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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Tatuagem não é só desenho: 'Há sempre história ou personalidade por trás'

Karina tatuou um símbolo de coragem - Acervo Pessoal
Karina tatuou um símbolo de coragem Imagem: Acervo Pessoal

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

24/10/2022 04h00

Em 2004, Thales Bezerra, 37, de Natal (RN), fez sua primeira tatuagem, uma discreta estrela. O resultado o agradou e, incentivado por amigos nos anos seguintes, ele adquiriu mais seis tattoos, além de piercings e brincos. "O que me influencia registro em mim, como viagens, canções, filmes, rock. Gosto de desenhos em estilo 3D, realistas e geométricos", comenta.

Seu argumento é parecido com o de Karina Campos, 28, de Santo André (SP). Ela, que diz gostar de música gospel e símbolos relacionados a sua crença, tatuou nas costas a metade da face de um leão: "Revela minha fé, a proteção divina e a seguir com coragem sempre em frente, daí o motivo da flecha. Mas para ficar mais delicado, completei com as flores", explica.

Em comum, Karina e Thales buscaram expressar fisicamente em si suas subjetividades. Embora essas intervenções, à primeira vista, possam parecer algo puramente estético, artístico, de embelezamento, elas podem reforçar posicionamentos, desejos, tendências, remeter a lembranças, mudanças, rupturas e até sofrimentos psicoemocionais.

'Há sempre uma história ou traço de personalidade'

O local escolhido para se pintar, escrever ou furar também revela muito sobre o sujeito, mas só especialistas em saúde mental têm competência para ler e interpretar as intenções, que são particulares, informa Joeuder Lima, doutorando pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano) e psicólogo da Clínica Saúde Vida Plena, em Palmas (TO).

Thales tem tatuagens em 3D e piercings - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Thales tem tatuagens em 3D e piercings
Imagem: Acervo pessoal

De modo geral, pode-se deduzir apenas que áreas visíveis podem indicar extroversão, ao passo que ocultas, introversão, mas varia muito. "Há sempre uma história ou traço da personalidade e do temperamento por trás. Fora que uma mesma tatuagem pode ter uma representação diferente para cada pessoa. E cada registro diz também de um momento que se está vivendo."

Karina diz que escolheu tatuar as costas por ser uma região plana, sem dobras, e que ela não vê com frequência, só em fotos ou no espelho. Ou seja, para também não enjoar e poder esconder quando quiser. Já Thales priorizou os membros e o tórax para as tattoos maiores, detalhadas e pela visibilidade, acrescentando que os piercings dão toque irreverente ao visual.

Dores do emocional na pele

Algumas pessoas podem fazer de tatuagens, piercings e outras modificações corporais válvulas de escape para angústias e carências que não conseguem nomear, colocar para fora, e isso pode levar a compulsões, alerta Wimer Bottura, psiquiatra, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e presidente do comitê de adolescência da APM (Associação Paulista de Medicina).

"Comportamentos extremos podem envolver busca por reconhecimento, em ser percebido, mas não saciam essa necessidade, de ser visto naturalmente na própria essência. Antes, geram incômodos, estranhamentos, o que, num ciclo vicioso, leva a hábitos ou ações ainda piores, a qualquer preço. Alguns acabam obtendo atenção por chocar aos outros", acrescenta o médico.

Thales diz saber de gente que exagera, até se automutila e descreve com as transformações ter sensações de poder e invencibilidade, por isso não consegue parar. Joeuder Lima fala que são manifestações de conflitos internos: "Sentir a dor por fora é uma forma de desviar a mente da dor psíquica e há quem seja junto masoquista, sinta prazer nisso, e às vezes exibicionista."

tem tatuagens em 3D e piercings - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Thales diz que os piercings dão toque irreverente ao visual
Imagem: Acervo pessoal

Seu corpo é como sua biografia

Toda situação que pareça incomum, fora de controle, gere muita desconfiança em pessoas próximas, da família, trabalho e amigos, acompanhada de mudanças súbitas no modo de ser e prejuízos em diferentes áreas, requer ser participada a um psiquiatra e psicólogo. Experiências externalizadas precisam ser compreendidas, eventuais dores, sanadas, e impulsos, gerenciados.

"Vamos diferenciar gosto, que não se discute, cada um tem o seu, de significados emocionais atribuídos ao que se faz no corpo, que fica marcado", pontua Yuri Busin, psicólogo pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Segundo ele, indicada, a psicoterapia trabalha o agir sem pensar que leva a excessos, compensações e arrependimentos futuros.

Mas deixa claro que não é por se ter muitas tatuagens ou piercings que alguém seja incapaz de resistir a tentações, modismos, ou que todo impulsivo faz intervenções e depois se arrepende. Aliás, arrependimentos não merecem uma conotação negativa, antes podem ser benéficos e representar autoconhecimento e amadurecimento, como fez Karina, que apagou com sua tattoo a letra inicial do nome de um ex.