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Não gosta do cheiro de ovo? Por que alguns têm aversão a odores de comida

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Imagem: iStock

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

02/09/2022 04h00

Da mesma forma que determinadas fragrâncias despertam boas lembranças ou atração, outros aromas são capazes de criar aversão, inclusive em relação a comidas, chegando ao ponto de não conseguir ingeri-las.

Pode até parecer capricho infantil, mas não é. A condição é individual e entre os fatores estão associadas a alguma enfermidade ou decorrente de situações vividas previamente.

Um das explicações relaciona o olfato aos sentimentos e memórias, já que o sentido está ligado ao sistema límbico, que é responsável pelo controle das emoções. Assim, a repulsa pode ser gerada por alguma associação ou lembrança ruim.

Isso se deve à capacidade de se proteger de acontecimentos e essa memória olfativa é criada desde que se é bem pequeno, nas palavras de Gabriela Iervolino, endocrinologista e titulada pela SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

Outra justificava é decorrente de alguma distorção do olfato, como a que ficou frequente depois da covid-19, segundo Maria Dantas Godoy, otorrinolaringologista do HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual). "A alteração desencadeada pela doença é a parosmia, que consiste na dificuldade para identificar os cheiros, mas que possui tratamento."

Os distúrbios da olfação vão da anosmia —ausência da percepção olfativa— até o aumento da olfação, chamado hiperosmia. Marcella Garcez, médica nutróloga, professora e diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), lista ainda a cacosmia, que é a percepção de odores desagradáveis, a fantosmia, que se refere à sensação de odores inexistentes, e a agnosia, que é a inabilidade de identificar e classificar verbalmente odores percebidos.

"Entre as causas estão situações anatômicas, gestação, envelhecimento fisiológico, componentes emocionais, até doenças infecciosas, metabólicas, psiquiátricas, neurológicas e genéticas", elenca a nutróloga da Abran.

Os ingredientes que mais provocam aversão

A lista de alimentos que provocam aversão é extensa e inclui até temperos, como no caso de Guilherme Luigi Zanette, 32, que percebeu há cinco anos uma intolerância ao aroma da canela. A repulsa acaba limitando a ingestão de sobremesas, como a queridinha banoffee. "Mas também tem os benefícios da canela, que também não adquiro", fala o jornalista.

Ele diz que desde criança também não consegue comer nada que tenha queijo parmesão ralado, seja em massas, pizzas ou gratinados, que provoca a sensação de estômago embrulhado. "Quando o ingrediente faz parte do preparo de algo que tenha mais itens, até consigo comer, porque o cheiro desaparece, mas, na maioria das vezes, sou obrigado a pedir para retirar o item do prato ou apelar para outro tipo —que não o gorgonzola, já que o aroma também é prevalente e forte."

Outros ingredientes relacionados a aversões olfativas são alho, cebola, coentro, frutos do mar, trufas, tofu, ovo e certos tipos de carne. "As variações culturais interferem muito nessas percepções. Uma pessoa criada na Ásia provavelmente tem experiências sensoriais diferentes das pessoas que cresceram no Brasil", exemplifica Godoy.

Marina Takahashi, 43, designer gráfica, diz que sente de longe o cheiro de determinadas espécies de peixe que lhe dão aversão. Outra iguaria de que não tolera o aroma e não come de forma alguma é dobradinha. Mas ela não é a única com essas repulsas olfativas no seu grupo de amigos. "Lembro-me de uma amiga que quando estava grávida não ingeria feijão de nenhum jeito."

Realmente, a gravidez e as variações hormonais deixam algumas mulheres mais suscetíveis a interferências nas percepções olfativas, mas é uma sensibilidade transitória e restrita a alguns odores. De acordo com as especialistas entrevistadas, apesar de ser um acontecimento comum, ainda não há comprovações de todos os mecanismos envolvidos.

As consequências: perdas nutricionais

Segundo a endocrinologista Gabriela Iervolino, a ausência de determinados itens na alimentação é capaz de provocar carências nutricionais, por isso, é importante saber se é possível a substituição, orientada por profissionais, ou então testar novas receitas em que o cheiro seja ocultado por outros mais intensos.

No caso dos temperos, como a cebola, apesar dos inúmeros benefícios, ela pode ser trocada por outros com propriedades salutares. Já a recomendação no caso dos queijos é substituí-los por outros alimentos à base de leite, já que a deficiência de cálcio acarreta ossos fracos, cãibras e constipação, entre outros.

A ausência de carnes causa anemia, cansaço, dificuldade de caminhar, desequilíbrio, perda de memória, diminuição de crescimento (em crianças), formigamento nas mãos e nos pés e até demência. "Nesse caso, a substituição não ocorre de forma tão completa e, na maioria das vezes, deve-se introduzir vitaminas para suprir sua falta", sugere Iervolino.

Os que não conseguem ingerir peixes podem experimentar outras comidas que incluam ômega 3, vitamina A e do complexo B, zinco, cálcio, selênio e iodo.

Dá para disfarçar ou ocultar os aromas?

Cerca de 80% do paladar vem do faro e é possível empregar estratégias para disfarçar os odores, como ensina a otorrinolaringologista Maria Dantas Godoy:

  • Respirar pela boca ajuda a reduzir o contato das substâncias odoríferas com a parte do nariz responsável por sentir o cheiro das coisas --o epitélio olfatório, situado na parte mais alta da cavidade nasal;
  • O café pode ser utilizado para neutralizar os odores e melhorar a percepção olfativa;
  • As substâncias mentoladas estimulam outro nervo da face e colaboram na dissimulação dos odores;
  • Usar máscaras ao manipular substâncias contribui para diminuir o contato das partículas odoríferas com as fossas nasais;
  • Se a condição provoca limitações sociais, entre outras, a recomendação é buscar ajuda, consultando especialistas.

Fontes: Gabriela Iervolino, endocrinologista e titulada pela SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia); Marcella Garcez, médica nutróloga, professora e diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia); Maria Dantas Godoy, otorrinolaringologista do HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual), de São Paulo, e atende pacientes com distúrbios do olfato há mais de 10 anos.