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'Procuro não pensar no futuro', diz mulher que descobriu Parkinson aos 31

Juliana recebeu o diagnóstico de Parkinson aos 31 anos após notar tremor na mão esquerda - Arquivo pessoal
Juliana recebeu o diagnóstico de Parkinson aos 31 anos após notar tremor na mão esquerda Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

06/07/2022 04h00

Poucos meses após dar à luz, a administradora de empresas Juliana Gomes, então com 31 anos, pensou que o tremor na mão esquerda era do esforço em segurar a bebê. Já o executivo Guto Pedreira, na época com 46, reparou na rigidez da mão direita ao ter dificuldade para assinar cheques no trabalho, mas só pensou que algo estava errado meses depois, quando fazia um curso de culinária e não conseguiu bater clara em neve.

Guto, hoje com 54 anos, e Juliana, que tem 37, foram diagnosticados com Parkinson precoce, quando a doença neurodegenerativa e sem cura afeta pessoas abaixo dos 60 anos. Ao VivaBem, eles contaram os sentimentos ao receberem o diagnóstico e como convivem com a condição:

'Se eu ficar chateada todos os dias, o que vai ser da minha vida?'

"Eu notei um tremor na mão esquerda e, como tinha recém ganhado bebê, supus ser por ficar com ela no colo. Por isso demorei para ir ao médico.

Quando fui, o primeiro neurologista me receitou um remédio para Parkinson, mas não falou explicitamente que eu tinha a doença. Só que eu já imaginei, então comecei a buscar mais especialistas.

Eu não tive o baque forte, estava meio anestesiada, não tive desespero. Até porque fui descobrindo aos poucos. Depois de consultar alguns neurologistas, quis ir em um mais conceituado, para ter mais certeza, e esse me confirmou com todas as palavras.

Convivo há seis anos com a doença e eu procuro não pensar no futuro, porque isso me deixa chateada, por ser uma condição progressiva. Tento levar o mais tranquilo possível, porque quanto mais nervosa estou, parece que a doença piora.

Tento me acalmar para ter uma qualidade de vida melhor. Mas claro que existem dias ruins, em que choro muito de revolta e penso por que comigo, por que tive uma doença dessas com 31 anos?

Juliana Gomes Cardoso Sary - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juliana criou o perfil 'Diário de uma Parkinsoniana', onde compartilha o dia a dia com a condição
Imagem: Arquivo pessoal

Já passei o dia todo na cama, teorizando o que pode acontecer mais para frente. Mas, na maioria das vezes, não penso na piora.

No ano passado, criei um perfil em que mostro os meus perrengues de forma engraçada, para levar na esportiva e ficar mais leve, porque é uma doença muito difícil. Se eu ficar chateada todos os dias, o que vai ser da minha vida?

Lá, compartilho minhas histórias e as pessoas contam não só as dores, mas as alegrias, e vamos conversando sobre o Parkinson, as dificuldades, informações. Isso é ter alguém que te entende. As pessoas de fora podem até ter empatia, dar atenção, mas quem tem o Parkinson entende melhor.

Muita gente tem vergonha, eu não. Não deixei de sair. Tenho dificuldades no dia a dia, mas não deixo de fazer nada. Se as pessoas me olham, digo que tenho Parkinson.

Às vezes me perguntam se eu estou bem e respondo que sou assim, explico o que é, porque isso é informação."

'Ia deixar a doença me consumir ou virava o jogo'

Guto Pedreira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Guto Pedreira, 54, idealizou um documentário sobre a doença
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu amo cozinhar e estava em Paris fazendo um curso quando não consegui bater claras em neve. Na mão esquerda dava, mas na direita, não. Eu achei estranho, porque também não conseguia assinar cheques no trabalho, mas não tinha tremor.

Quando eu voltei ao Brasil, fui ao neurologista pensando que ia ouvir ter problema de estresse. Ele fez um exame clínico e em 20 minutos falou que eu tinha Parkinson. Pensei que o médico estava louco, eu não era idoso e não tremia, o que eu achava ser o básico da doença.

Meu mundo acabou, eu saí do consultório e pensei: 'Vou fazer o meu testamento'.

Normalmente, a vergonha é a primeira a aparecer, porque a doença expõe questões físicas. Demorei cinco anos para contar, só a minha ex-esposa sabia. Mas as pessoas começam a reparar e eu tinha desculpa para tudo: se eu mancava, era problema na coluna; se não conseguia assinar algo, era problema no pulso.

Você vai construindo um personagem para se defender. Teve uma hora que eu falei que não tinha jeito, porque costumo dizer que as pessoas têm três escolhas: a primeira é desistir; depois, querer viver, porque a vida vale a pena; e a terceira, não só querer viver, mas transformar o legado em algo para mudar a vida das pessoas.

Era muito sufocante, ia deixar a doença me consumir ou virava o jogo. E percebi que meu propósito podia ser a minha doença. Eu comecei a me divulgar, mas como forma de expor uma condição que é muito pouco conhecida e tem muito preconceito.

Tem momentos mais difíceis? Sim. Eu tive fases de fundo de poço, comecei a beber, torcendo para a minha vida acabar logo. Não ia me matar, mas pensava que no futuro não queria conviver com o que teria. Mas quando você aceita, se abre para o mundo.

Só que para muita gente você vira um produto de qualidade vencida. Antes de revelar o Parkinson, eu era um executivo, mas, no dia seguinte, não era ninguém. Eu passava em processo de trabalho e quando falava da doença, a pessoa vinha com alguma desculpa e não contratava. Diziam que o futuro era incerto, mas o de todo mundo é. Você não vai morrer de Parkinson, você vai morrer com Parkinson.

Guto começou a pintar - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Guto começou a pintar
Imagem: Arquivo pessoal

Decidi que precisava estimular meu cérebro, faço coisas que nunca fiz. Escrevi livro, comecei a pintar. Um dia acordei e disse que queria fazer um documentário só com pessoas com Parkinson precoce. Lançamos o 'Hoje Não, a Vida Tem que Seguir' há dois meses.

Tenho os meus momentos ruins, minha namorada fala que tem dias que estou insuportável, mas quem não está? Todo mundo tem dias ruins, não é só por causa do Parkinson, no meu caso.

Vivo uma vida normalíssima, não tem nada que me impeça do ponto de vista social, de relacionamento. Fico sozinho com as minhas filhas, cozinho pratos que elas adoram.

Eu não estou aqui falando 'que bacana ter Parkinson', daria tudo para não ter, minha vida é difícil, é mais complicada, dolorida, tem dias que não consigo fazer o que quero, mas vou tentando achar formas não de viver, mas de conviver com ela. E eu tenho conseguido."

Aceitação costuma ser o primeiro passo

A doença de Parkinson é mais comum a partir dos 60 anos, porém 10% dos diagnósticos podem ser da forma precoce (também chamada de juvenil), diz a neuropsicóloga Emmanuelle Sobreira, pesquisadora do HUWC (Hospital Universitário Walter Cantídio), vinculado à UFC (Universidade Federal do Ceará).

Em primeiro lugar, a negação acontece com frequência. Depois, há um caminho semelhante ao das fases de um luto, porque descobrir a condição significa se defrontar com uma nova realidade e se adaptar a ela. "A pessoa tem reorganização de vida, das atividades. E algumas têm vergonha, dependendo dos sintomas, então podem passar a não sair, se isolar e ocultar o diagnóstico", diz Sobreira.

Cérebro, neurônios, Parkinson - iStock - iStock
Progressão do Parkinson precoce tende a ser menos intensa, diz neuropsicóloga
Imagem: iStock

Conviver com a incerteza sobre a progressão da doença e os avanços dos sintomas também prejudica a saúde mental. Por isso, é natural que profissionais de saúde lembrem a necessidade de viver o hoje e seguir o tratamento à risca. Segundo a neuropsicóloga, o curso do Parkinson juvenil tende a ser mais lento, preservando melhor a cognição e tendo maior expectativa de vida em comparação a quem recebeu o diagnóstico após os 60 anos.

"Trabalhamos a aceitação e o que é possível reajustar para a condição interferir o mínimo possível na qualidade de vida. A pessoa tem que se apropriar da situação e lidar de forma saudável, viver bem, apesar do Parkinson. Tudo para o paciente não deixar a doença tomar conta dele, apesar de ser uma condição neurodegenerativa", diz Sobreira.

Entender sobre a doença ajuda

Quadros emocionais mais sensíveis, sobretudo depressivos, podem precisar de tratamento com remédios. No entanto, a psicoeducação (explicação dos profissionais de saúde sobre a doença) e terapia apresentam influência positiva para modular as emoções em casos leves a moderados. Em outras palavras, o conhecimento sobre si e a doença fortalecem a convivência com ela.

Terapía em grupo, conversa - iStock - iStock
Conversar com pessoas que tenham a condição ajuda
Imagem: iStock

"Não adianta só o médico dar remédio, você tem que dar apoio ao paciente e tratar a família com orientação sobre a doença", diz Wanderley Cerqueira de Lima, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e diretor do WCL Neurocirurgia. "Há o impacto psicológico e surgem dilemas: será que vou perder emprego? Ficarei dependente? Morrerei cedo? Isso gera componentes de depressão e ansiedade, algo de foro intimo."

Nesse sentido, os grupos de apoio com pessoas que têm a condição também são importantes para melhorar a relação dos pacientes com a doença e ajudar no compartilhamento dos anseios.