei conta de que era muito pouco.
Do Emicida, que foi em janeiro, me lembro de vê-lo entrar no palco no meio da galera, mas não lembro como foi a apresentação da minha música preferida. Do Foo Fighters, só lembro com clareza do Dave Grohl pegando a guitarra azul para tocar 'Best of You'.
Swiftie que sou, minha preocupação era esquecer tudo que vi no show da Taylor depois de passar por uma batalha para conseguir ingresso. E adivinha? De um dia para o outro já não me lembrava de detalhe nenhum.
No primeiro a que fui estava tão emocionada que, chegando em casa, e vendo os poucos vídeos que fiz (não gosto de assistir ao show com o celular na mão), percebi que não sabia nem como ela tinha entrado no palco. Rafaela Polo, repórter de VivaBem
Se focarmos na minha experiência com o RBD e com o Foo Fighters a história não é diferente. Fui a todos os shows que a banda mexicana fez no país na época da novela. Me lembro apenas de um ou outro momento específico. O mesmo aconteceu com Dave: se ele veio, eu estava lá. E só tenho flashes.
Mas sabe o que eu não esqueço? A sensação de felicidade e bem-estar que essas experiências me proporcionaram. Isso é imbatível. Por isso, para 2024, minha agenda já está cheia de ingressos comprados mais uma vez."
Realidade ou ilusão?
Com a outra repórter de VivaBem, Sarah Alves Moura, a experiência não é diferente. "Igual à Rafa, lembrar de shows não é o meu forte. Assisti Coldplay pela primeira vez em março. Mesmo com um show de duas horas, a maioria das lembranças não está na minha cabeça, mas nas fotos e vídeos do meu celular.
Lembro das horas no estádio antes do show de abertura. Porém, pescar momentos da banda na mente é fazer um esforço que me deixa na dúvida: isso realmente aconteceu ou é apenas uma ilusão na tentativa de ter alguma memória?
Vivi o mesmo ao ver as escolas de samba do Rio no ano passado. Amo Carnaval e queria muito assistir aos desfiles na Sapucaí. Revendo fotos de carros alegóricos, fantasias e vídeos de componentes dançando, lembro pouco. A memória mais vívida é a de ficar fascinada pelas cores das fantasias de uma ala da Portela. Tudo brilhava e pensei que precisava tirar fotos para ter o registro para sempre.
Também me esqueci dos shows de Gilberto Gil e do RBD. 'Palco', do cantor baiano, é uma das minhas músicas favoritas da vida, mas não me lembro da apresentação dela um segundo sequer.
Fã da banda mexicana na infância, achei que tinha ido bem em filtrar os momentos do show. Até que uma amiga me perguntou o que achei da performance de uma música específica. A minha resposta foi: 'mas eles tocaram essa?' Sarah Alves Moura, repórter de VivaBem
Agora, digo que vou duas vezes ao mesmo show na expectativa de lembrar melhor."
O que explica?
Conversamos com a neuropsicóloga Gislaine Gil, que estuda memória, para entender por que isso acontece. Primeiro, é preciso saber que nunca vamos conseguir reter todos os momentos e os seus detalhes, por mais rápido ou importante que ele seja.
"A memória não é uma filmadora que grava momento a momento. Ela não consegue ter essa percepção. Só vai ter aquilo que for extremamente marcante para aquela pessoa, é algo individual", afirma Gil, doutora pela USP (Universidade de São Paulo).
Nos shows, a emoção ajuda a explicar o "apagão". Esse tipo de esquecimento é comum após traumas (a chamada amnésia dissociativa), mas pode acontecer também depois de memórias positivas. "As pessoas ficam tão eufóricas que isso gera alta carga emocional."
- O cérebro entende que o corpo corre perigo e libera substâncias ligadas ao estresse e às respostas de medo --o cortisol e a noradrenalina, por exemplo.
- Surgem sintomas físicos, como o aumento dos batimentos cardíacos, a dilatação das pupilas e o eriçamento dos pelos.
- A prioridade do corpo, então, é em voltar ao normal e não em registrar o momento.
O sistema vai focar em voltar à homeostase, o equilíbrio normal da 'máquina'. Não se cria memória até que o corpo entenda que não está sob risco de vida. Gislaine Gil, neuropsicóloga especialista em memória
Se você estiver bêbado no show e/ou não tiver dormido bem nos dias antes dele também há prejuízo na percepção do momento e, como consequência, no registro das memórias.
Mas o que fazer para lembrar?
A regra é ter calma, indica a neuropsicóloga. Outras dicas são:
- Lembre de respirar pausadamente;
- Se concentre no momento;
- Não exagere na bebida alcoólica;
- Se alimente bem e beba água;
- Tenha consciência de que é impossível lembrar de tudo do show e tente relaxar.
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