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O que acontece no seu corpo quando você toma uma lata de cerveja toda noite

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

04/07/2023 04h00Atualizada em 04/07/2023 11h00

Beber cerveja é um pequeno prazer da vida adulta que agrada à maioria dos brasileiros e também a mais de 30% da população mundial. Um dos fatores que faz dessa bebida tão popular é sua associação aos eventos sociais. Churrasco com cerveja é uma combinação comum.

Um recente estudo realizado no Brasil pelo Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) observou que sentimentos positivos têm se relacionado aos motivos que levam a pessoas a beber, superando situações como o estresse e a tristeza.

A média do consumo ao ano no Brasil é de 70 litros por pessoa, o que nos coloca na 21ª posição em consumo no globo.

O país é o terceiro maior produtor, atrás da China e dos Estados Unidos.

Em 2022, o volume de vendas foi de 15,1 bilhões de litros. Dados do Sindcerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja).

Por dentro de uma latinha

Apesar de ser considerada uma bebida leve quando comparada a outras bebidas como o vinho e os destilados, a cerveja contém álcool etílico, substância psicoativa com potencial de causar dependência e impactar negativamente o organismo.

E não existe um tipo da bebida melhor do que o outro: o que conta é a quantidade de álcool consumida.

O teor alcoólico das cervejas mais consumidas varia de 3,5% a 6%. A maioria possui 5%. Vale frisar que há marcas que têm teor alcoólico maior do que esse.

Uma dose padrão é definida pela quantidade de etanol puro contida nas bebidas alcoólicas.

1 lata de cerveja de 350 ml ou 1 dose contém 14 g de álcool puro.

Cerca 3 milhões de mortes ao ano são atribuídas ao álcool em todo o mundo.

E seu uso nocivo é o principal fator de risco para morte prematura e incapacidade de pessoas com idade entre 15 e 49 anos.

A medida do consumo moderado é 1 dose para mulheres, e até 2 para homens ao dia.

O que você ganha (ou perde) com isso

Uma das mais saudáveis dietas do mundo —a mediterrânea— contempla o consumo moderado de álcool, no caso, o vinho. Isso fez que os pesquisadores se interessassem em saber se outros tipos de bebida poderiam beneficiar a saúde como um todo.

Alguns estudos têm concluído que pequenas doses de álcool podem ser benéficas em algumas situações clínicas, mas as evidências mais atuais são claras: não se sabe a quantidade exata capaz de promover a saúde.

O que está estabelecido é que o álcool é uma substância tóxica que integra a lista dos alimentos com potencial cancerígeno, além de ser fator de risco para mais de 200 condições de saúde.

Ainda não dá para se falar em dose segura. Cada organismo reagirá a ela a seu modo, e a depender de variadas situações como doenças pré-existentes, gênero e etnias, maior ou menor resistência ao álcool, gestação, entre outras.

Abaixo, eis a lista do que você pode "ajudar a provocar" ao beber uma latinha de cerveja toda noite:

  • Morte precoce por todas as causas
  • Doenças do coração
  • Maior risco para tumores
  • Alterações metabólicas
  • Mudanças neurológicas

Você pode viver menos

Uma recente revisão de 107 estudos envolvendo mais de 4 milhões de participantes analisou a relação entre o baixo ou moderado consumos de bebidas alcoólicas e a redução do risco de morte por todas as causas.

Beber pouco ou moderadamente todos os dias não se mostrou significativo na redução de óbitos.

Por outro lado, ficou evidente a dose-dependência: quanto mais se bebe, maior o risco de morte precoce por todas as causas.

No Brasil, os principais problemas relacionados aos óbitos —parcial ou totalmente relacionados ao álcool— foram: cirrose hepática, acidentes de trânsito, violência interpessoal, doenças arterial coronariana e respiratórias.

Você pode atrapalhar o ritmo do coração

Os cientistas afirmam que existe a crença de que beber moderadamente reduz o risco de ter doenças do coração.

No entanto, em 2022, a Federação Mundial do Coração declarou que qualquer consumo de álcool pode levar à perda da saúde, e mesmo pequenas quantidades de álcool podem elevar o risco para doenças cardiovasculares, incluídas doença coronariana, AVC, hipertensão, cardiomiopatias, fibrilação atrial e aneurisma.

Esteja atento a estudos científicos que afirmam ter identificado benefícios. Boa parte deles não consideram outros fatores, como a presença de doenças pré-existentes ou histórico de dependência entre os indivíduos analisados.

Até o momento, nenhuma correlação confiável foi encontrada entre o consumo moderado de álcool e um menor risco para doenças cardíacas.

Você pode "abrir a porta" para tumores

De acordo com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), bebidas alcoólicas estão associadas ao aparecimento de vários tipos de câncer: boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama.

Esse efeito pode decorrer do consumo de apenas uma dose diária ou do beber pesado episódico: tomar 5 ou mais doses de bebidas alcoólicas (homens) e 4 ou mais doses (mulheres) em uma mesma ocasião e no período de 2 horas.

O mecanismo por trás disso envolve alterações celulares, estresse oxidativo que pode danificar os genes, alterações do metabolismo hormonal, além de redução das defesas do corpo.

Todos esses fatores facilitam a ação de agentes que estimulam o aparecimento de tumores.

Você pode bagunçar o metabolismo

Quando o assunto é a saúde metabólica, lembre que cada lata de cerveja contém cerca de 150 kcal. A depender da quantidade e da frequência com que ela é consumida, e somada aos demais alimentos que compõem a dieta diária, a prática pode facilitar o ganho de peso, que também se relaciona ao diabetes.

1 litro de cerveja possui mais de 400 kcal.

Como o álcool é uma substância tóxica, ele ainda altera algumas ações metabólicas como a queima de gordura. Isso favorece o seu acúmulo, principalmente na região abdominal, a famosa barriga de chopp.

Essa alteração aumenta a gordura no fígado (esteatose hepática). O órgão deixa de fazer o adequado controle da glicose. O resultado é a resistência à insulina, que se associa ao pré-diabetes e ao diabetes.

De modo geral, pessoas com o diabetes controlado não apresentam alterações com o baixo consumo de álcool, mas são conhecidas interações entre a substância e medicamentos como a insulina, as sulfonilureias e a liraglutida. O risco aqui é a hipoglicemia.

Antes de colocar uma latinha de cerveja no cardápio diário, fale com seu médico para saber a melhor forma de consumi-la, sem prejudicar o controle de doenças metabólicas.

Você pode minar as funções do cérebro

Quanto à saúde neurológica e mental, a literatura médica é clara: não há consumo seguro em todas as faixas etárias. Os danos imediatos são:

  • Dor de cabeça (incluindo enxaqueca)
  • Alterações no sono
  • Deficiências cognitivas (redução da atenção, controle, julgamento, concentração, etc.)
  • Perda da memória e apagões
  • Intoxicação e alterações psicomotoras que as acompanham
  • Perda das funções básicas: uma overdose pode desacelerar a respiração, o coração, etc

A longo prazo:

  • Dependência
  • Alterações do sono, humor, personalidade, doenças psiquiátricas (ansiedade e depressão)
  • Pensamentos suicidas e suicídio
  • Demência (que pode ser precoce)
  • Perda de funções executivas como raciocínio, planejamento, controle inibitório, etc

Uma latinha basta para ficar dependente?

Homem jovem bebendo cerveja - DGLimages/Istock - DGLimages/Istock
Imagem: DGLimages/Istock

O uso repetido do álcool leva à tolerância, que faz com que a pessoa aumente as doses para obter as mesmas sensações. Apesar disso, não se sabe exatamente porque alguns indivíduos desenvolvem esse tipo de transtorno, mas já são conhecidos alguns fatores relacionados.

Confira:

  • Influências ambientais, ambiente familiar; interação social; genética; níveis de funcionamento cognitivo; presença de alguns transtornos mentais, como os de depressão, transtorno do espectro bipolar e o obsessivo compulsivo.

Os especialistas apontam para outras possíveis explicações:

Efeitos positivo ou negativo de regulação: o indivíduo bebe para se sentir mais alegre ou para lidar com a depressão, a ansiedade, seu próprio sentido de valor.

Vulnerabilidade farmacológica: variações de respostas aos efeitos do uso do álcool a depender das formas individuais como cada organismo metaboliza o álcool.

Tendência a desvio de conduta: propensão individual estabelecida na infância, em geral devido a dificuldades de socialização.

Identifique sintomas de dependência

Quem faz uso nocivo do álcool geralmente começa a ter dificuldades em seus relacionamentos, no ambiente escolar, na vida social e também apresenta alterações na forma de pensar e sentir. Podem estar presentes as seguintes manifestações:

  • Dificuldade de limitar o uso de bebidas alcoólicas (que pode começar já na adolescência, já que o consumo abusivo entre os jovens aumentou).
  • Continuidade da prática, apesar dos prejuízos na vida pessoal ou profissional.
  • Necessidade de beber cada vez mais para ter o mesmo efeito (tolerância).
  • Desejo intenso de beber que impede de se fazer outras atividades.

Fontes: Eline de Almeida Soriano, médica nutróloga do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Leonardo Parr, endocrinologista e diretor da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo); Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria); Melissa Castellano, nutricionista, especialista em bioquímica e fisiologia da nutrição, mestranda do programa de gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Revisão técnica: Luiz Scocca e Leonardo Parr.

Referências:

  • Inca (Instituto Nacional de Câncer)
  • Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) - Álcool e Saúde dos Brasileiros - Panorama 2022
  • Sindcerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja)
  • OMS (Organização Mundial da Saúde)
  • World Heart Federation
  • Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia)
  • Zhao J, Stockwell T, Naimi T, Churchill S, Clay J, Sherk A. Association Between Daily Alcohol Intake and Risk of All-Cause Mortality: A Systematic Review and Meta-analyses. JAMA Netw Open. 2023;6(3):e236185. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.6185
  • Im PK, Wright N, Yang L, Chan KH, Chen Y, Guo Y, Du H, Yang X, Avery D, Wang S, Yu C, Lv J, Clarke R, Chen J, Collins R, Walters RG, Peto R, Li L, Chen Z, Millwood IY; China Kadoorie Biobank Collaborative Group. Alcohol consumption and risks of more than 200 diseases in Chinese men. Nat Med. 2023 Jun;29(6):1476-1486. doi: 10.1038/s41591-023-02383-8. Epub 2023 Jun 8. PMID: 37291211; PMCID: PMC10287564.
Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que dizia o texto, 1 litro de cerveja tem mais de 400 kcal. A informação foi corrigida.