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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Edema de glote é reação alérgica grave que afeta a respiração e pode matar

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Cecilia Felippe Nery

Colaboração para VivaBem

08/03/2022 04h00

O sistema imunológico está sempre em alerta para combater eventuais distúrbios que possam afetar a nossa saúde, como quando substâncias alérgenas entram no organismo. Dentre essas ocorrências, o edema de glote é uma complicação que ocorre durante uma reação alérgica grave, com inchaço na garganta, provocando a obstrução do fluxo de ar para os pulmões e impedindo a respiração.

As anafilaxias são reações alérgicas intensas que podem acometer vários órgãos, inclusive pele e mucosa, ocasionando o inchaço da região.

"As anafilaxias, geralmente, ocorrem em decorrência da ingestão de alguns alimentos e medicamentos ou ferroadas de insetos, como abelhas, vespas e formigas", afirma Alexandra Sayuri Watanabe, coordenadora do Departamento Científico de Anafilaxia da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).

A glote é o órgão que fica na parte baixa do pescoço e constitui-se de uma estrutura triangular que faz parte da laringe (garganta), localizada entre as duas pregas vocais. Trata-se de uma região estreita, por onde o ar passa para os brônquios e pulmões e onde estão situadas as cordas vocais.

"É um órgão importante porque, dependendo da abertura e do fechamento das pregas vocais, o ar passa e serão produzidos os sons e a fala", explica Watanabe.

Vale destacar que a parte mais estreita da região da glote é aquela entre as duas cordas vocais. "Quando há inchaço (edema) dessa região, ocorre uma redução no calibre da passagem de ar causando a sensação de falta de ar, tosse irritativa e rouquidão", ressalta Claudia Alessandra Eckley, otorrinolaringologista.

Sintomas e diagnóstico

dor abdominal - iStock - iStock
Edema de glote pode causar também dor abdominal
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Os sintomas do edema de glote surgem minutos ou poucas horas após o contato com a substânciaà qual a pessoa é alérgica (alérgeno), provocando sensação de coceira, inchaço ou sensação de bolo na garganta, dificuldade para respirar, rouquidão repentina ou chiado na respiração, vômitos e forte dor abdominal, acompanhados de placas vermelhas pelo corpo que provocam coceira intensa chamadas de urticas.

"Estes sintomas podem evoluir para sufocamento e morte em algumas horas se não reconhecidos e tratados imediatamente", adverte Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca Melo, doutora em ciências e professora.

Inicialmente, o inchaço causado pelo processo inflamatório da região das cordas vocais e das demais estruturas da laringe pode causar a sensação de coceira, tosse seca e finalmente falta de ar com ruído para inspirar (estridor).

O diagnóstico é feito mediante a história de contato com o alérgeno, mais frequentemente medicamentos e alimentos, ou outro fator desencadeante, como exercícios e picadas de insetos venenosos.

"As características da voz e do estridor respiratório são fortes indícios da presença do edema de glote. A visualização direta da região da laringe pode ser feita com fibras ópticas, mas nem sempre estão disponíveis no atendimento inicial de emergência", pondera Eckley.

Pode afetar qualquer um

De acordo com Melo, estima-se que um em cada 200 atendimentos nos serviços de emergência sejam para tratamento de reações alérgicas graves. "A anafilaxia com edema de glote pode afetar pessoas de qualquer faixa etária, pois existem mecanismos imunológicos e não imunológicos que podem desencadear esta reação, portanto, trata-se de um evento imprevisível", afirma.

Por outro lado, existem alguns fatores de risco para uma reação grave, como ter apresentado uma anafilaxia anteriormente, ser portador de asma não controlada ou de doenças cardiovasculares, gestantes, idosos e crianças.

"Contudo, independentemente da idade, pessoas com histórico de alergias alimentares e medicamentosas são mais suscetíveis", acrescenta a professora.

Renato Simão, médico coordenador do pronto-atendimento do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP), reforça que, a princípio, há manifestações anteriores menos graves que antecedem o quadro alérgico mais grave, entre eles, familiares, no caso os pais, com antecedentes alérgicos, passado de asma ou rinite.

"No entanto, como o quadro depende diretamente do contato com o alérgeno, qualquer pessoa pode desencadear uma reação alérgica grave", explica o médico.

Crise é emergência médica

Ambulância do SAMU, São Paulo - Divulgação/Prefeitura de São Paulo -SP - Divulgação/Prefeitura de São Paulo -SP
Reação alérgica grave é uma emergência médica
Imagem: Divulgação/Prefeitura de São Paulo -SP

Diante de sintomas de edema de glote deve-se procurar imediatamente um pronto-atendimento, uma vez que na crise a interação alérgeno-anticorpo leva à liberação de histamina.

"Este hormônio produz a vasodilatação, causando extravasamento de plasma e proteínas dos capilares para os espaços intersticiais (para fora dos vasos). O grande aumento da permeabilidade produz o edema de glote", esclarece Simão.

No caso de a crise ser por anafilaxia, a administração de adrenalina o quanto antes contribui para que o quadro não evolua para edema de glote. "Se a reação evoluir, é necessário fazer, no pronto-atendimento, uma abertura no pescoço para que a pessoa possa respirar, ou seja, traqueostomia", recomenda Watanabe.

Condições não alérgicas, como alterações da temperatura, exercícios, meios de contraste radiológicos ou mesmo por uma predisposição genética, embora menos frequentes, também podem provocar a anafilaxia. Existem ainda algumas condições raras que podem provocar a anafilaxia, como alergia ao sêmen ou até mesmo situações em que não se consegue identificar uma causa.

"Seja como for, a pessoa deve ser levada imediatamente a um serviço de urgência ou pode-se chamar o serviço de transporte de emergência (Samu 192) para receber o tratamento apropriado", orienta Melo.

"Pessoas com histórico de respostas alérgicas intensas ou que já tiveram edema de glote podem carregar medicação prescrita por seu médico para o tratamento da crise tão logo se instale. As medicações consistem em canetas para injeção subcutânea de adrenalina e corticoide oral", complementa Eckley.

Tratamento

As crises de edema de glote incluem, no tratamento, a avaliação e a monitorização dos sinais vitais, o uso imediato de adrenalina na dose correta para a faixa etária, fornecimento de oxigênio inalado e de líquido intravenoso quando indicados, além de outros procedimentos em ambiente hospitalar, podendo haver necessidade de intubação nos casos mais graves.

"Todo paciente deve permanecer em observação hospitalar após a resolução dos sintomas", aconselha Melo.

Para as pessoas que tiveram um episódio de anafilaxia, recomenda-se uma avaliação detalhada em consulta com o especialista em alergia para identificar corretamente a causa do edema de glote e, se necessário, o alergologista vai prescrever o dispositivo autoinjetável de adrenalina.

"Este pode ser aplicado fora do ambiente hospitalar pelo próprio paciente, por um acompanhante ou pelo responsável, no caso de crianças, se uma nova anafilaxia, com ou sem edema de glote, ocorrer", completa a professora.

De acordo com Simão, o efeito da adrenalina reverte a vasodilatação periférica, diminui o edema da mucosa, a obstrução das vias aéreas superiores, bem como a hipotensão, além de reduzir os sintomas de urticária/angioedema.

Injeção de adrenalina - iStock - iStock
Muitas vezes, uma injeção de adrenalina é necessária durante a crise
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No caso de o paciente ter alergia conhecida a alguma substância e necessite entrar em contato com ela (por exemplo, alergia a iodo sendo necessário fazer um exame de imagem com contraste iodado), pode ser administrada uma dose de corticoide endovenoso antes de aplicar a medicação.

"Mas, de forma geral, a melhor prevenção é evitar o contato com alérgenos conhecidos e que já causaram reação alérgica forte no passado, pois as reações a um novo contato com um alérgeno que o corpo já reconheceu, podem ser mais intensas e rápidas do que a reação original ao primeiro contato. Isto se dá pela memória imunológica do organismo", adverte a otorrinolaringolista.

Uma porcentagem pequena de pacientes pode não responder ao tratamento clínico o que obrigará o intensivista a realização de abordagem cirúrgica de vias aéreas na própria sala de emergência, procedimento esse conhecido como cricotireoidostomia.

A Organização Mundial de Alergia publicou, em 2020, a atualização do guia para diagnóstico e tratamento da anafilaxia, sendo que em todo o mundo existem estudos sobre o assunto. No Brasil, a Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia) mantém um site que trata especificamente sobre esse assunto com artigos para o público leigo e médicos.

"É muito importante que o conhecimento de como identificar uma anafilaxia, com ou sem edema de glote, seja amplamente divulgado para toda a população, permitindo que o atendimento médico em tempo hábil e correto esteja disponível para evitar a morte", ressalta Melo.

O edema de glote felizmente é um evento raro e nem todas as anafilaxias evoluirão para essa reação gravíssima. "O importante é ser avaliado o quanto antes possível", conclui Watanabe.

Fontes: Alexandra Sayuri Watanabe, coordenadora do Departamento Científico de Anafilaxia da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia); Ana Caroline Cavalcanti Dela Bianca Melo, professora associada do Centro de Ciências Médicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e presidente da Regional Pernambuco da Asbai; Renato Simão, médico coordenador do pronto-atendimento do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP); e Claudia Alessandra Eckley, otorrinolaringologista responsável pelo setor de laringologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.