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Food shaming: julgar o prato alheio pode provocar transtornos alimentares

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Samantha Cerquetani

Colaboração para o VivaBem

07/07/2022 04h00

Se você já recebeu críticas pelo que estava comendo, pode ter sofrido food shaming sem saber. Apesar de ser um termo novo em inglês, trata-se de um tipo de "fiscalização" sobre o que o outro coloca no prato.

Não é difícil encontrar alguém que já tenha sido julgado pelas suas escolhas alimentares. Geralmente, essas críticas vêm de pessoas próximas, como amigos e familiares, o que impacta ainda mais na autoestima e saúde mental.

"Com o food shaming, criamos uma ideia dicotômica do alimento, classificando-o como 'bom' ou 'ruim'. Isso traz uma série de problemas na hora de comer, pois limitamos nossas escolhas. Em alguns casos, a pessoa fica obcecada com as calorias, esquecendo que o alimento é mais do que essa classificação", destaca Fernanda Carvalho Nunes, nutricionista da Rede de Hospitais São Camilo (SP).

Os comentários sobre a alimentação do outro costumam envolver a qualidade da comida, se há carboidratos, gorduras ou açúcar em excesso e também o tamanho das porções. Mas também julga-se de forma preconceituosa as escolhas alimentares de outras regiões.

"Esse julgamento pode envolver os pratos regionais. No Nordeste, por exemplo, é muito comum consumir sarapatel (miúdos), mocotó, carnes de bode e carneiro. E os julgadores criticam o cheiro forte, o aspecto e falam sentir nojo destes alimentos. Portanto, as pessoas ficam com vergonha e culpadas por comer algo que é da cultura da região", diz Cátia Maciel, nutricionista especializada em transtornos alimentares e nutrição comportamental, que atua na Bahia.

O risco do comer transtornado

Se o julgamento for frequente, a pessoa começa a se sentir inibida em comer em público. Frequentemente, o food shaming está associado a uma desconexão com o ato de comer e com as escolhas alimentares. Muitas vezes, alimentar-se deixa de ser prazeroso e se torna um momento de aflição, tristeza e desconforto.

É comum que as pessoas deixem de comer aquilo que gostam simplesmente para não entrar em contato com os sentimentos negativos que surgem com o julgamento alheio. Podem também ficar perdidas no meio de tantas informações desconexas sobre o que devem ou não comer. E essas atitudes trazem prejuízos nutricionais e também emocionais.

"Esse julgamento chega disfarçado de preocupação com a saúde e bem-estar da pessoa. Estranhos também julgam por meio de olhares e gestos. E o food shaming é reforçado pela cultura da dieta, que infelizmente é muito prevalente na sociedade hoje", diz Maciel.

O risco aumenta no caso de pessoas que têm predisposição para desenvolver transtornos alimentares, como anorexia ou compulsão alimentar. Esses indivíduos sentem com maior intensidade a cobrança e o julgamento em relação ao corpo e à alimentação.

"Um dos primeiros sinais de transtornos alimentares é o sentimento de culpa depois de comer. Nesses casos, quando a pessoa percebe que o julgamento alheio está afetando as suas escolhas alimentares, é fundamental procurar ajuda médica", opina Marcella Garcez, nutróloga e diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

As especialistas reforçam que o food shaming contribui com a baixa autoestima e geralmente aumenta a dificuldade em comer em situações sociais, o que leva ao isolamento. Também está associado a crises de estresse, ansiedade e, muitas vezes, à depressão.

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O food shaming é um termo novo em inglês que significa julgamento ou fiscalização sobre a dieta alheia
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Frases comuns de food shaming

Algumas vezes, o food shaming é bastante sutil, o que dificulta reconhecer esse comportamento. A seguir, veja algumas frases comuns que indicam um julgamento alheio das escolhas alimentares:

  • Você tem certeza que vai comer tudo isso?
  • Não acha que precisa diminuir essa porção de doce?
  • Como tem coragem de comer isso?
  • Você sabe quantas calorias têm esse prato?
  • Seu prato alimentaria uma família inteira.
  • Você sabe que o que está comendo não faz bem, certo?
  • Isso cheira mal. O que é isso?
  • Você ainda vai comer sobremesa?
  • Eu pensei que você estava fazendo dieta.
  • Você está comendo de novo?
  • Eu jamais comeria isso!

Lidando com o food shaming

Muitas vezes, posicionar-se é a melhor forma de combater esse comportamento abusivo. Vale destacar que não é apenas uma opinião, e sim uma fiscalização sobre os hábitos alimentares alheios. É considerado um tipo de bullying, que está relacionado diretamente à cultura da dieta.

Os especialistas destacam que é importante ser direto, principalmente se o julgador for alguém bastante próximo, explicando que não se sente bem quando ele faz comentários desagradáveis sobre a sua comida.

Também vale a pena dizer que a intenção pode até ter sido boa, mas a abordagem foi inadequada. Deixe sempre claro que essa atitude não contribui para melhorar sua relação com a comida e o deixa constrangido.

"Seja verdadeiro com as pessoas que apontam para o seu prato para dar sugestões do que você deve comer. O que a pessoa coloca no prato definitivamente é um problema apenas dela", diz Maciel.

Como comer sem culpa?

Ninguém deve sentir medo, culpa ou vergonha de comer. É importante lembrar que os alimentos vão além de uma classificação —eles são um tipo de combustível para o corpo.

"A alimentação está atrelada a nossa cultura, vontades, individualidades, lembranças e família. A grande questão é ressignificar e desconstruir a ideia fixa que criamos dos alimentos como bons e ruins", diz Nunes.

Para ter uma relação mais saudável com a comida, é importante entender o próprio corpo e as emoções. A seguir, veja algumas dicas que ajudam a comer sem culpa:

  • Se seu intuito é emagrecer, saiba que isso leva tempo e precisa de mudanças na rotina: tanto na alimentação quanto a prática de exercícios físicos.
  • Não critique a alimentação do outro ou imponha restrições severas ao seu prato e suas escolhas. Isso, além de ser desagradável, contribui com o surgimento de diversos transtornos alimentares.
  • Evite comer vendo TV ou no celular. Essa distração não permite que a pessoa saboreie a comida, atrapalha a saciedade, levando-o a comer mais do que precisa. É importante sentir o sabor dos alimentos, comer lentamente e perceber que o corpo está sendo nutrido.
  • Outra dica é reconhecer quando está se alimentando apenas para aliviar os problemas emocionais. O estresse e a ansiedade fazem com que a comida seja usada como recompensa, o que é prejudicial para a saúde.
  • O ato de comer deve ser prazeroso e uma experiência agradável. O ideal é não se privar do que gosta, mas manter o equilíbrio nas escolhas alimentares. Nenhum alimento é proibido ou vilão da alimentação saudável. Permita-se saborear um doce de vez em quando!