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Epilepsia: desafio começa no diagnóstico e passa pelo uso de canabidiol

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De VivaBem, em São Paulo

26/03/2023 14h25

Hoje, 26 de março, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização sobre a Epilepsia, parte das celebrações do Março Roxo. O mês busca chamar atenção para as pessoas que sofrem com a doença. Segundo a OMS, são cerca de 50 milhões de pessoas com epilepsia no mundo. Só no Brasil, estimam-se 3 milhões com a doença.

Os principais desafios começam pelas dificuldades do diagnóstico, que muitas vezes leva anos para ser fechado. Isso prejudica a vida do paciente.

Além disso, o preconceito que as pessoas com epilepsia sofrem ao longo da vida pode levar o paciente ao isolamento, afetando vida social, autoestima e saúde mental. A epilepsia pode acometer pacientes de todas as idades, mas o público infantil e o idoso tende a sofrer mais.

Canabidiol para tratamento da epilepsia

"Há muita pesquisa da utilização dos extratos da cannabis para uso medicinal, e uma das áreas com maior número de estudos com grande evidência científica de sua eficácia é justamente a epilepsia, notadamente com o uso de produtos a base de CBD (canabidiol), já havendo alguns estudos que utilizam compostos que contém até o THC (tetrahidrocanabinol, a molécula mais psicoativa da cannabis)", explica o neurologista Renato Anghinah, diretor médico da HempMeds e professor livre docente da USP.

Mas é para qualquer um? Não. "O CBD é usado para a epilepsia de difícil controle, chamada de farmacorresistente. Existe um grupo de pessoas que tem uma doença farmacorresponsiva, ou seja, que responde super bem aos medicamentos habituais, gira em torno de 70% dos pacientes. Mas existe um grupo de pessoas, cerca de 30%, que tem uma epilepsia de difícil controle, e essas pessoas, depois de passarem por uma avaliação cirúrgica, podem fazer uso do canabidiol", explica Daniela Fontes Bezerra, neuropediatra, mestre em ciências da saúde pela FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), médica afiliada do departamento de neurociências da FMABC e coordenadora do ambulatório de epilepsia infantil da mesma instituição, especializado em epilepsia de difícil controle.

Daniela, que também é médica assistente no Hospital Municipal Universitário de São Bernardo do Campo (SP) atuando na área de avaliações neurológicas neonatais, explica que a avaliação cirúrgica é fundamental, já que às vezes a causa da epilepsia é um tumor ou uma malformação, que precisa ser ressecado, ou seja, há necessidade de um procedimento cirúrgico para que se tenha um controle dessa epilepsia. Só quando esses motivos são descartados é que se pode indicar o uso do CBD.

Preconceito com o CBD

CBD, ou canabidiol, é apenas uma entre centenas de substâncias derivadas da maconha - Divulgação/Unsplash - Divulgação/Unsplash
CBD, ou canabidiol, é apenas uma entre centenas de substâncias derivadas da maconha
Imagem: Divulgação/Unsplash

A neuropediatra da FMABC é prescritora de cannabis para o tratamento da epilepsia desde 2016 e enfatiza: ainda existe, sim, um preconceito muito grande da classe médica com o canabidiol.

"Para se prescrever qualquer coisa, realmente há que se ter o embasamento, não tiramos da cabeça um tratamento farmacológico porque ele é prescrito, e a prescrição médica requer treinamento e evidência científica muito importante. Existem inclusive médicos especialistas em epilepsia que já avisam aos pacientes que não prescrevem canabidiol. O preconceito existe, é real, e tem a ver com o uso recreativo da maconha na nossa sociedade", opina a médica.

Renato Anghinah corrobora a fala de Daniela: os produtos de cannabis ainda sofrem preconceito pelos próprios médicos, que muitas vezes descartam essa possibilidade como opção terapêutica.

Sobre o seu dia a dia, em consultório, a neuropediatra conta que existem vários tipos de famílias:

  • Aquelas que só de a criança ter uma primeira crise acham que devem logo usar o CBD. "A gente não tem estudos científicos que comprovem a eficácia e a segurança de entrar com o canabidiol como primeira opção", reforça Daniela.
  • Existem famílias que chegam desesperançosas, e quando a gente propõe, dentre as estratégias terapêuticas não farmacológicas, o uso do canabidiol, aceitam bem.
  • Mas também existem famílias que tem um preconceito muito grande em relação ao canabidiol e que, mesmo tendo indicação, não querem utilizá-lo para o tratamento da epilepsia de difícil controle.

A especialista da FMABC conta um caso de uso do CBD via SUS e que teve resultados impressionantes: trata-se de uma criança hoje com 9 anos e que a médica acompanha desde bebê. Daniela alerta que o tratamento com CBD ainda é caro e inacessível para a maioria das famílias brasileiras.

"A gente descobriu que ela tem uma síndrome rara, uma doença genética, e ela tinha uma epilepsia de difícil controle, com muitas crises. A epilepsia de difícil controle tem por definição o uso de 2, 3 medicamentos e a pessoa ter crises, pelo menos, mensais. Ela tinha crises diárias mesmo com muito medicamento. Conseguimos fazer a prescrição pelo estado. Isso já tem 1 ano. Na faculdade, a gente fez os papéis para ela fazer a solicitação pelo estado de SP em um setor que chama de medicamento não padronizado pelo SUS, de alto custo. A gente justificou com os relatórios e ela conseguiu", conta Daniela.

É uma família muito simples, que realmente não teria condições de bancar o tratamento com canabidiol. O mais legal dessa história é que ao longo desse 1 ano a gente tirou muitos medicamentos, tiramos 4, hoje ela só está com 2 remédios e o canabidiol, e melhorou muito. Faz 6 meses que ela não tem crise. Estamos bem felizes com esse caso, principalmente porque é uma família que não tem condição socioeconômica nenhuma para conseguir o canabidiol por conta própria, sem o suporte do estado. Daniela Fontes Bezerra, neuropediatra

Saiba mais sobre a epilepsia

A doença está associada à maior mortalidade, dado o risco de acidentes, traumas, crises prolongadas e morte súbita. Além disso, relaciona-se à depressão e à ansiedade, assim como a problemas psicossociais, que vão desde o desemprego e o isolamento social, até o estigma, entre outros.

  • O seu cérebro é formado por bilhões de células nervosas (neurônios). E cada uma de suas áreas tem uma função específica: garantir os movimentos, a fala, as emoções, os sentidos, etc.
  • Para que haja comunicação entre esses neurônios, eles usam impulsos elétricos e sinais químicos, e essas atividades são organizadas e sincrônicas. Quando esse processo ocorre de forma desordenada, ele dá origem a uma crise epiléptica.
  • A crise é um quadro clínico transitório que tem começo, meio e fim, e pode durar alguns segundos ou minutos. Ela decorre de uma descarga anormal de neurônios no cérebro. Tal manifestação é transitória e constitui a crise epiléptica.

Há vários tipos diferentes de crise, a depender da parte do cérebro onde ocorre essa descarga. As duas principais categorias são as seguintes:

Crise generalizada - ela acomete todo o cérebro e pode levar à perda de consciência, além de se fazer sentir por todo o corpo. O fato de acometer todo o cérebro, não necessariamente significa que ela seja mais grave.

Crise focal (ou parcial) - ela advém de apenas uma parte do cérebro e os sintomas aparentes dependerão das funções da região afetada. Esse quadro pode —ou não— evoluir para uma crise generalizada.

De acordo com Anghinah, existem manifestações menos conhecidas pela população que, muitas vezes, podem ser interpretadas de maneira inadequada em relação ao diagnóstico. Por exemplo: formigamento parcial da cabeça, alterações de cheiros e sensações, desconfortos gástricos e quadros confusionais que precedem as crises.

Além de todos os problemas, o paciente ainda sofre com o estigma na sociedade. "Algumas pessoas se sentem limitadas, preferindo ficar isoladas para não sofrer ainda mais com o preconceito. Por isso, datas como o dia 26 de março são importantes para educar sobre a epilepsia e disseminar o conhecimento sobre a doença", comenta o especialista.