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'Sotaque' ou dificuldade em falar? Entenda as diferenças e quando intervir

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Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

22/03/2022 04h00Atualizada em 23/03/2022 12h23

Existem cerca de 7.000 idiomas no mundo. Em se tratando da língua portuguesa, ela é oficial em nove países e falada neles de diferentes maneiras. No Brasil, de norte a sul, são dezenas delas. Caipira, paulista, carioca, mineiro, baiano... esses são alguns dos "sotaques" por aqui, que, dentro de um único estado, de uma mesma cidade, de bairro para bairro, podem variar e muito. Tem a ver com a enorme mistura e a influência de diferentes povos e classes sociais.

Em São Paulo, o português pode ser cantado (exemplo, "maaano" do céu), desconsiderar os plurais (dois "abacate" por dez "real"), suprimir o "lh" das palavras ("fio", compra ali "aio" no "véio").

Já o caipira, falado no interior paulista e ainda em partes de Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Minas Gerais se caracteriza pelo "R" retroflexo (como em "porta", "carta", "andar"). Os mineiros ainda abreviam palavras (café "bonzin", bem "quentin" e "cheirosin").

No Rio de Janeiro, a letra "S" é chiada, lembra um "X" (como, a praia "extá" "goxtosa") e as vogais abertas. Ainda sobre o "S", os baianos, por sua vez, o falam de maneira assobiada e as palavras mais arrastadas.

Como os mineiros, podem "cortar" palavras e, com isso, até criar outras, com novos significados. "Oxe", que é uma abreviação de "oxente", que também é uma abreviação de "ô gente", mudou de sentido e hoje é usada para casos de estranheza ou espanto.

Dificuldade em falar é diferente

Mulher jovem com megafone, voz, laringe, presbifonia - iStock - iStock
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Se variações na pronúncia, devido a traços de regionalismo, são consideradas absolutamente normais, dificuldades em falar não são e ocorrem por motivos variados. Na lista: alterações neurobiológicas (gagueira), auditivas (surdez) e nasais (obstrução crônica).

Ou estruturais, que podem ser em lábios, dentes, língua e céu da boca (palato). Palavras com "S" ou "F" podem soar de forma diferente quando se tem espaços entre os dentes da frente (incisivos), por exemplo.

"A alteração mais comum na língua é chamada de anquiloglossia (língua presa), algo também bastante sério. Tanto que, no Brasil, é obrigatório que crianças façam o 'teste da linguinha' na maternidade, logo nos primeiros dias de vida", explica Henrique Moura, coordenador do departamento de fonoaudiologia da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. "Tudo isso pode modificar a correta função fonoarticulatória, como até mesmo trazer alterações na fala", acrescenta.

Em se tratando ainda de língua presa, sabe-se que essa condição é de natureza hereditária e tem maior incidência entre os homens. Não há muita clareza sobre os fatores envolvidos, mas, de acordo com Moura, há algumas evidências científicas de que ela possa estar ligada a mutações genéticas.

A anquiloglossia prejudica a fala, mas também o desempenho da língua em várias outras situações, como sucção, mastigação, deglutição, sono e atividades sexuais.

Sinais para se ficar atento

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Quando se fala com dificuldade, alguns sinais são perceptíveis. A pessoa pode ter a pronúncia truncada, muito lentificada, acelerada, anasalada, fanha; sentir-se ansiosa, tensa, ofegante; embolar as palavras; produzir uma quantidade excessiva de saliva, que é cuspida enquanto conversa; evitar determinados tipos de sons; usar pausas excessivas para concluir o que quer dizer; repetir ou prolongar sons e sílabas; simplificar diálogos; e não conseguir vibrar a língua.

"Algumas palavras para serem pronunciadas de forma correta também exigem que a língua toque o palato. Quando ela está 'presa' por um 'freio' lingual (frênulo) muito curto na parte de baixo, isso não é possível", informa Guilherme Lopes, cirurgião-dentista pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e especialista em ortodontia da Clínica Ita, em Salvador, continuando que essa limitação de mobilidade já é observável quando o bebê mama.

Na fala, as complicações ocasionadas pela anquiloglossia são mais perceptíveis a partir do terceiro ano de vida. Os principais sons alterados durante a pronúncia são do "L", "R", "N" e "Z". Assim, palavras com essas consoantes serão mais difíceis de serem pronunciadas.

Além disso, geralmente, o sujeito tem dificuldades em realizar alguns exercícios, como, de boca aberta, tocar os dentes de cima com a língua e movê-la dos dois lados e esticá-la para fora.

Tratar ou trabalhar a fala?

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Quanto antes identificadas as alterações, melhores as possibilidades de tratamento e os resultados. Do contrário, os problemas na fala podem se tornar crônicos e outros, igualmente complexos, aparecerem, como dentários, de mastigação e até emocionais.

"No que compete à língua presa, o diagnóstico é obtido durante o exame clínico e o tratamento é cirúrgico, de remoção do freio", informa Cícero Matsuyama, otorrinolaringologista do Hospital Cema, em São Paulo.

São casos que, a depender das estruturas atingidas e de vários fatores interligados, exigem uma interface entre especialistas, como fonoaudiólogos, pediatras, neurologistas, psicólogos, dentistas, psiquiatras, otorrinolaringologistas, e cirurgiões de cabeça e pescoço.

Agora, quanto aos "sotaques", embora não representem alterações na fala, podem ser "trabalhados" com exercícios. "Em algumas línguas faltam os fonemas 'V' e 'P', por exemplo", cita Matsuyama.

Moura conclui dizendo que as procuras por isso são muito pontuais e costumam ter a ver com questões profissionais.

"Já recebi em consultório comunicadores que buscavam suavizar o sotaque [e obter um tom neutro] e atores, querendo desenvolver diferentes sotaques para seus personagens, ou retirar seus próprios sotaques para interpretar determinados papéis. É um trabalho possível, minucioso e que pode resultar em uma completa modificação do falar."