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O que acontece no seu corpo quando você range os dentes

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

23/02/2023 04h00

Ranger os dentes integra o imaginário bíblico do terror e também remete à antiguidade, época em que a prática era considerada sinal de possessão demoníaca. Hoje, a ciência já esclareceu: tal manifestação é apenas um comportamento —involuntário e inconsciente— que leva à movimentação da mandíbula.

Essa condição é mais conhecida como bruxismo, um termo genérico que abrange os típicos ranger e pressionar os dentes, mas pode compreender somente os movimentos da parte inferior e móvel do crânio (mandíbula), sem que haja contato entre os dentes da arcada.

  • Quando ele ocorre durante o dia (bruxismo de vigília), estima-se que esteja presente em 22% a 31% da população; à noite (bruxismo noturno), poderá acometer de 8% a 31%;
  • No Brasil, 1 em cada 4 crianças são afetadas;
  • Tende a reduzir na idade avançada, e afeta homens e mulheres igualmente.

É sintoma ou doença?

Na maioria das vezes, em pessoas saudáveis, o bruxismo não é doença e nem é um problema preocupante.

No entanto, em indivíduos mais suscetíveis, o desgaste ou fratura dos dentes ou restaurações, e até dores faciais poderão aparecer. Além disso, esses movimentos poderão estar associados a quadros de epilepsia ou distúrbios do sono.

  • A literatura descreve ainda que essa movimentação involuntária é uma "defesa" do corpo para prevenir o colapso ou restaurar a ação das vias aéreas durante o sono. É como se houvesse uma compensação de situações como a apneia obstrutiva do sono.

Os riscos que você corre

Um estudo publicado pelo Journal of Oral Rehabilitation defende que o bruxismo é mais um fator de risco —que pode ou não estar presente— para algumas complicações, especialmente quando ele se repete e é grave.

  • Dores na ATM (articulação temporomandibular), no pescoço ou na cabeça
  • Hipertrofia, rigidez ou sensibilidade muscular
  • Desgaste, fratura ou trinca dos dentes, restaurações ou próteses (inclusive implantes)
  • Hipersensibilidade
  • Alterações no sono
  • Marcas de dentes na língua e bochecha

Você vive na sofrência

Dor na ATM é uma das queixas mais comuns nos consultórios dos dentistas. Ela é frequentemente associada à pressão exercida pelos dentes, o que pode levar a alterações na sua mecânica.

  • O incômodo pode irradiar pelas regiões da cabeça (incluindo a face) e do pescoço, e se manifesta, em geral, na parte da manhã e no final do dia.
  • Algumas pessoas o confundem com dor de dente, de ouvido ou sinusite.
  • A dor poderá também estar presente na hora de mastigar alimentos ou abrir a boca.

Você olha no espelho e não se reconhece

Como o músculo que dá suporte a essa função trabalha mais do que deveria, ele pode aumentar de tamanho (hipertrofia), alterando a aparência da face.

  • Maior sensibilidade e rigidez locais também podem dar as caras e, por vezes, só são observadas pelo dentista, na hora do exame clínico.

Você abala as estruturas

A força utilizada nos movimentos atua sobre os dentes, as restaurações e próteses (inclusive implantes), e ainda modifica seus formatos normais. Esse quadro altera a mordida e facilita a fratura de todas essas estruturas.

  • O uso de placas protetoras de resina acrílica dura não cura o bruxismo.
  • O papel delas é proteger dentes e tratamentos odontológicos de reabilitação oral (coroas protéticas, facetas de porcelana, etc.), além de auxiliar na melhora dos músculos doloridos da face.

Você não suporta nem o frio, nem o calor

O bruxismo provoca a perda do esmalte dos dentes, deixando a dentina exposta, e ainda promove a retração da gengiva. O resultado é a hipersensibilidade.

O problema pode até ser aliviado com uso de pastas específicas mas, com o tempo, se não houver controle, pode haver perda do dente.

Você não dorme (e nem deixa dormir) com o barulho

Seja pelo incômodo causado pelo som do encontro dos dentes, seja por uma possível relação com algum distúrbio do sono, seu descanso pode ser prejudicado e você perde qualidade de vida.

Caso durma acompanhado, o prejuízo pode também afetar seu companheiro que poderá ser o primeiro a perceber o bruxismo noturno.

Você morde a língua (e a bochecha)

A movimentação contínua provoca o aparecimento de alterações na parte lateral interna da boca e também na língua.

  • Uma delas é a elevação esbranquiçada na bochecha na altura da união das arcadas dentárias. Os dentistas a chamam de linha alba.
  • Cortes e lesões ainda poderão estar presentes nessas regiões.

É tudo culpa do estresse?

Na prática clínica, as alterações do humor, a angústia, o nervosismo, os distúrbios do sono, a depressão e o estresse são, disparado, os desencadeadores mais comuns do bruxismo. Mas não só.

  • Fatores genéticos podem estar envolvidos;
  • Consumo de álcool e cafeína, além de drogas recreativas têm relação;
  • Uso de tabaco também;
  • Determinados medicamentos (algumas classes de antidepressivos, como inibidores seletivos da recaptação de serotonina ou noradrenalina --fluoxetina, sertralina ou duloxetina) podem colaborar para isso.

Como lidar?

Nem sempre o clássico ranger de dentes está presente no bruxismo. Assim, na hora do diagnóstico, o cirurgião dentista deve classificá-lo como:

  • Possível (relato pessoal)
  • Provável (relato + exame clínico)
  • Definido (relato + avaliação + polissonografia - exame que avalia a qualidade do sono).

Até o momento, não há cura para o quadro, mas ele pode ser controlado. Para esse fim pode ser necessária a atuação de outros profissionais como o psicólogo ou psiquiatra.

A terapia se resume em mudanças de hábitos, controle do estresse, uso de placas protetoras de resina acrílica e tratamento reabilitador dos dentes desgastados.

? A toxina botulínica pode ser indicada em casos específicos, como a distonia (contração involuntária dos músculos), mas os benefícios e efeitos adversos devem ser devidamente avaliados.

Faça a sua parte

Colabore para a melhora do quadro, colocando em prática as seguintes medidas:

  • Consulte regularmente o dentista;
  • Fique mais consciente da posição da mandíbula durante o dia. Para esse fim, você pode utilizar aplicativos para lembrar de não apertar;
  • Aprenda técnicas de relaxamento;
  • Fale com seu médico e altere medicamentos desencadeadores;
  • Consulte um nutricionista para reduzir o consumo de cafeína e ter dieta balanceada;
  • Invista em exercícios físicos;
  • Adote práticas de higiene do sono;
  • Use as placas duras de resina acrílica. Ela não reduz o movimento, mas protege os dentes, os músculos da mastigação e a articulação.

Fontes: Maria de Lourdes Rodrigues Accorinte, presidente da Câmara Técnica de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial do CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo); Maria Sueli de Souza, cirurgiã dentista, integrante do corpo clínico da Clínica Odontológica Spera Odonto, em São Paulo; Paulo César Rodrigues Conti, professor Titular do Departamento de Prótese e Periodontia da FOB-USP (Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo), presidente do Grupo de Interesse Especial em Dor Orofacial e Cefaleia da IASP (International Association for the Study of Pain), biênio 2023/2024. Revisão técnica: Paulo César Rodrigues Conti.

Referências:

  • Ministério da Saúde
  • Lal SJ, Weber, DDS KK. Bruxism Management. [Atualizado em 2022 Out 12]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482466/.
  • Ferrari-Piloni C, Barros LAN, Evangelista K, Serra-Negra JM, Silva MAG, Valladares-Neto J. Prevalence of Bruxism in Brazilian Children: A Systematic Review and Meta-Analysis. Pediatr Dent. 2022 Jan 15;44(1):8-20. PMID: 35232529.
  • Lobbezoo F, Ahlberg J, Raphael KG, Wetselaar P, Glaros AG, Kato T, Santiago V, Winocur E, De Laat A, De Leeuw R, Koyano K, Lavigne GJ, Svensson P, Manfredini D. International consensus on the assessment of bruxism: Report of a work in progress. J Oral Rehabil. 2018 Nov;45(11):837-844. doi: 10.1111/joor.12663. Epub 2018 Jun 21. PMID: 29926505; PMCID: PMC6287494.