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'Não lembrava de quando era casada': entenda a amnésia por estresse

Regina Martins sofreu por meses com a perda de memória - Arquivo pessoal
Regina Martins sofreu por meses com a perda de memória Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

06/04/2023 04h00

Estresse é um problema emocional que pode causar sintomas já conhecidos, como irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade para dormir, falta de energia e de concentração, e diarreia. Mas ele também pode provocar um tipo de amnésia que pode resultar na incapacidade de recordar informações pessoais importantes. A pessoa tem lapsos, que podem durar de poucos minutos a décadas.

No caso de Regina Martins, 74, de São Paulo (SP), a perda de memória durou meses. Em 2007, suas cachorras de estimação morreram, ela ficou viúva e precisou se desfazer de bens materiais para se manter, e sua saúde declinou. "Estava tão à flor da pele, que um dia perdi a memória do que vivi casada. Fui para o hospital com suspeita de estar tendo um AVC", conta.

Depois de fazer exames, Regina recebeu o diagnóstico. Não estava sob efeito de substâncias, nem com alguma condição neurológica preocupante. Com base em seu relato e no de parentes, o médico disse que a causa de sua amnésia poderia ser estresse.

Estresse causa diferentes amnésias

A perda de memória de Regina era do tipo dissociativa, como posteriormente descobriram especialistas em saúde mental. "É causada por estresse severo, ou transtorno do estresse pós-traumático, caracterizado pela dificuldade em se recuperar de traumas, e pode se dividir ainda em cinco subtipos", explica Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador (BA).

  • Localizada: quando a perda de memória atinge um ou vários eventos específicos ou um período específico. No caso de Regina, sobretudo os anos em que seu marido esteve doente.
  • Seletiva: esquece-se somente certos aspectos de um evento ou apenas alguns momentos de uma fase.
  • Generalizada: essa amnésia é rara e envolve a própria identidade pessoal e toda a história de vida, às vezes incluindo habilidades, conhecimentos e informações sobre o mundo.
  • Sistematizada: o esquecimento se concentra em informações específicas, como a respeito de uma pessoa em particular ou sobre sua família.
  • Contínua: os lapsos são contínuos, dia após dia, a cada novo acontecimento vivido.

Estão mais propensos e esses tipos de amnésia indivíduos que passaram ou testemunharam abusos físicos ou sexuais, guerras, genocídios, acidentes, desastres naturais ou mortes de entes queridos. A perda de memória também pode surgir de preocupações financeiras graves ou conflitos internos, como sentimento de culpa, dificuldades interpessoais, erros cometidos.

Sinais para se prestar atenção

Regina relata que sofrendo de amnésia por estresse —que é mais frequente em mulheres do que em homens—, esquecia parte de seu passado, mas ainda assim se sentia mal quando falava em doença e hospital. "Confundia ainda locais, misturava ocasiões, nomes e pessoas, mas hoje percebo como era influenciada inconscientemente, me sentia desorientada e angustiada."

Em geral, os lapsos da amnésia dissociativa surgem de repente, mas não necessariamente de imediato após um evento traumático ou estressante, podendo levar horas, dias ou mais tempo para aparecer. Depois de manifestados, têm duração muito variável, embora a maioria não desconfie, caso não tenha sido informada, ou possua apenas consciência parcial do problema.

"Muitos minimizam a importância da perda de memória e podem se sentir desconfortáveis quando levados a enfrentá-la", explica Gabriel Lopes, psiquiatra pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), acrescentando que as pessoas só percebem posteriormente, quando a lembrança reaparece, principalmente após terem evidências concretas e flashbacks.

Sem tratar, pode piorar

Para ter certeza de que se trata de amnésia dissociativa, é preciso excluir uma série de fatores, desde os que foram levantados para a condição de Regina —descartar efeitos de substâncias, como álcool, drogas ou medicamentos, ou alguma condição neurológica preocupante, como convulsões, traumatismo craniano, lesão cerebral— a infecções cerebrais, deficiência de vitaminas, tumores e doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson. Além de se considerar uma amnésia associada à fadiga, insônia, tendência suicida.

Comportamentos autodestrutivos tendem a surgir quando a amnésia desaparece subitamente e a pessoa é bombardeada por memórias traumáticas. "Sem tratamento e por não se lembrar de parte ou de toda sua vida, a pessoa ainda pode sair de casa e se esquecer quem é, ter fuga dissociativa, mas é raro", afirma Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas de São Paulo.

Felizmente, quando recebem suporte, fazem psicoterapia e uso controlado de medicamentos, pacientes como Regina recuperam suas memórias e resolvem os conflitos que provocaram a amnésia. Nesse processo, é fundamental que façam atividades físicas e cuidem da saúde mental.