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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Cuidado: ter sempre a agenda cheia de tarefas pode comprometer saúde mental

Rocky89/ iStock
Imagem: Rocky89/ iStock

Luciana Borges

Colaboração para o VivaBem

18/10/2021 04h00

Até bem pouco tempo, a visão de uma agenda repleta de compromissos —tanto de trabalho quanto pessoal— poderia ser entendida como algo positivo. Afinal, parecer ocupado e ter quase nenhum tempo livre para ficar à toa significava um sinal de sucesso, de que aquela pessoa era imprescindível ou mesmo concorrida, certo?

Pois com a pausa forçada que a pandemia obrigou boa parte do mundo a fazer, agitação incessante passou a ser olhada de forma mais crítica e já é entendida como exagero. Provou estar mais perto da cultura do burnout do que da excelência, ajudando a comprometer a saúde mental de quem se deixou levar por ela.

"A 'cultura da agitação' associa-se muito mais a termos como 'workaholism', 'produtividade tóxica' ou 'cultura do burnout' no que diz respeito a trabalhar por longas horas", diz Márcia Miyamoto, consultora especializada em transformar a cultura corporativa de empresas. Segundo ela, esse estilo de vida provoca um desequilíbrio entre vida pessoal e profissional que leva ao desgaste da saúde física, emocional e mental.

Em mais de 20 anos lidando com o tema em companhias globais como GE, IBM, Citibank, Whirlpool, ela explica que é preciso ficar atento à diferença entre a produtividade profissional tóxica pura e simples e a cultura da agitação, que soma mais alguns elementos a esse caldo já prejudicial à mente. "Agrega-se uma forma sutil e emocional de incentivo ao trabalho intenso e, no caso dos millennials, a expectativa de serem protagonistas de uma história que os fará parte de algo que mudará o mundo. O sentimento de culpa também está presente e aparece nos momentos de lazer, quando se está com a família ou na dedicação a si mesmo", diz Miyamoto.

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A cultura da agitação soma ao trabalho intenso um sentimento de culpa e angústia por não conseguir estar em todos os lugares
Imagem: Getty Images

É no ritmo da cultura da agitação que a jornalista Cristiane Nunes, 36, levava a sua rotina, quando trabalhava com produção de conteúdo e, muitas vezes, ocupava até mesmo os fins de semana em um misto de entregas profissionais e intensa agenda de compromissos sociais por São Paulo. Atualmente, no entanto, dedica-se a algo que, segundo ela, a realiza bem mais profissionalmente: tornou-se astróloga e taróloga, e cuida do próprio negócio.

"Já tive uma vida muito agitada, com trabalho e diversos eventos rolando, mas resolvi desacelerar e entrei em um processo de me conhecer, de pensar nas questões de rumo da carreira, do que eu verdadeiramente queria", diz ela. A ficha de que estava vivendo no "piloto automático" caiu no fim de 2019, um pouco antes da pandemia se instalar oficialmente no Brasil. "Comecei a abdicar, voluntariamente, da vida social frenética e hoje acho que ela é um falso preenchimento. Já tive um blog que era um lugar de curadoria de eventos, de falar de lugares de São Paulo e do mundo, e parei de fazê-lo porque vi que não tinha mais sentido essa busca por novos lugares o tempo todo", afirma a astróloga.

Essa cultura do "não-desligamento", favorecida pela tecnologia, que torna o profissional acessível a qualquer momento do dia e da noite, e pela sensação de estar perdendo o "rolê da vez", causada pelo feed infinito de redes sociais como o Instagram, faz o cérebro ser acionado constantemente. "Não há mais nenhuma barreira temporal ou física entre vida pessoal e trabalho, uma separação clara do momento de se parar de trabalhar", diz Miyamoto, que também é professora na School of Life São Paulo, onde ajuda as pessoas a "mudarem a chave" sobre suas rotinas.

"É preciso entender melhor como se tem organizado a vida ao invés de ser atropelado por ela", explica ela. De acordo com a professora, é possível começar essa avaliação com três passos simples: o primeiro consiste em separar pelo menos 10 minutos do dia em um lugar tranquilo com papel e caneta em mãos; o segundo, em tentar responder a perguntas como 'o que me chateia atualmente?' e 'o que me deixa curioso ou empolgado nos últimos tempos?'; por fim, o terceiro passo seria colocar tudo isso no papel, o que ajuda a reduzir a ansiedade e a tomar uma certa distância para se ter clareza sobre o que realmente importa, a fim de estabelecer um plano de mudança.

Esse foi um pouco o movimento que fez a astróloga Cristiane Nunes: "Nos últimos tempos, tive que fazer esse balanço porque sei que se ficasse apenas no trabalho, sem a parte de descanso, a saúde mental iria ladeira abaixo", relembra.

Os males da mente que não descansa

"Sem dúvida nenhuma, a mente que não descansa acaba tendo uma sobrecarga, porque o descanso é necessário. Temos aqui no Instituto um estudo [que saiu em agosto no periódico Internet Interventions], no qual mostramos como uma pausa de cerca de três minutos já pode ser benéfica para o nosso estado emocional", diz Elisa Kozasa, neurocientista e pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein.

A especialista comenta como a geração millennial acaba sendo afetada pelas demandas de trabalho e da rotina altamente plugada: "O que se percebe é que são pessoas muito conectadas nas mídias sociais, inclusive à noite, com o celular no quarto, acessando computador até tarde, e tudo isso é contra o que preconiza a higiene do sono. Ou seja, vai de encontro aos passos que se referem a ter um bom descanso à noite e que são fundamentais para o cuidado com a mente. Muita gente se esquece o quanto o sono é importante para que se recuperar tanto física quanto mentalmente", completa.

Para a neurocientista também é preciso se preocupar com os efeitos negativos que o péssimo hábito de suprimir as horas de pausa e ócio podem trazer para o corpo: "Sem o descanso necessário, o indivíduo não consegue se recuperar do estresse. E o estresse crônico, já se sabe há muito tempo, tem uma série de efeitos deletérios para vários sistemas do nosso corpo —desde o cardiovascular e, claro, passando pelo imunológico—, além de comprometer a saúde mental. Ele aumenta o risco de as pessoas desenvolverem transtornos como ansiedade e depressão", afirma Kozasa.

Atenta para evitar voltar ao ritmo de intensa movimentação na agenda e sem pausa para relaxar, a astróloga Cristiane Nunes conta que acabou utilizando a pandemia para "filtrar melhor" eventos, encontros e assuntos aos quais se dedica mais hoje: "Como tudo fechou, acabei ganhando uma maior conscientização e agora seleciono bem aquilo que me interessa ou que pessoas vou ver. Senti que precisava reconsiderar o que é prioridade na vida. Descobri um lado de estar em casa e gostar disso, algo que até então eu não sabia. Se você está sempre na agitação, não tem como nutrir esse seu outro lado", diz.