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'Bebi, não lembro o que fiz e virei piada': amnésia alcoólica existe mesmo?

Blecaute depende da quantidade e da velocidade do consumo do álcool - iStock
Blecaute depende da quantidade e da velocidade do consumo do álcool Imagem: iStock

Luciana Cavalcante

Colaboração para VivaBem

14/12/2022 04h00

Festas de fim de ano são o motivo perfeito para beber com os amigos, mas é preciso cuidado para não exagerar na dose. Além de ter uma ressaca, o risco é esquecer o que fez e virar motivo de piada. As consequências desagradáveis de uma bebedeira voltaram a ser assunto depois que um tweet sobre isso viralizou nos últimos dias.

O ex-MasterChef Leonardo Santos contou nas redes sociais que não acreditava que era verdade até ter uma amnésia alcoólica —ou seja, deixar de se lembrar do período em que estava alcoolizado. Seguidores responderam contando casos em que também beberam e não se lembravam do que aconteceu na noite anterior.

Amnésia alcoólica existe mesmo? VivaBem ouviu relatos e consultou uma especialista para tirar essa dúvida.

Uma das seguidoras que respondeu ao comentário de Leonardo, a universitária Letícia Tilli, 25, disse que também viveu uma experiência de esquecimento após beber bastante álcool.

"Eu também achava [que amnésia alcoólica era desculpa] até que um dia em uma festa resolvi que era uma boa ideia tomar vários shots de cachaça [...] É um pouco assustador porque se passaram várias horas e eu não sei o que aconteceu."

A VivaBem, ela explicou que o fato ocorreu em 2019, quando estava em uma festa de aniversário com a irmã e uma amiga em São Paulo. A comemoração começou por volta das 14 horas, horário em que ela começou a beber.

"Comecei com corote [coquetel de cachaça] e vodca, mas depois fizeram aquela brincadeira de shot de cachaça [beber várias doses seguidas] e eu entrei. Acho que foi por isso", lembra.

A universitária diz que tinha costume de misturar bebidas e que nunca teve nenhum problema com isso, mas desta vez ficou algumas horas "fora do ar" e teve de ser atendida por uma equipe médica.

"Fiquei algumas horas sem lembrar o que houve. Sei que me levaram para a enfermaria e, depois de um tempo, ainda na festa, recuperei a memória, mas antes disso não lembro."

O gerente de robótica Renan Holanda, 22, também passou por algo parecido.

"Até hoje eu sou atormentado por uma memória que eu nem tenho", comentou, na postagem.

O caso dele foi diferente do de Letícia. Morando há um ano e meio na Bélgica, o paraense saiu para beber com quatro amigos, em agosto deste ano.

Ele diz que não tem o hábito de beber com frequência e que não lembra bem o que houve naquela noite. Diferentemente de Letícia, Holanda e os amigos beberam cerveja.

"Pelas nossas contas bebemos uns dez litros de cerveja. Lembro de algumas coisas, mas só de flashes, não cheguei a apagar e esquecer tudo", comenta.

Dois tipos de amnésia alcoólica

A psiquiatra Renata Figueiredo, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), explica que a amnésia alcoólica existe e pode ocorrer de duas formas: o apagão (blecaute total) ou blecaute parcial.

O primeiro caso ocorre quando o paciente não lembra nada e o segundo, quando essa perda é fragmentada e ele recorda apenas flashes do dia de bebedeira.

Mulheres são mais vulneráveis à amnésia alcoólica - iStock - iStock
Mulheres são mais vulneráveis à amnésia alcoólica
Imagem: iStock

A ocorrência de cada um deles depende de vários fatores, que envolvem desde a quantidade e a velocidade do consumo do álcool, até gênero e questões genéticas.

Ela ressalta que o mecanismo químico da amnésia no cérebro ainda não é completamente conhecido, mas é comprovado que o álcool afeta o hipocampo, área responsável pelo aprendizado e formação de memórias.

"É como se a região frontal do cérebro não funcionasse adequadamente, as sinapses cerebrais, essa conexão, ficam enfraquecidas, dificultando o aprendizado e a memória, e consequentemente, a formação de novas memórias, em maior ou menor grau, dependendo do tipo de amnésia", explica.

Características que aumentam a vulnerabilidade:

  • Bebidas com maior teor alcoólico
  • Quantidade de consumo
  • Velocidade de consumo
  • Gênero: as mulheres têm maior propensão
  • Estatura: pessoas mais baixas têm maior propensão
  • Consumo associado com drogas ilícitas e com medicamentos antidepressivos e ansiolíticos
  • Predisposição genética

"Bebidas com maior teor alcoólico têm maior risco de provocar amnésia alcoólica. Beber muito rapidamente e sem se alimentar aumenta esse risco", explica.

Já as diferenças entre homens e mulheres ocorrem porque, em geral, a mulher pesa menos, tem menor quantidade de sangue, mais gordura e concentra mais o álcool no sangue.

"Assim como pessoas baixinhas, que têm menor quantidade de sangue e também concentram muito álcool", explica.

Riscos aumentam a longo prazo

Não é novidade que o consumo excessivo de álcool pode provocar uma série de problemas de saúde, mas no caso da repetição frequente da amnésia alcoólica, a situação é ainda mais grave. Há risco de dependência e à saúde de terceiros.

Em longo prazo, explica a médica, um paciente que tem muitos episódios de amnésia alcoólica corre o risco de desenvolver demência, ansiedade e depressão, além de hepatite e doenças cardiovasculares.

Ela ainda faz um alerta sobre o risco que esse blecaute representa para as outras pessoas.

"Diferentemente da perda de consciência, quando ocorre um desmaio, esse apagão não necessariamente causa perda de consciência. A pessoa só não vai ter consciência do que está fazendo, mas pode fazer atividades complexas como dirigir, manter relações sexuais, pode se envolver em acidentes de trânsito, tentativa ou suicídio consumado, praticar sexo desprotegido e gravidez indesejada", alerta.

'Virei piada'

Para os jovens ouvidos por VivaBem, a experiência deixou uma lição: tomar mais cuidado com o consumo excessivo de álcool. "Virei piada. Uma amiga disse que bebi e falei para a menina de quem gostava na época que a gente ia se casar. Me avacalham até hoje", diz Holanda.

No caso de Letícia, o arrependimento também envolveu um relacionamento.

"Minhas amigas disseram que fiquei com um menino na enfermaria, coisa que me arrependo. Até hoje não consigo mais beber corote de pêssego que lembro, pois passei muito mal também", diz Letícia.