Você tem medo de quê?

Apesar de associado a algo ruim, medo é essencial para a evolução e a sobrevivência

Sarah Alves Moura Do VivaBem, em São Paulo Colagens Bruna Sanches

O medo é considerado uma das sete sensações universais —as outras são a alegria, a tristeza, o nojo, a surpresa, a raiva e o desprezo.

Ele exerce, principalmente, um estímulo de proteção. Sentimos medo para nos preservarmos de situações que colocam nossa vida, saúde e integridade física em perigo. Portanto, pode-se dizer que ele tem um papel importante na sobrevivência das espécies e, assim, é essencial para a evolução humana.

Sentir medo é um comportamento natural. Ele é importante para preservar a vida" Tatiana Lima Ferreira, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC)

Há, no entanto, quem não consiga lidar com a sensação de maneira saudável. Nesses casos, surgem as fobias, o mecanismo deixa de ser protetivo, prejudicando outras áreas da vida.

Como é o mecanismo do medo

Diante de uma situação arriscada, nosso cérebro percebe a ameaça e instantaneamente envia estímulos que preparam o organismo para lidar com a adversidade, deixando o corpo pronto para "fugir ou lutar".

O medo é derivado da ansiedade, mas há diferenças entre esses sentimentos:

  • Medo É "palpável", baseia-se em algo identificável. Você tem medo de alguma coisa (uma barata, pular de paraquedas), uma situação real;
  • Ansiedade Não é tão bem definida e possui característica antecipatória. Você tem o sentimento por causa do que pode acontecer, de algo não concreto.

O medo é fruto de um objeto ameaçador específico e que está presente no momento. Há algo identificável. Já a ansiedade é uma reação mais vaga, sem objeto claro. Carlos Filinto, psiquiatra e doutor em ciências médicas pela Unicamp

Ambos também têm consequências diferentes: o medo é mais visceral, suscita uma resposta rápida, sobretudo em situações de ameaça à integridade física. Sob ansiedade, a reação demora mais e é voltada para planejar o que pode ser feito —até porque nem sempre o estímulo é real.

O que acontece no seu corpo quando você sente medo

Quem conduz tudo é nossa mente. Mais especificamente as amígdalas cerebrais, estruturas em formato de amêndoas —daí o nome— que regulam as emoções.

"A amígdala é o que dá o colorido emocional à vida, em reações positivas ou negativas", diz Tatiana Lima Ferreira, da UFABC.

Localizadas nos dois lados do cérebro, quando sentimos medo, as amígdalas ativam regiões para estimular a liberação de hormônios e neurotransmissores.

Há destaque para a noradrenalina, que promove reações fisiológicas para que a pessoa tome uma atitude rápida de enfrentamento ou fuga:

  • Os batimentos cardíacos são acelerados
  • Há ondas de frio ou calor
  • Os pelos ficam eriçados

"Toda vez que há ativação da amígdala, uma descarga de noradrenalina extra tende a ser disparada, o que aumenta as percepções. A interpretação das multissensações concomitantes vai variar de pessoa para pessoa. Para algumas, pode ser bem amedrontador, achar que está infartando", afirma o psiquiatra Pedro Beria, mestre pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Resposta ao medo: lutar ou fugir?

A reação ao medo ativa o mecanismo de luta ou fuga. Ele é conservado evolutivamente, mas o surgimento de outras regiões cerebrais tornou o processo mais rebuscado. Por isso, a escolha de como agir é pessoal, levando em conta o repertório daquela pessoa.

Geralmente, as respostas têm a ver com a intensidade da emoção, frequência do sentimento, contextos externos e internos, além de disposições genéticas.

"Biologicamente, a reação de luta ou fuga é muito parecida para grande parte das pessoas. O desfecho, se vai ser um comportamento mais impulsivo, agressivo ou evitativo, vai do aspecto psicodinâmico da aprendizagem social e como a pessoa encara eventos adversos", explica Pedro Beria, também professor da Feevale (Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo), no Rio Grande do Sul.

Na dinâmica cerebral, entre as regiões mais recentes, o desenvolvimento do córtex pré-frontal influenciou no planejamento das ações, considerando as necessidades de cada pessoa, seus pensamentos e emoções. Ele funciona ainda como um "freio cognitivo", atuando na regulação das emoções.

Fobia, a filha do medo

Quando o medo vira disfuncional, ele é considerado uma fobia. Nesse caso, há aversão intensa a um estímulo —como andar de avião, ficar em lugares fechados ou a algum animal. O temor vem acompanhado de reação emocional desproporcional à situação.

"Toda vez que o medo causar prejuízo afetivo, laboral, de socialização, de diminuição de contato social positivo, ele vai configurar provavelmente sintoma de alguma condição de ansiedade ou de alguma fobia específica", pontua Beria.

A reação rápida de lutar ou fugir dá lugar a um sentimento paralisante e, muito comumente, a pessoa entende que possui uma repulsa irracional ao estímulo.

No campo neurológico, em resumo, há hiperfuncionamento do sistema límbico, que conduz essas respostas. É como se o "freio" para as reações de medo falhasse, enquanto o "acelerador", representado pelas amígdalas, continua pressionado.

"O alarme passa a disparar com estímulos pouco relevantes e aí, quando a pessoa está diante de um estímulo fóbico, há disparo de mecanismo de luta ou fuga sem passar por aspectos racionais que podem inibi-lo", explica o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor pela UFPE (Universidade Federal do Pernambuco).

Boa parte das fobias é específica, quando há aversão a algo definido. E não necessariamente a pessoa teme aquilo que já viu ou viveu: ela pode ter aversão a animais que nunca encarou, experiências que não são frequentes. Além disso, não é necessário elemento visual, ou seja, ela pode ter reações exacerbadas de medo apenas ao imaginar o objeto de sua fobia.

  • Zoofobia

    medo de animais

  • Aracnofobia

    medo de aranhas

  • Ofidiofobia

    medo de cobras

  • Cinofobia

    medo de cachorros

  • Astrafobia

    medo de raios, trovões e relâmpagos

  • Nefofobia

    medo de nevoeiro

  • Ombrofobia e pluviofobia

    medo de chuva

  • Claustrofobia

    medo de lugares fechados

  • Aerofobia e aviofobia

    medo de andar de avião ou helicóptero

  • Hematofobia

    medo de sangue

  • Agorafobia

    Medo de situações ou lugares em que seja difícil sair e ter ajuda em caso de crises de pânico.

  • Fobia social

    Medo de interações sociais, como falar em público e conhecer novas pessoas.

E se o medo não existisse?

O medo é um tema bastante estudado ao longo das civilizações. Segundo a doutora em sociologia Maria Claudia Coelho, é impossível traçar uma história da sensação sem considerar as particularidades históricas de cada período. No entanto, há com certa frequência a associação dele com a coragem.

"Existe uma espécie de dinâmica emocional entre o medo e a coragem, mas ela não é exatamente a ausência de medo. Na verdade, a coragem supõe o medo. Quando você não tem medo, você não precisa ter coragem", comenta Coelho, professora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

De acordo com a professora da UFABC Tatiana Lima Ferreira, em termos evolutivos, o medo foi conservado nas espécies porque tem papel de preservação. Afinal, é importante aprender a sentir potenciais perigos para adaptar as respostas comportamentais e se proteger.

Ou seja, uma vida sem medo com certeza seria também muito mais vulnerável, já que a resposta adaptativa traz espectros de cuidado e alerta. "Toda vez que temos alguma ativação do reflexo de luta ou fuga, seremos cuidadosos. Isso faz com que tenhamos um desempenho superior em diversas situações e o medo se torna essencial", diz o psiquiatra Pedro Beria.

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