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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que há quem goste de cheiros considerados ruins, como de gasolina?

Tom Merton/Getty Images
Imagem: Tom Merton/Getty Images

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

09/01/2023 04h00

O olfato faz parte, junto com visão, audição, tato e paladar, dos cinco sentidos básicos e permite aos humanos interagir com o meio ambiente, perceber e evitar perigos iminentes, como de incêndios e escapes de gás, e desenvolver emoções e memórias. A resposta imediata a algum odor é simples e binária: ou a pessoa gosta ou não gosta, ou remete a algo bom ou ruim.

Mas o que ocorre quando cheiros desagradáveis para a maioria e, às vezes, até associados a alertas conquistam as narinas? Se as filhas de Fábio Siqueira, 51, de São Paulo, sentem enjoo, dor de cabeça e tontura quando expostas ao cheiro de gasolina, por exemplo, ele é o oposto. "Elas sobem os vidros do carro, mas para mim é muito prazeroso, assim como cheiro de couro", diz.

Opinião em partes compartilhada pela paulistana Ana Cláudia Mendes, 46. Para ela, além do cheiro de gasolina, os de naftalina (repelente de traças e outros insetos de armários e gavetas) e acetona (removedor de esmaltes de unha) são considerados bons. "Cheiro de gasolina me lembra viagem de infância, e os de naftalina e acetona, casa de avó e mãe fazendo mão e pé", diz.

Cheiros despertam lembranças

Conexões como as de Ana Cláudia recebem o nome de "fenômeno de Proust", em alusão a Marcel Proust (1871-1922), escritor francês cujas memórias da casa de sua tia vinham à tona quando ele mergulhava biscoitos em chá. Assim, de acordo com a teoria proustiana, a mera exposição a um estímulo desencadeia automaticamente uma lembrança intensa do passado.

A exposição a um cheiro qualquer evoca memórias autobiográficas, pessoais e criadas em torno de sensações experimentadas que nos marcaram. Há quem possa sentir isso ao captar odores de cozinha, perfumes, fábricas, cigarro. Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) e da Associação Americana de Psiquiatria

Entretanto, esse é um fenômeno psicológico não limitado especificamente ao olfato, mas resultado do entrosamento dos cinco sentidos. Embora alguma das partes possa ser acionada primeiro, é o conjunto que permite a evocação da experiência no seu contexto emocional e sensorial completo, que, ao final, é o que acaba sendo recordado, mais do que o fato em si.

Cérebro pode ficar dependente

Médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e especialista pela Ucla (Universidade da Califórnia em Los Angeles), Júlio Barbosa acrescenta que as memórias que incluem odores costumam ser mais fortes, independentemente de qual seja o tipo ou se tenha sido captado uma única vez. Se a associação com ele for positiva, pode "impregnar" o cérebro do sujeito.

A primeira associação feita com um odor interfere na formação das seguintes e mudar essa impressão é muito difícil, sobretudo se a substância liberar neurotransmissores produtores de sensações de prazer e recompensa, portanto viciantes. Um exemplo é a nicotina, o princípio ativo das folhas de tabaco, mas o cuidado se estende para combustíveis, tintas, removedores.

Acetona; removedor de esmalte - iStock - iStock
Cheiro de acetona também pode ser prazeroso para alguns
Imagem: iStock

"Gasolina contém benzeno, que no passado era utilizado em produtos de higiene, como loção pós-barba e em solventes industriais, mas é altamente tóxico e tem potencial alucinógeno", informa Barbosa. Quando abastece o carro, Fábio diz que, por alguns segundos, o cheiro que sobe do posto lhe deixa meio inebriado. "Se respiro muito, noto que o raciocínio se lentifica."

Prazeroso, mas contraindicado

Disfunções olfativas também têm relação com o prazer ao sentir esses cheiros. Inflamações e traumas em terminações nervosas do nariz acabam modificando a identificação correta do odor natural, que em casos atípicos acaba assimilada como sendo agradável.

Porém, não é algo para se achar legal ou ser incentivado. "É fundamental expor os riscos à saúde a quem gosta de inalar odores químicos. Inalados em excesso e em longo prazo, causam intoxicações, danos ao trato respiratório, sistema nervoso, câncer e podem até matar", informa Cicero Matsuyama, otorrinolaringologista do Hospital Cema, em São Paulo.

O médico diz que com qualquer mudança no olfato é necessário consultar um médico. Agora, com algum nível de interesse em experimentar ou já dependente de drogas caseiras ou industriais, como as citadas, o indicado é procurar um psiquiatra. A curiosidade pode gerar dependência e essa levar a querer provar drogas cada vez mais fortes, ilícitas e perigosas.