Tem medo de dirigir? Psicólogos e instrutores dão dicas de como controlá-lo
Se você sente medo de dirigir, saiba que não está sozinho: segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 6% da população brasileira é afetada por esse medo, que pode se tornar até mesmo uma fobia, a amaxofobia.
Felizmente, se o seu medo, apesar de causar muitos transtornos na rotina, não chega a se caracterizar como uma fobia, ele é facilmente contornado com a ajuda de profissionais especializados.
"A pessoa com amaxofobia tem um medo mórbido, onde por trás há traumas, transtorno de ansiedade, complicações de ordem psicológica. Já a pessoa com medo de dirigir, não, porque o medo é um sintoma da falta de conhecimento muitas vezes, do que ela precisa fazer para dirigir", diz Márcia Pontes, especialista em inovação pedagógica para ensinar a dirigir.
Para a psicóloga cognitivo-comportamental Aline Hessel, que atende pessoas com medo de dirigir, a grande diferença entre o medo e a fobia é que o medo é um movimento natural quando se trata de uma atividade na qual você não tem muita prática. Já a fobia se manifesta em pessoas que nem sequer tentaram, tamanha a trava. "É muito comum as pessoas confundirem por acharem que a fobia de direção vem a partir de experiências ruins, mas não, a pessoa que tem a fobia sequer começou a dirigir", diz.
No caso de quem tem medo, psicólogos e instrutores especializados podem ajudar. Há um modelo de aprendizado no qual são propostas técnicas básicas: fazer amizade com aquele carro; aprender a segurar uma chave e controlar os pensamentos que esse simples ato pode desencadear; sentar-se no banco do motorista; olhar o retrovisor; ter noção de espaço; aprender para que serve cada pedal; entender o que está fazendo no carro, entre outros passos.
"A autoescola joga você no trânsito para fazer um monte de coisa que você não sabe ao mesmo tempo. Durante muitos anos, dei aula sem comando duplo de pedal porque meu aluno vai entender primeiro o que é para fazer, fazer tudo em baixa velocidade e depois as manobras mais avançadas, que vão levá-lo aos poucos para o trânsito", conta Pontes.
Segundo ela, é preciso, antes de mais nada, desromantizar o ato de dirigir. "O carro é um amontoado de lata com tecnologia embarcada. Dirigir é um conjunto de habilidades motoras que precisam ser treinadas. Então o foco do treinamento é decompor habilidades e treinar habilidades motoras. Fazendo isso, a pessoa consegue conduzir o carro como conduz o próprio corpo."
Hessel acredita na mesma proposta que a instrutora: atrelar o ensinamento da prática a técnicas terapêuticas. "Não adianta ficar só dentro de sala conversando, mas também não adianta apenas colocar a pessoa para dirigir. É necessário fazer um acompanhamento terapêutico com psicólogo dentro do carro", diz.
Como perder o medo
A primeira coisa que a pessoa tem que fazer, segundo Pontes, é uma lista. Nela, devem contar algumas perguntas básicas, como: "Eu sei sair com o carro ou pará-lo sem ele morrer?", "Consigo fazer uma curva sem subir uma calçada?", "Esse medo é meu ou é do outro?", "É um medo irracional de algo que eu fantasio ou é um medo porque eu não sei controlar esse carro?".
De acordo com a instrutora, essas perguntas ajudam a compreender que não se pode absorver o medo dos outros, se é preciso treinar as habilidades motoras. "O ser humano leva um ano só para aprender a andar. Você tem coordenação motora, só não está devidamente treinado. Somos muito acostumados a fazer as coisas com a mão, e não com o pé. O passo a passo é começar com o acolhimento emocional, dominar o carro e saber que a evolução leva tempo", diz.
Entre as práticas que ela propõe em suas aulas, algumas bem curiosas e passíveis de serem feitas em casa constam nessas atividades:
- Trabalhar a suavidade da pisada em uma bexiga cheia, que irá representar o pedal do carro. Se ela estourar, então você acelerou demais. Lixeiras comuns de banheiro que têm pedal podem oferecer a mesma ajuda.
- Escaldar os pés, com água quentinha, pode ser um treino para ensinar o aluno a ir colocando os pés bem devagar --e isso irá ajudá-lo a controlar a força e a velocidade de seus reflexos.
- Pegar uma tampa de panela e usá-la como um volante fictício ajuda a pessoa a ter noção de conversão, não cruzar os braços na hora de uma curva, por exemplo.
- Treinar com o carro parado para decorar os pedais.
- Se você consegue sair com o carro em um local seguro, utilize uma caixa de papelão como obstáculo, aproximando-se e afastando-se dela, fazendo curvas ao redor da caixa para ganhar noção de espaço, por exemplo.
Quanto tempo para não ter mais medo?
Coutinho diz que, se o motorista já é habilitado e ainda assim não dirige, é por algum motivo que vai além da técnica. "Então a gente entra para entender qual é a dificuldade, o perfil, as situações que deixam ele mais ansioso no volante e trabalhamos isso em conjunto. Em alguns casos, cerca de 10% precisa vir para acompanhamento psicológico comigo em consultório, e aí sim a gente faz o tratamento junto", diz. Segundo ela, os motivos de quem vai para o atendimento em consultório nem sempre não estão relacionados ao ato de dirigir.
É difícil cravar um tempo específico de tratamento, diz ela, já que as dificuldades são múltiplas. "Tenho motoristas que são super-hábeis, mas desejam melhorar algum ponto específico. Ele não vai precisar comprar um pacote de oito aulas, que é o nosso pacote mínimo, porque é uma questão bem pontual. Agora outros que vêm com uma questão mais complexa, a média vai se distanciar muito, tem alunos que em 12 aulas ficaram perfeitamente hábeis, outros levam um ano".
Por que mulheres são mais afetadas
Vale dizer que as mulheres são o público mais afetado pelo medo: um levantamento da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) apontou que essa insegurança atinge pelo menos dois milhões de brasileiros e que 80% são mulheres.
"A gente percebe que existe um número maior de mulheres, mas a literatura não entra em consenso se é uma construção ao longo da vida, seja por brincadeiras a que são expostas, ou se existe uma barreira do próprio homem em admitir que tem medo de dirigir", comenta a psicóloga Coutinho.
Dirceu Rodrigues Alves, médico e diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), diz que o trauma pode ter um papel importante nesse medo, e o estresse, característica indissociável do trânsito de grandes metrópoles, pode desencadear um medo antes não existente.
"Há ainda o medo da sonolência, de perder a consciência em um desmaio eventual, de atropelar alguém, de bater o carro, de morrer ou matar, porque estamos diante de uma máquina que tem sim um potencial perigoso. Boca seca, sudorese nas mãos, transpiração excessiva, tensão muscular, um aumento na frequência cardíaca, dores de cabeça, agitação, formigamento e às vezes até vertigens, tremores para dirigir são alguns dos sinais que podem aparecer", diz ele.
Além disso, Aline Hessel também traz outro dado, fruto de sua pesquisa que se tornou capítulo do livro "Sobre comportamento e cognição": as pessoas que sentem medo costumam ter o perfeccionismo e a falta de modelos na família como semelhança. E, claro, muitos sintomas ansiosos.
"Não existe remédio pra isso. Em casos muito muito graves o acompanhamento psiquiátrico pode auxiliar, mas não existe um remédio que a pessoa vá tomar e vá resolver o problema. A primeira orientação, o tratamento ouro, é procurar um psicólogo especialista", diz.
Todos os entrevistados concordam em um ponto: o trânsito não é um laboratório ideal para tratar esse medo. Jogar-se nele sem experiência pode ser fatal, portanto, esqueça aquele velho conselho de que só se perde o medo indo dirigir. Respeite as etapas prévias propostas para que, enfim, a segurança e o conhecimento possam levá-lo a guiar por novos rumos.
Fontes: Márcia Pontes, segurança no trânsito pela Unisul, com especialização em planejamento e gestão de trânsito pela Unicesumar e especialista em direito no trânsito pela Escola Verbo Jurídico, em Porto Alegre (RS); Aline Hessel, psicóloga pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), com aprimoramento em terapia cognitivo-comportamental pela USP (Universidade de São Paulo) e mestrado com tese voltada para fobia de direção na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo); Tamara Coutinho, formada em psicologia e pós-graduada em psicologia do trânsito pela Unip, especialista em psicologia do trânsito da Psiquê Treinamentos; Dirceu Rodrigues Alves, médico pela Escola de Medicina e Cirurgia da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).
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