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Visão e audição: quando se perde um sentido, outro pode compensá-lo?

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Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

18/07/2022 04h00

Já ouviu dizer que alguém surdo enxerga muito melhor do que alguém não surdo? Ou que alguém cego ouve muito melhor do que alguém não cego? É como se essas pessoas (cegas e surdas) pudessem compensar um sentido perdido por outro, numa tentativa de adaptação ao mundo externo e ainda obtivessem vantagens. Mas o que a ciência diz a respeito? Faz sentido?

De acordo com os especialistas ouvidos por VivaBem é possível, mas não exatamente desse jeito. Quer dizer, não são os olhos que vão perceber que os ouvidos estão deficitários e trabalhar dobrado para compensá-los, e vice-versa. Não, como órgãos sensoriais só servem para captar estímulos externos e transmiti-los como impulsos nervosos que geram sensações.

A compensação toda compete ao cérebro, como explica Júlio Barbosa Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião, com especialização pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles): "Temos regiões cerebrais que cuidam de cada sentido e se um deles não estiver presente, por avaria de órgão sensorial ou de sua capacidade, como em casos de AVC, essas regiões podem ocupar/cumprir outras funções".

Como ocorre a compensação?

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Com ajuda de profissionais, incentivos, dedicação, treinos e mudança de hábitos é possível alcançar uma compensação modulada pelo sistema nervoso central de algum sentido e melhorar comunicação e interação com o ambiente externo.

Isso é necessário para se obter qualidade de vida e evitar prejuízos, sendo o principal o declínio cognitivo, que pode levar o sujeito com déficit sensorial, sobretudo mais velho, a quadros de demência e depressão.

"Portadores de deficiência auditiva profunda podem ser capazes de utilizar a área do cérebro responsável pela audição para melhorar a acuidade visual, principalmente a visão periférica, porém isso pode levar algum tempo", explica Andy Vicente, doutor em otorrinolaringologista pela Unifesp (Universidade Federal Paulista) e do Hospital Cema, em São Paulo, embasado por estudos, como um de grande repercussão, publicado em 2010, na revista Nature Neuroscience.

À época, cientistas da Universidade de Western Ontario, no Canadá, descobriram que o córtex auditivo, área do cérebro responsável por, entre muitas funções auditivas, a de detectar sons periféricos, pode ser reaproveitado para a visão periférica. Assim, sem poder ouvir um veículo que se aproxima de longe, um surdo poderia avistá-lo de lado com seu campo visual aguçado.

Sucesso vai depender da idade

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Segundo o estudo canadense, adultos surdos podem reagir a objetos em sua visão periférica mais depressa do que adultos ouvintes, enquanto crianças surdas reagem mais devagar do que ouvintes. Leonardo Nicioli, oftalmologista do Cema, explica que essa diferença de resposta, entre adultos e crianças, tem a ver com a idade, que influencia diretamente a percepção.

"Se uma criança nasce cega ou perde a visão cedo, a região do córtex cerebral, responsável pelo processamento neurológico da visão, não vai ser estimulada como deveria, o que ocorre geralmente até os sete anos. Diferente do adulto, cujo córtex cerebral já atingiu seu ápice de desenvolvimento, mas depois a capacidade de enxergar foi perdida por trauma ou doença", diz.

Para que ocorra uma hiperestimulação do sistema nervoso central, para coordenar a recepção e o processamento neurológico de todos os sentidos, complementa Nicioli, é fundamental que o indivíduo, desde a primeira infância, seja submetido a todos os estímulos sensoriais.

"Do contrário, nem mesmo uma cirurgia muito bem realizada (a fim de se recuperar visão, audição) surtirá resultado. São sequelas para a vida toda e que vão afetar a compensação do sentido."

Se o sentido perdido for restaurado?

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Após a descoberta de que o cérebro se reestrutura, reaproveita áreas não utilizadas para aprimorar outras, médicos e cientistas vêm compreendendo também o que acontece com aqueles que perderam algum sentido e o recuperaram.

"Mesmo em pacientes reabilitados, com aparelhos auditivos ou implante coclear, a compensação cerebral adquirida geralmente continua servindo para melhorar a performance sensorial", informa Andy Vicente.

Entretanto, por ter sido privado de algum sentido, se acostumado ou ter compensado a perda graças à neuroplasticidade e depois recuperado a capacidade sensorial de antes, o paciente vai precisar passar por um processo de reabilitação.

Seja para entender e superar dificuldades e desconfortos, se ajustar com volumes, direcionamento de sons, imagens, intensidade de luzes, saber manusear e cuidar de órteses, tudo para que o cérebro se acostume à nova realidade.

"Pode-se dizer que é comparável a quem perde um membro (braço, perna, mão), aprende a se virar sem ele, com o membro vizinho, por exemplo, e depois recebe uma prótese", acrescenta o neurocirurgião Júlio Pereira, concluindo que o cérebro nunca perde a capacidade de adquirir novos aprendizados, independentemente da idade, mas que para adultos e idosos pode ser mais difícil do que para crianças. "Neles, é comum ter de driblar a barreira do conformismo."