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Como lidar com a morte de um amor: 'Luto oscila entre perda e restauração'

Livro "Uma Questão de Vida e Morte" - Divulgação
Livro "Uma Questão de Vida e Morte" Imagem: Divulgação

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

26/07/2023 04h00

"O luto é o preço que pagamos por ter coragem de amar os outros." Assim começa o livro "Uma Questão de Vida e Morte" (Selo Paidós, Ed. Planeta). Nele, o psiquiatra americano Irvin Yalom compartilha suas percepções mais importantes sobre a morte, o luto e o que importa no final. Marilyn, sua esposa, morreu em novembro de 2019, depois de 65 anos juntos.

Quando ficou claro que a doença dela levaria à morte, ele insistiu que escrevessem um livro juntos. Pouco antes de concluírem a obra, Marilyn faleceu. Como alguém que já viu muito luto em seus pacientes e ajudou tanta gente a lidar com ele, Yalom ficou surpreso e fascinado em como o sentimento tomou conta de si.

Quando um grande amor morre, a dor é profunda. Há quase oito meses, Gabriela Carvalho Pinheiro, 39, perdeu o marido, Klay.

"Estávamos juntos há 11 anos. Sempre fomos parceiros e passei a amá-lo e admirá-lo mais ainda quando tivemos nosso primeiro filho. Foi aí que vi o amigo e amante que eu tinha ao lado. Depois de três anos, engravidei novamente", diz.

Era uma sexta-feira de dezembro quando o casal deixou as crianças, que tinham 7 e 3 anos, dormirem na casa da avó. Foi nesse dia, quando planejavam sair, que ele infartou.

"Me deparei com ele no chão do banheiro e só conseguia pensar que era mentira, que ele estava brincando comigo, já que ele era mesmo muito brincalhão, fazia ligações com vozes diferentes, fingia estar bêbado e desmaiado", conta.

Entre o desespero de assimilar o que estava acontecendo, telefonar para a ambulância e para os vizinhos enfermeiros, Gabriela perdeu a noção do tempo.

"Me agarrei em uma santinha e enquanto o Samu tentava reanimá-lo, eu fui fazendo as mochilas e pegando documentos para irmos ao hospital. Então, a médica me chamou dizendo que precisava falar comigo e aí veio a constatação: ele sofreu uma parada cardiorrespiratória e não resistiu. Nesse momento, não sei dizer bem ao certo o que senti. Só conseguia pensar nos meus filhos e tentava elaborar junto de amigos e familiares como falar para a minha sogra, que só tinha ele como filho", lembra.

Gabriela e Klay - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriela e Klay
Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela ficou sem chão, não conseguia enxergar luz no fim do túnel e foram semanas tomando medicação para dormir. "Logo veio a revolta e fui tentar encontrar um erro médico, corri em tudo que eu podia para colocar a culpa em alguém. Eu não aceitava. Não sabia como dizer para meus filhos, que eram tão apegados ao pai. Não aceitava a partida de uma pessoa que era 100% intensidade e alegria, ótimo filho, neto, pai, marido", conta.

Segundo ela, depois veio a vontade de não fazer nada. Gabriela não se reconhecia, o que antes era cheio de significados perdeu o sentido. "Fiquei perdida, sem saber quem eu era. Até nas compras do supermercado minha vida ficou confusa, nos primeiros meses comprava itens que só ele consumia e conforme iam vencendo que eu percebia que era ele que gostava disso, e não a Gabriela."

Após quatro meses, ela parou de tomar as medicações. "Senti vontade de sair e encher a cara, como a Gabriela dos 20 anos fazia, senti vontade de respirar sem meus filhos, de ouvir minhas músicas que ele não gostava e eu já nem as escutava mais", diz. Aos poucos e com a ajuda de terapeutas e amigas, começou a recuperar a autoconfiança, a independência e a liberdade de fazer o que estivesse com vontade.

Aprendi que o luto oscila entre as expressões de perda e os momentos de restauração. E tudo, absolutamente tudo, faz parte desse processo. Sair, beber, dar gargalhadas com uma amiga, ligar para desabafar com outra, doar os pertences, trocar de lugar as fotografias. É uma transformação. A gente descobre uma força que não imagina carregar, a gente vê que dá conta e aprende a dar valor para o que de fato fica. Gabriela Carvalho Pinheiro

É possível superar?

É inevitável viver esse turbilhão depois de perder alguém tão importante. Para Fernanda Gomes Lopes, psicóloga pela Unifor (Universidade de Fortaleza) e fundadora do Instituto Escutha, seguir em frente não é apagar a pessoa, as lembranças ou deixar de sentir saudade. "É conseguir realocar o lugar dela na sua vida, é conseguir ampliar sua visão para outras coisas além daquela dor. Não existe uma fórmula mágica para isso", diz

Se pudesse dizer algo, seria: não finja que não está doendo. Quanto mais você vivenciar o que está acontecendo, mais você será capaz de 'esvaziar' e abrir espaço para outros interesses e alegrias. Fernanda Gomes Lopes, psicóloga

Reconhecer e expressar as emoções associadas à perda, como dor, tristeza e raiva, é um passo importante no processo de cura, segundo Jéssica Martani, psiquiatra e observership em neurociências pela Universidade de Columbia em Nova York. "Isso não acontece rapidamente, nem devemos ter pressa. Respeitar o próprio processo e ter paciência consigo mesmo é fundamental para reconstruir a vida de forma saudável", explica.

Além disso, ela destaca a importância de evitar o isolamento nesse período. "Embora seja tentador se afastar do mundo após uma perda, manter conexões é fundamental. Sair com amigos, participar de atividades sociais e procurar grupos de apoio ou comunidades online pode proporcionar uma sensação de pertencimento e oferecer um espaço seguro para compartilhar experiências com pessoas que passaram por situações semelhantes", afirma.

Voltando a se relacionar

Voltar a estabelecer vínculos afetivos após o luto também pode ser um desafio. Para se envolver novamente, Gabriela diz que precisa encontrar alguém legal não apenas para ela, mas também para os seus filhos.

Segundo Jéssica Martani, não há um momento adequado para iniciar um novo relacionamento. Cada pessoa vai ter o seu tempo e é muito importante respeitá-lo. "O ideal é que primeiro a pessoa tenha um bom relacionamento consigo própria. A precipitação pode provocar malefícios. É preciso estar preparada para o recomeço, para que um novo relacionamento não venha com um peso de substituir o outro ou mexa em feridas que ainda não estão cicatrizadas", alerta.

Vale lembrar que o processo de luto é muito individual e deve ser livre de julgamentos alheios. "Esse julgamento das pessoas só aumenta o sofrimento de quem já está passando por um momento difícil. Então, precisamos entender que o tempo é totalmente individual e vai ter muita relação com a abertura para restauração de interesses. Um amor não deve vir para cobrir um buraco do outro, mas para se integrar como uma outra relação significativa na sua vida", diz Lopes.