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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Eles pediram dieta e treino para o ChatGPT, mas especialistas veem riscos

Gabriela (à esquerda) e Acir (à direita) - Arquivo pessoal
Gabriela (à esquerda) e Acir (à direita) Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

13/06/2023 04h00

A falta de dinheiro para contratar um personal trainer e a pouca disponibilidade dos professores na academia levou a estudante de relações públicas Gabriela Santander, 23, a recorrer à inteligência artificial gratuita mais popular dos últimos tempos. "Monte um treino de uma semana para mim", ela pediu ao ChatGPT.

O vídeo em que a jovem compartilha a "ficha de treino" gerada pelo software ultrapassou 3 milhões de visualizações no TikTok. A publicação é uma das mais populares entre as centenas de vídeos que têm se espalhado pelas redes sociais sugerindo o uso da tecnologia da OpenAI como uma solução rápida e econômica para elaborar treinos de academia.

Especialistas ouvidos pelo VivaBem, contudo, alertam para os potenciais efeitos negativos dessa alternativa. Risco de lesões, overtraining (treinamento excessivo) ou treinos de baixa eficácia são alguns deles.

A diferença entre um cronograma de treino indicado por um profissional e um planejamento genérico, como o prescrito por uma inteligência artificial, é a individualidade. O profissional consegue ajustar todas as variáveis de treino e colocá-las no ponto ideal para que a pessoa tenha os melhores benefícios de acordo com as características dela, sem ter danos à saúde, ao contrário da IA, que pode falhar. Gustavo Araujo, professor de educação física e coordenador do Laboratório de Ciências Aplicadas ao Esporte da UFAL (Universidade Federal de Alagoas)

'Na academia onde treino, professores não dão atenção para todo mundo'

Para Gabriela, a ferramenta serviu como "uma fonte de ideias para diversificar seus treinos". Ela faz musculação desde 2021, ano em que se matriculou em uma academia para emagrecer, fortalecer músculos e cuidar da saúde mental.

No começo, seguia o cronograma de treinamento oferecido no local, mas no final de 2022 começou a pagar uma consultoria online com um profissional da área, pois queria um treino mais individualizado. O acompanhamento durou pouco tempo, devido a limitações orçamentárias, mas ela continuou reproduzindo os exercícios que aprendeu com o professor.

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Gabriela conta que usou ChatGPT para pedir ideias para diversificar seu treino na academia
Imagem: Arquivo pessoal

A ideia de pedir ajuda ao ChatGPT surgiu após uma aula na faculdade em que aprendeu a usar a ferramenta para analisar dados. No TikTok, o vídeo da estudante de relações públicas despertou críticas. "Gente, não tem personal na academia de vocês, não?" e "Olha eu ficando desempregada por causa do ChatGPT" estão entre os comentários. "Eu não imaginava que o vídeo iria viralizar e meu objetivo não foi desmerecer os profissionais da área", afirma Gabriela ao VivaBem.

"Estava precisando trocar meu treino, só que não tinha mais personal e, na academia onde eu treino, os professores não conseguem dar atenção para todo mundo, porque tem muita gente", conta a estudante, que mora em São Paulo (SP). Ela diz que a resposta do chatbot a ajudou a complementar o cronograma de musculação que já estava seguindo.

Coordenadora do Laboratório de Pesquisas e Experiências em Ginástica da Unicamp, Eliana Toledo afirma ser importante consultar um professor de educação física antes de reproduzir fichas de treino elaboradas por ferramentas de inteligência artificial.

Como profissionais da área, nós estudamos o ser humano como um todo antes de prescrever qualquer atividade, incluindo aspectos físicos, biodinâmicos, fisiológicos, culturais e psicológicos, questões que o ChatGPT não consegue avaliar. Eliana Toledo, coordenadora do Laboratório de Pesquisas e Experiências em Ginástica da Unicamp

A especialista destaca que existem pessoas que não estão acostumadas ou não podem reproduzir certas posturas, por exemplo. Por isso, sem supervisão de um profissional, alguns movimentos sugeridos pela ferramenta podem causar lesões na coluna ou em outras partes do corpo. "É aí que mora o perigo."

Como é o treino indicado pelo ChatGPT?

Na interação com a IA, Gabriela se identificou como uma mulher que "treina há mais de dois anos" e especificou quais grupos musculares (glúteos, quadríceps, etc.) prefere treinar em cada dia da semana. Ela solicitou um treino com duração de sete dias. Em resposta, o software produziu o planejamento abaixo.

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Treino de 1 semana montado pelo ChatGPT a pedido de Gabriela
Imagem: Arquivo pessoal

Segundo Jerri Luiz Ribeiro, professor adjunto na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), uma das limitações do treino indicado pela IA é o planejamento dos exercícios.

Ribeiro explica que, para que o objetivo da estudante seja atingido —definição muscular—, é necessário ganhar massa muscular e perder gordura corporal. "Essa meta poderia ser atingida dentro de uma periodização de treino, que seria um período de quatro, seis, 12 meses ou mais", explica.

Dentro desse período, a programação pode ser subdividida em mesociclos (meses) e microciclos (semanas). O volume de treinamento também varia em uma sequência lógica de aumento e diminuição de carga e repetições dos exercícios.

"Uma das limitações do treino indicado pela IA, neste caso, seria o momento, dentro de uma periodização, que este microciclo de treino aconteceria", analisa Ribeiro.

Os benefícios que ela deseja só acontecem obedecendo alterações de volume de treinamento dentro de um período específico. Ou seja, se ela treinar uma semana daquela maneira indicada, como seria o treino da próxima semana? Igual, menos intenso ou mais intenso? E como seria a lógica de evolução do treino ao longo de um período de quatro, seis ou 12 meses? Jerri Luiz Ribeiro, professor adjunto na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS

Se essa sequência de semanas de treinos não for programada de uma forma que leve em conta a individualidade biológica de Gabriela, Ribeiro afirma que a sequência pode ser superestimada (overtraining), provocando lesões e diminuição de massa muscular, ou subestimada, sem evolução em seus resultados.

Ferramenta também está sendo usada para montar dietas

O arquiteto Acir Neves, 27, decidiu que iria voltar a ter uma alimentação saudável mais ou menos na mesma época em que o ChatGPT foi lançado no Brasil. Ao invés de buscar um nutricionista, ele pediu uma dieta ao chatbot.

acir neves - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Acir pediu dieta ao ChatGPT
Imagem: Arquivo pessoal

No prompt (como são chamadas as instruções dadas ao chatbot), ele escreveu: "Você é meu nutricionista. Me faça uma série de perguntas com o objetivo de montar um plano alimentar".

"Qual é seu objetivo com a alimentação?", "Quantas refeições por dia você gostaria de ter?" e "Qual é a sua meta de ingestão calórica diária?" foram algumas das perguntas feitas pela IA. Acir respondeu que queria "perder peso e medidas", "5 refeições" e "1.600 calorias". O robô devolveu o que chamou de "plano alimentar personalizado".

No entanto, uma dieta prescrita com base em metas autorrelatadas pelo próprio paciente é fraca como parâmetro de entrada para a elaboração de um programa personalizado, avalia Serena del Favero, nutricionista do Espaço Einstein Esporte e Reabilitação.

"A ingestão calórica, por exemplo, é proposta pelo nutricionista, e não pelo paciente, através do cálculo da taxa metabólica basal, somando-se à taxa de atividade física diária, à fome física e a fome emocional", diz a nutricionista. Para ela, o plano criado pelo software para Acir é "bem básico", "com pouquíssimas opções".

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Instrução que Acir deu ao ChatGPT e resposta da ferramenta
Imagem: Arquivo pessoal

O maior problema de utilizar uma IA como nutricionista, contudo, é a falta de acompanhamento. "No consultório, vimos que emagrecer é o mais fácil, o difícil mesmo é manter o peso, e é justamente o nutricionista que vai conduzir o paciente durante todo o processo, para que o plano alimentar seja realmente executado e os objetivos sejam alcançados", observa Favero.

Acir confessa que seguiu a dieta proposta pelo ChatGPT por pouco tempo. Ele, que diz já ter procurado nutricionistas no passado, reconhece que é arriscado seguir as orientações da ferramenta ao pé da letra. "Por mais que você bote o prompt lá, ele não te conhece, não conversou com você frente a frente, não tem aquele tato que um profissional teria."

Atualmente, o arquiteto diz que optou por comprar marmitas saudáveis congeladas e não descarta a consulta com um nutricionista no futuro.

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Dieta montada pelo ChatGPT a pedido de Acir
Imagem: Arquivo pessoal

Dicas para orientação acessível

Para Toledo, da Unicamp, a ajuda do ChatGPT ou de ferramentas tecnológicas pode ser acionada em um segundo momento. Por exemplo, alguém poderia pedir ao chatbot sugestões de diferentes formas de executar um exercício que foi previamente recomendado por um profissional. "Mas, depois, a pessoa precisaria perguntar ao professor se aquela forma alternativa sugerida pela tecnologia é adequada para ela, para evitar lesões."

Tanto o professor quanto os alunos podem dialogar sobre o uso do ChatGPT. O problema é se basear única e exclusivamente nos comandos de uma ferramenta tecnológica. Eliana Toledo, coordenador do Laboratório de Pesquisas e Experiências em Ginástica da Unicamp

Ela cita duas dicas que podem tornar o acesso à orientação profissional mais acessível:

Divida os custos de um profissional. Faça uma enquete na rua onde você mora ou no seu condomínio para saber quem teria interesse de dividir com você as despesas com um professor de educação física.

Frequência da orientação não precisa ser diária, desde que seja constante. O profissional pode acompanhar os treinos a cada 15 dias ou uma vez por mês, por exemplo, o que tende a reduzir o custo.

No caso da alimentação, as nutricionistas ouvidas por VivaBem concordam que a ferramenta, assim como no caso das fichas de treino, pode ser usada após a consulta com um profissional. Esse seria o caso de pedir receitas a partir dos ingredientes indicados pelo nutricionista na dieta, por exemplo.

*Fontes adicionais: Daniela Pironti Cierro, vice-presidente da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição); Maria Rita Marques de Oliveira, professora do Departamento de Ciências da Nutrição e Alimentação do Instituto de Biociências da Unesp.