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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que a inteligência artificial causa medo em algumas pessoas?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

07/07/2023 04h00

Com o avanço recente do ChatGPT e outras ferramentas de inteligência artificial, muita gente tem expressado medo e preocupação. Os receios se originam de algumas causas comuns, como ansiedade sobre a inteligência da máquina, o temor de ser substituído no trabalho e o receio de colocar o poder da IA nas mãos de pessoas erradas.

Tudo isso pode estar relacionado à insegurança que sentimos diante do desconhecido e do que não dominamos. "Geralmente, quando nos deparamos com algo estranho ao nosso conhecimento, tendemos a diminuí-lo ou criar resultados negativos em nossa mente como estratégia de defesa. Essa atitude é comum ao longo da história da humanidade, desde a invenção da roda até os avanços atuais da IA", diz Elídio Almeida, psicólogo formado pela UFBA (Universidade Federal da Bahia).

"Na medida em que a gente começa a entender melhor como funciona e todos os seus benefícios, a tendência é que troquemos o medo pela confiança", diz Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Mas, além de representar uma ameaça, a capacidade que robôs têm de se comportarem como humanos dá a algumas pessoas uma sensação de desconforto. Uma das teorias que tenta explicar por que esse fenômeno acontece é conhecida como uncanny valley, ou vale da estranheza, em português.

Esse conceito foi cunhado pela primeira vez na década de 70 pelo roboticista Masahiro Mori. Ele dizia que os robôs se tornam mais simpáticos na medida em que adquirem qualidades humanas. Mas, quando se tornam muito parecidos (porém não idênticos) com os humanos, começam a ficar assustadores.

"A questão central dessa hipótese é algo curioso: quando nós lidamos com uma pessoa em carne e osso, geralmente nos comportamos com uma fluidez característica, pois há certa familiaridade entre os dois indivíduos, por serem membros da mesma espécie. Ao passo que, quando lidamos com robôs que imitam as características humanas, essa familiaridade deixa de se apresentar e, em seu lugar, surge uma experiência de estranheza. É como se algo em nós dissesse: 'Tem algo de errado!'", afirma Hernani Pereira dos Santos, doutor em psicologia e sociedade pela Unesp e professor do curso de psicologia da UECE (Universidade Estadual do Ceará).

O especialista explica que os mecanismos responsáveis por essa percepção são de nível pré-consciente, ou seja, muito do que acontece nesses casos sequer passa por nossos pensamentos enquanto ocorre, e que esses dispositivos de reconhecimento são fruto do processo evolutivo da nossa espécie.

"Geralmente, essa inconsistência perceptiva com relação a robôs humanoides tem a ver com uma série de condições, tais como de um nível de realismo inconsistente de características individuais (como olhos artificiais) ou, ainda, da presença de características atípicas (como o tamanho dos olhos). Em outros termos, são essas variações relativas ao que não é exatamente humano que geram percepções de estranheza", diz Santos.

Por isso tudo tendemos a reagir a "pessoas fabricadas", como os robôs, mas também personagens de animações ou os efeitos especiais de filmes, através de sentimentos de incômodo e repulsa.

O que significa ser humano

A discussão levanta ainda questionamentos fundamentais sobre o que significa ser humano. Essa é uma questão antiga, mas também muito atual e relevante, já que é a partir da resposta que nos situamos em relação a muitos assuntos.

Nossa visão sobre nós mesmos é social e historicamente circunscrita, e tem profundas heranças da Modernidade, onde aprendemos a nos definir, sobretudo, por nossa capacidade de pensar, sentir e falar.

Santos conta que a definição clássica coloca o homem como um animal racional. No entanto, isso induz algumas confusões, porque é muito difícil definir racionalidade por oposição aos demais seres e também, com isso, dizer que aquilo que nos define é simplesmente a racionalidade.

"Nossos comportamentos são muito mais variados e complexos do que pensar clara e distintamente ou pensar conforme regras. Por exemplo, uma das características importantes de seres humanos é como lidamos com a linguagem, em termos de semântica e sintaxe, bem como a maneira como nos relacionamos com outros seres humanos e aprendemos com eles, manifestando comportamentos sociais complexos e, com isso, dando origem à cultura", avalia.

Segundo ele, a questão emergente sobre a IA e outras tecnologias semelhantes não é apenas que elas mostram o quanto capacidades que anteriormente eram pensadas como exclusivamente humanas podem ser encarnadas por máquinas, mas, sobretudo, que nós podemos nos colocar em uma situação em que fica muito difícil de distinguir entre as coisas.

Vale lembrar que não faz muito tempo que as deep fakes ganharam espaço no cenário social. E, muitas vezes, para o prejuízo das pessoas, pois são produções feitas através do uso de inteligência artificial que imitam indivíduos —geralmente figuras públicas— e os fazem apoiar ideias que, muitas vezes, são contrárias ao que, de fato, defendem.

"Ou seja, estamos diante de máquinas que não apenas desempenham funções semelhantes às que humanos operam, como uma calculadora pode calcular, mas, sobretudo, de seres que são capazes de produzir coisas que interferem diretamente nos assuntos humanos e nas decisões essenciais para a vida em sociedade. Em última instância, arriscaria dizer que essas novas tecnologias são capazes de produzir realidade", diz Santos.

Outra reflexão trazida por Ronaldo Coelho, psicólogo pela USP e professor de psicanálise, é que numa sociedade onde cada vez mais as pessoas se relacionam menos entre si de maneira comunitária, onde a esfera pública tem se reduzido e as relações interpessoais têm ficado cada vez mais distanciadas entre os corpos, faz também pensar se a relação com a máquina passaria a ocupar o lugar de substituir a relação com um humano.

"Em vez de namorar uma pessoa, por exemplo, pode parecer mais fácil e satisfatório namorar um robô, uma vez que é tão prestativo, inteligente e faz tudo como gosto. Ausência de conflito e sensação da relação perfeita. É o que retrata o distópico filme 'Her'. Caminharíamos para um modo de vida e de relação onde outro humano não se faz mais necessário?", indaga Coelho.