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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Sonhar a mesma coisa com frequência significa algo? Dá para evitar?

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Imagem: iStock

Fausto Fagioli Fonseca

Colaboração para o VivaBem

23/06/2023 04h00

Você já teve a sensação de que sonhou com a mesma coisa repetidas vezes? Se sim, não está sozinho. Não há um consenso universal de quantas vezes um sonho precisa se repetir para ser considerado recorrente, basta que se repita mais de uma vez para poder se enquadrar na definição. Sonhos recorrentes podem ser sempre exatamente iguais ou apenas reciclarem os mesmos cenários, pessoas ou preocupações. A definição é ampla e as possibilidades são muitas.

Para a psicologia, o sonho é um reflexo daquilo que já está na mente. Por exemplo, a pessoa pode sonhar constantemente com estar atrasada para o trabalho se, na sua rotina, ela enfrenta problemas para se deslocar ou mesmo para chegar no horário. Isso pode ser como uma "ruminação" consciente de um processo da rotina que se desdobra para o sonho.

"Existem alguns medos, algumas situações pelas quais as pessoas passaram ou têm um receio muito grande de acontecer, e aquilo fica o tempo todo martelando na cabeça dela e acaba aparecendo o sonho", diz o psicólogo Yuri Busin.

O psiquiatra Eduardo Perin se lembra de outros exemplos, como sonhar repetidamente que está sem roupa na escola, relacionando-se com alguma experiência da infância, e até mesmo experiências corporais durante o sono. "Por exemplo, você pode sonhar que está em um lugar muito quente e, na hora que você acorda, você realmente está suado, com muito calor". Ou seja, mesmo processos da rotina e experiências fisiológicas, como frio, dores, desconforto, uso excessivo de cafeína, de bebida alcoólica e até apneia do sono podem interferir nos sonhos, tornando-os repetitivos.

Na apneia, por exemplo, ocorre a falta de oxigenação e o corpo desperta "parcialmente", atrapalhando o sono profundo, momento que sonhamos. "O sonho mais recorrente de quem tem apneia é de estar sufocando, se afogando etc.", diz Larissa Fonseca, psicóloga especialista em psicologia do sono.

Dá para interpretar?

Os sonhos não são premonitórios e também não podem ser analisados com base em definições prévias (como sonhar com dentes caindo significar uma morte próxima, por exemplo). Portanto, talvez não seja o melhor caminho esperar que esses sonhos repetitivos estejam querendo indicar algo que está para acontecer em sua vida, como uma previsão.

Porém, eles podem ser interpretados ao se analisar o que o inconsciente pode estar querendo comunicar. "Basta a prática de anotar os sonhos em um diário para perceber que há muito mais conteúdos recorrentes do que havíamos percebido em nossa consciência", ressalta Fabíola Chagas, especialista em psicologia analítica.

Segundo ela, o que lembramos de um sonho quando acordamos é o conteúdo manifesto dele, ou seja, a parte consciente. Mas existe também o conteúdo latente, que é o simbólico por trás do conteúdo manifesto. "Quando determinados locais, ações, personagens ou temas do sonho se repetem, pode significar que algo inconsciente da nossa psique quer se tornar consciente."

Sonhos que se repetem com frequência podem estar relacionados a medos e traumas, mas não necessariamente. Também podem ser interpretados como um padrão de pensamento persistente, relacionado a preocupações, emoções, expectativas e experiências presentes ou passadas que afetam o emocional e que o cérebro está tentando solucionar através do sonho.

"Os sonhos surgem e são disfarçados de uma outra forma, através de mecanismos de condensação e de deslocamento, para trazerem elementos que foram recalcados da consciência, ou seja, que não podem vir à consciência", resume a psicóloga Gabriela Malzyner.

O fato de ele se repetir com frequência pode ser como uma "insistência do cérebro" para que o que está sendo comunicado seja olhado e analisado. "Ele sendo repetitivo, representa que ainda não houve elaboração, mas está sendo feita nova tentativa subconsciente de processar e de encontrar uma solução para tal angústia", fala Larissa Fonseca.

Como lidar e evitar sonhos repetitivos?

Nem sempre os sonhos repetitivos causam algum tipo de incômodo. Uma pessoa pode sonhar com algo com frequência e experimentar sensações boas. Porém, sonhos recorrentes também podem causar angústia e sofrimento. Nesses casos, buscar a ajuda de um especialista em psicologia ou psiquiatria pode ser um primeiro passo para lidar com eles.

Sonhos traumáticos podem estar ligados à depressão e à ansiedade, condições que, de acordo com Malzyner, trazem um excesso de investimento de energia na tentativa de elaborar experiência traumática. "A análise é um caminho de elaboração desses elementos traumáticos e desses sonhos recorrentes, na medida em que a gente vai trabalhando, decodificando, analisando, pondo em pedaços, olhando de forma atenta quais são os elementos que estão presentes aí no sonho", diz.

Malzyner diz que, para a pessoa, aquilo que se apresenta no sonho conta uma história e uma narrativa própria —e é isso que é investigado no espaço de análise. "A melhor maneira de parar sonhos recorrentes, quando falamos em sonhos de angústia, é olhando para ele, entendendo sua mensagem e integrando isso em nossa psique", acrescenta Chagas.

Segundo ela, um psicólogo especialista em interpretação de sonhos pode ajudar a entender a situação de maneira assertiva. "O sonho já está direcionando o caminho que o sonhador deve seguir, basta auxiliar o sonhador a entendê-los. Na maioria das vezes, quando o que está latente se torna consciente, o sonho recorrente tende a desaparecer, ou mudar o tema", diz Chagas.

Em casos de os sonhos repetitivos estarem relacionados a fatores ambientais, é preciso uma análise mais profunda. Por exemplo, pessoas com apneia devem recorrer a uma polissonografia para avaliarem como está a qualidade do sono, os despertares e se há alguma disfunção fisiológica relacionada. O mesmo vale para outros possíveis gatilhos, como se atentar ao uso de cafeína, drogas estimulantes e bebidas alcoólicas que podem estar causando esse tipo de sonho.

Fontes: Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp, especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP; Fabíola Chagas, psicóloga especialista em psicologia em saúde e em psicologia analítica; Gabriela Malzyner, psicóloga pela PUCSP, psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, mestre em psicologia clínica pela PUCSP, coordenadora do núcleo de infância e adolescência do CEP/SP e docente do curso de formação em psicanálise da mesma instituição; Larissa Fonseca, mestranda em psicobiologia pela Unifesp e terapeuta clínica há 14 anos com abordagem cognitiva-comportamental; Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em psicologia positiva pela PUCRS e pós-graduado em terapia cognitivo-comportamental também pela PUC-RS, fundador do Diálogo Positivo.