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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ele fez tratamento que reprograma células após câncer voltar cinco vezes

Danielle Sanches

Colaboração para VivaBem

30/08/2022 04h00

Uma dor de cabeça, uma sensação de cansaço no corpo em uma semana de provas na faculdade. Estresse, certo? Foi o que pensou o estudante de medicina Lucas Visconti, 27, de Paraíba do Sul (RJ).

Mas Lucas descobriu três meses depois que os sintomas, na verdade, eram sinal de uma leucemia linfoblástica aguda, conhecida pela sigla LLA, um tipo de câncer mais comum em crianças de até cinco anos de idade, de acordo com o Inca (Instituto Nacional do Câncer), mas que também atinge adultos.

Após diversos ciclos de quimioterapia e cinco recidivas (a volta da doença), a única opção para o estudante seria o tratamento CAR-T. Inovadora, a terapia celular utiliza as próprias células de defesa do paciente, que são reprogramadas geneticamente em laboratório, para combater as células do câncer.

No Brasil, ela agora poderá ser aplicada no Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O programa foi lançado em parceria com o Instituto Butantan, a FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), a FMRP - USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) e a Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto.

Ao todo, o estado agora conta com dois núcleos para produzir as células CAR-T em escala. "É o maior programa para produção dessa terapia na América Latina e nos coloca em pé de igualdade com países desenvolvidos", afirmou Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan, em entrevista a VivaBem.

Segundo Covas, a produção desse tipo de terapia com tecnologia nacional dará mais autonomia para realizar o tratamento no país e permitirá o acesso por meio do SUS (Sistema Único de Saúde). "É algo inovador e inédito por aqui", disse.

Lucas foi um dos primeiros brasileiros a receber a terapia CAR-T com células produzidas aqui. E, após quase um mês de internação, conseguiu alcançar a remissão e voltar para sua rotina: "O que mais queria era voltar a viver minha vida", diz. A seguir, ele conta sua história:

Lucas Visconti - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas careca após passar pelo transplante de medula óssea
Imagem: Arquivo pessoal

"Em 2017, comecei a sentir dores de cabeça e um pouco de cansaço no corpo. Era uma semana de provas na faculdade e, com sintomas tão inespecíficos, não dei bola. Acreditei ser por estresse.

Como a dor ficou mais intensa, busquei um neurologista. Os exames de imagens não deram em nada. Procurei outros médicos e até um oftalmologista, que constatou uma lesão no olho e me passou corticoides em doses altas.

Quando parei o remédio, voltei a sentir dor, agora acompanhada de vista dupla e tontura. Me consultei com um neurocirurgião, que me pediu exames para entender o problema, pois tudo era muito estranho.

Mas dois dias depois, enquanto esperava os resultados, tive uma crise muito forte e desmaiei. Fui internado e o neurocirurgião, que num primeiro momento achou que era caso de cirurgia, desconfiou que poderia ser algo diferente e me pediu para falar com um hematologista.

Em nova consulta, dessa vez com o especialista, constatou-se a leucemia. O médico me disse que faria mais exames para detectar qual o subtipo, mas precisava internar no dia seguinte para iniciar o tratamento. Minha medula já estava 70% comprometida pela doença.

Ao total, fiz oito ciclos de quimioterapia, o que deu por volta de seis meses de tratamento. A resposta foi boa e entrei em remissão. No final de 2018, no entanto, durante um exame de rotina, descobri que a doença havia voltado.

Foi a primeira de cinco recidivas que tive. Nesse ponto, minha melhor opção era fazer um transplante de medula. Viajei a São Paulo e passei a ser acompanhado pelo médico hematologista Vanderson Rocha.

Lucas Visconti - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas com o pai, que também é médico
Imagem: Arquivo pessoal

Nessa época, meu pai parou a vida dele para me acompanhar. Perdi minha mãe aos quatro anos e meu pai sempre foi muito cuidadoso e carinhoso comigo e meus dois irmãos. Nunca nos faltou nada, especialmente amor. Minha irmã também largou o emprego para me acompanhar em São Paulo.

Recebi a medula do meu irmão, que era 50% compatível comigo e, mais uma vez, foi um sucesso. Foi uma recuperação difícil. Você vira um bebê de novo, precisa tomar todas as vacinas novamente, seu sistema imune nunca mais volta a ser o que era. Mas estava bem e em remissão e, assim, voltei para a minha vida normal.

Só que, no final de 2020, o câncer voltou. Foi muito difícil receber essa notícia porque já tinha feito de tudo, o 'padrão-ouro' de tratamento, que era o transplante, e mesmo assim a doença estava lá.

Foi aí que o doutor Vanderson nos falou da terapia CAR-T, a mais recomendada para mim. Mas só a medicação custaria R$ 2 milhões, além dos custos de hospital e moradia nos EUA, onde ela era feita. Isso é completamente fora da minha realidade.

Optamos então por fazer uma quimioterapia mais agressiva. Foi horrível, muito desgastante esse período. Mas deu certo: ao final, estava em remissão.

Isso durou meses. Em agosto de 2021, novamente o câncer estava em mim. A essa altura, não queria me submeter a um novo transplante, com risco de mais complicações. Eu só queria voltar para a faculdade e curtir meus dois últimos anos com meus amigos. Queria me formar com meus colegas de turma.

Contei com o apoio da minha família e comuniquei os médicos, que entenderam minha decisão e propuseram uma quimioterapia leve que controlasse a doença. Novamente, entrei em remissão e segui vivendo.

Nessa época, as pessoas não entendiam como eu dava conta da faculdade, de fazer atividade física, de viver a rotina normal durante o tratamento, mas nem pensava muito nisso. Eu só ia, sabe?

Lucas Visconti - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas com o pai e os irmãos depois de ter passado pelo transplante de medula óssea
Imagem: Arquivo pessoal

Em 2022, o câncer voltou e foi aí que o doutor Vanderson me falou do estudo utilizando a terapia CAR-T na USP de Ribeirão Preto. Fui selecionado e passei 26 dias internado. Tive uma febre baixa, o que era esperado após a infusão das células, mas nada além disso.

Três dias depois, estava saudável, me sentindo bem e fui jogar vôlei com os amigos. Era final de campeonato e vencemos o jogo. Aquilo significou muito para mim.

Perdi tanta coisa ao longo desses anos por causa dos tratamentos. O que mais queria era voltar a viver minha vida com meus amigos e minha família.

Lucas Visconti - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas jogando vôlei logo depois de passar pela terapia CAR-T
Imagem: Arquivo pessoal

Eles, aliás, foram heróis. Estavam sempre me apoiando, me ajudando, sempre ao meu lado. Com eles, eu nunca me senti sozinho nessa jornada.

Mesmo após as recidivas, nunca achei que era o fim. Tinha dentro de mim um sentimento de que aquilo estava acontecendo comigo por algum motivo, para evoluir de alguma forma. Sempre acreditei que havia um propósito maior em tudo isso."

Como funciona a terapia CAR-T?

De acordo com Vanderson Rocha, médico hematologista, professor da FMUSP e coordenador de terapia celular da Rede D'Or, e que acompanhou o caso de Lucas, a terapia com células CAR foi uma espécie de aprimoramento da imunoterapia.

Na CAR-T, alguns linfócitos T (por isso, CAR-T) são retirados do paciente e modificados em laboratório para reconhecerem, por meio de marcadores biológicos, as células cancerígenas. Uma vez injetados no corpo, eles então combatem o tumor.

Dois ou três dias após a infusão, é esperado que o paciente tenha efeitos adversos, como febre. "É uma reação inflamatória do organismo após a morte das células cancerígenas", afirma Rocha.

Por isso, até 60% dos pacientes que recebem as células CAR-T precisarão ir para a UTI para monitoramento do quadro, que pode sair do controle e provocar uma reação exacerbada semelhante à tempestade de citocinas que acontecia em alguns casos de covid-19.

Embora seja bastante cara, a terapia celular é considerada hoje a melhor oportunidade para aqueles que já passaram por transplante e tiveram uma recidiva, mesmo ainda não sabendo ao certo quanto tempo de vida ela oferece ao paciente.

"Ainda existe um caminho pela frente que precisamos percorrer para responder isso", finaliza.