Food shaming: julgar o prato alheio pode provocar transtornos alimentares
Se você já recebeu críticas pelo que estava comendo, pode ter sofrido food shaming sem saber. Apesar de ser um termo novo em inglês, trata-se de um tipo de "fiscalização" sobre o que o outro coloca no prato.
Não é difícil encontrar alguém que já tenha sido julgado pelas suas escolhas alimentares. Geralmente, essas críticas vêm de pessoas próximas, como amigos e familiares, o que impacta ainda mais na autoestima e saúde mental.
"Com o food shaming, criamos uma ideia dicotômica do alimento, classificando-o como 'bom' ou 'ruim'. Isso traz uma série de problemas na hora de comer, pois limitamos nossas escolhas. Em alguns casos, a pessoa fica obcecada com as calorias, esquecendo que o alimento é mais do que essa classificação", destaca Fernanda Carvalho Nunes, nutricionista da Rede de Hospitais São Camilo (SP).
Os comentários sobre a alimentação do outro costumam envolver a qualidade da comida, se há carboidratos, gorduras ou açúcar em excesso e também o tamanho das porções. Mas também julga-se de forma preconceituosa as escolhas alimentares de outras regiões.
"Esse julgamento pode envolver os pratos regionais. No Nordeste, por exemplo, é muito comum consumir sarapatel (miúdos), mocotó, carnes de bode e carneiro. E os julgadores criticam o cheiro forte, o aspecto e falam sentir nojo destes alimentos. Portanto, as pessoas ficam com vergonha e culpadas por comer algo que é da cultura da região", diz Cátia Maciel, nutricionista especializada em transtornos alimentares e nutrição comportamental, que atua na Bahia.
O risco do comer transtornado
Se o julgamento for frequente, a pessoa começa a se sentir inibida em comer em público. Frequentemente, o food shaming está associado a uma desconexão com o ato de comer e com as escolhas alimentares. Muitas vezes, alimentar-se deixa de ser prazeroso e se torna um momento de aflição, tristeza e desconforto.
É comum que as pessoas deixem de comer aquilo que gostam simplesmente para não entrar em contato com os sentimentos negativos que surgem com o julgamento alheio. Podem também ficar perdidas no meio de tantas informações desconexas sobre o que devem ou não comer. E essas atitudes trazem prejuízos nutricionais e também emocionais.
"Esse julgamento chega disfarçado de preocupação com a saúde e bem-estar da pessoa. Estranhos também julgam por meio de olhares e gestos. E o food shaming é reforçado pela cultura da dieta, que infelizmente é muito prevalente na sociedade hoje", diz Maciel.
O risco aumenta no caso de pessoas que têm predisposição para desenvolver transtornos alimentares, como anorexia ou compulsão alimentar. Esses indivíduos sentem com maior intensidade a cobrança e o julgamento em relação ao corpo e à alimentação.
"Um dos primeiros sinais de transtornos alimentares é o sentimento de culpa depois de comer. Nesses casos, quando a pessoa percebe que o julgamento alheio está afetando as suas escolhas alimentares, é fundamental procurar ajuda médica", opina Marcella Garcez, nutróloga e diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).
As especialistas reforçam que o food shaming contribui com a baixa autoestima e geralmente aumenta a dificuldade em comer em situações sociais, o que leva ao isolamento. Também está associado a crises de estresse, ansiedade e, muitas vezes, à depressão.
Frases comuns de food shaming
Algumas vezes, o food shaming é bastante sutil, o que dificulta reconhecer esse comportamento. A seguir, veja algumas frases comuns que indicam um julgamento alheio das escolhas alimentares:
- Você tem certeza que vai comer tudo isso?
- Não acha que precisa diminuir essa porção de doce?
- Como tem coragem de comer isso?
- Você sabe quantas calorias têm esse prato?
- Seu prato alimentaria uma família inteira.
- Você sabe que o que está comendo não faz bem, certo?
- Isso cheira mal. O que é isso?
- Você ainda vai comer sobremesa?
- Eu pensei que você estava fazendo dieta.
- Você está comendo de novo?
- Eu jamais comeria isso!
Lidando com o food shaming
Muitas vezes, posicionar-se é a melhor forma de combater esse comportamento abusivo. Vale destacar que não é apenas uma opinião, e sim uma fiscalização sobre os hábitos alimentares alheios. É considerado um tipo de bullying, que está relacionado diretamente à cultura da dieta.
Os especialistas destacam que é importante ser direto, principalmente se o julgador for alguém bastante próximo, explicando que não se sente bem quando ele faz comentários desagradáveis sobre a sua comida.
Também vale a pena dizer que a intenção pode até ter sido boa, mas a abordagem foi inadequada. Deixe sempre claro que essa atitude não contribui para melhorar sua relação com a comida e o deixa constrangido.
"Seja verdadeiro com as pessoas que apontam para o seu prato para dar sugestões do que você deve comer. O que a pessoa coloca no prato definitivamente é um problema apenas dela", diz Maciel.
Como comer sem culpa?
Ninguém deve sentir medo, culpa ou vergonha de comer. É importante lembrar que os alimentos vão além de uma classificação —eles são um tipo de combustível para o corpo.
"A alimentação está atrelada a nossa cultura, vontades, individualidades, lembranças e família. A grande questão é ressignificar e desconstruir a ideia fixa que criamos dos alimentos como bons e ruins", diz Nunes.
Para ter uma relação mais saudável com a comida, é importante entender o próprio corpo e as emoções. A seguir, veja algumas dicas que ajudam a comer sem culpa:
- Se seu intuito é emagrecer, saiba que isso leva tempo e precisa de mudanças na rotina: tanto na alimentação quanto a prática de exercícios físicos.
- Não critique a alimentação do outro ou imponha restrições severas ao seu prato e suas escolhas. Isso, além de ser desagradável, contribui com o surgimento de diversos transtornos alimentares.
- Evite comer vendo TV ou no celular. Essa distração não permite que a pessoa saboreie a comida, atrapalha a saciedade, levando-o a comer mais do que precisa. É importante sentir o sabor dos alimentos, comer lentamente e perceber que o corpo está sendo nutrido.
- Outra dica é reconhecer quando está se alimentando apenas para aliviar os problemas emocionais. O estresse e a ansiedade fazem com que a comida seja usada como recompensa, o que é prejudicial para a saúde.
- O ato de comer deve ser prazeroso e uma experiência agradável. O ideal é não se privar do que gosta, mas manter o equilíbrio nas escolhas alimentares. Nenhum alimento é proibido ou vilão da alimentação saudável. Permita-se saborear um doce de vez em quando!
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