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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Covid causa síndrome rara que faz mulher parar de respirar ao dormir em AL

Carlos Madeiro

Colaboração para VivaBem, em Maceió

13/01/2022 04h00

O último dia 30 de dezembro marcou um momento especial na vida de Dijane Silva, 34, moradora de Taquarana (no agreste de Alagoas, a 118 km de Maceió). Depois de um ano e meio internada por sequelas da covid-19, ela voltou para (uma nova) casa.

Após a covid-19, Dijane desenvolveu um distúrbio raro: a síndrome de ondine, um problema neurológico que a faz parar de respirar enquanto dorme. Por isso, ela hoje faz uso de um respirador para dormir e é acompanhada por uma equipe de saúde.

Para poder voltar para casa, Dijane buscou a Defensoria Pública do Estado, que entrou com ação para que a Justiça determinasse que o SUS (Sistema Único de Saúde) bancasse um home care para ela. A decisão foi favorável no fim do ano, e ela pôde, finalmente, voltar a viver com a sua mãe.

Vida mudou

Com a síndrome, a vida de Dijane mudou —a começar pelo local onde mora. "Tive que sair do sítio onde morava e vir para a cidade para ter assistência", conta a VivaBem.

Hoje, para dormir, ela usa um aparelho chamado bipap (que funciona com um compressor que infla os pulmões). "E são dois litros de oxigênio por noite e um respirador mecânico. Não posso dormir sem eles", diz.

Além dos aparelhos, Dijane conta com o auxílio de técnicas de enfermagem que a acompanham 24 horas, além da visita de equipe multidisciplinar composta por médico, fisioterapeuta, nutricionista e enfermeiro.

O que mais acho que a síndrome me atrapalha é que não posso sair, como fazia antes. Gostava de ir, aos fins de semana, para a casa da minha tia, que mora aqui na cidade. Agora não posso fazer isso porque tem os aparelhos e os cilindros de oxigênio. Posso até passar o dia, mas à noite tenho que estar em casa. Dijane Silva

Três hospitais, um ano e meio internada

Dijane caminhando com apoio de um andador, ainda no hospital Chama - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dijane caminhando com apoio de um andador, ainda no hospital Chama
Imagem: Arquivo pessoal

A saga de Dijane com a covid-19 é longa. Ela teve a doença e foi internada no dia 7 de agosto de 2020 no Hospital de Emergência, em Arapiraca, com falta de ar.

"Lá passei 20 dias internada e fui tratada da covid. Tive alta [dia 27], mas um dia depois voltei novamente com o quadro de dispneia", conta.

A partir dali, ela percebeu que precisaria de auxílio para respirar —o que nunca tinha sido necessário em sua vida.

Naquele momento, ela conta que passou por uma fase em que se culpava por ter adoecido. "Me perguntava: 'onde foi que errei? Isso veio porque não passei o álcool nas mãos ou porque fiquei em lugar aglomerada?' Eu me cobrava muito. Mas depois fiquei pensando que não era diferente das outras pessoas que estavam ali", diz.

Sem solução, do Hospital de Emergência vieram duas transferências. No dia 6 de outubro de 2020, ela foi levada para o Hospital Chama, também em Arapiraca, onde ficou até o dia 13 de maio de 2021.

Ainda sem diagnóstico, naquela data foi transferida para o HU (Hospital Universitário), ligado à UFAL (Universidade Federal de Alagoas), em Maceió. "Só no HU, foram 7 meses e 10 dias", conta.

Sei que sofri muito, não desejo o que passei para ninguém. Mas nunca perdi a fé, só agradecia todos os dias, sempre estava sorrindo, me arrumava, fazia as unhas. Agora, graças a Deus, a pior fase acabou. Tento não pensar no passado. Só quero saber daqui pra frente. O que queria mesmo era encontrar um tratamento pra isso. Dijane Silva

Equipe que acompanhou Dijane no Hospital de Emergência, em Arapiraca - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Equipe que acompanhou Dijane no Hospital de Emergência, em Arapiraca
Imagem: Arquivo pessoal

Diagnóstico chega

Acompanhada por médicos na UTI (unidade de terapia intensiva) no HU, ela conta que um diagnóstico do problema que a acometia foi percebido.

Foi o neurologista e pesquisador Fernando Gameleira que chegou à conclusão que o distúrbio respiratório de Dijane seria a síndrome de ondine.

"Nosso cérebro tem uma parte que detecta quando o gás carbônico vai se acumulando e automaticamente desencadeia o movimento respiratório. No caso da síndrome, ela tem uma alteração nesses sensores que reconhecem esse aumento do gás carbônico. E aí ela para de respirar e morre se não usar respirador", diz.

A síndrome pode causar ainda alterações cognitivas, nos nervos e no intestino, Segundo ele, a doença desenvolvida pós-covid é algo inédito —e por isso o caso da paciente interessa para pesquisa.

Normalmente, a pessoa já nasce com essa síndrome. Em alguns raros casos ela pode adquirir após, por exemplo, uma encefalite, um tumor cerebral, um AVC [acidente vascular cerebral]. A impressão que tenho é que ela desenvolveu uma encefalite crônica pela covid. O prognóstico dela ainda é incerto: ela pode precisar do respirador a vida inteira, mas não sabemos porque pode haver algum grau de reversão. Fernando Gameleira, neurologista

Para ter noção exata do problema, Gameleira diz que será necessário um exame genético para confirmar a predisposição à doença. Ele diz que nunca tinha visto uma pessoa adulta com essa síndrome —apenas acompanhou crianças.

"Já vi casos assim em crianças, mas poucos. Quando tem um caso desses em um hospital grande, ele é visto por um número grande de médicos. Adulto com ondine nunca vi. Quando adulto tem, é porque adquiriu; se tivesse desde a infância, provavelmente teria morrido antes", afirma.

Ainda segundo o neurologista, foi por conta da internação que Dijane conseguiu ficar viva (graças a ajuda das equipes de saúde e dos aparelhos nos hospitais).

"Sem dúvida, a covid foi a razão pela qual ela conseguiu o atendimento adequado, e isso acabou sendo determinante para ela estar viva agora. Ela provavelmente já tinha uma doença neuromuscular e desenvolveu a síndrome em consequência da covid. Aí juntou as duas coisas: o descontrole respiratório e essa doença prévia", acredita o médico.