Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Brinquedos da infância despertam memória afetiva; saiba como ela funciona

Loja da Estrela com brinquedos clássicos na CCXP 2019 - Mariana Pekin/UOL
Loja da Estrela com brinquedos clássicos na CCXP 2019 Imagem: Mariana Pekin/UOL

Flávia Santucci

Colaboração para o VivaBem

12/08/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Alegria e nostalgia são os principais sentimentos ligados à memória afetiva
  • Gatilhos emocionais são facilmente reativados ao longo da vida adulta, por meio de cheiros, comidas e lugares
  • Acessar memórias afetivas pode ajudar na concentração e melhorar suas próprias metas e objetivos

De repente uma música antiga começa a tocar e imediatamente seu cérebro o leva para um certo momento da sua infância. Sem perceber, você sorri, a sensação é de alegria e um quê de nostalgia. Pronto, a memória afetiva está formada. Mas não são apenas músicas capazes de despertar esse sentimento. Muitas vezes, cheiros, comidas, lugares e até brinquedos que fizeram parte da infância têm o mesmo poder de ativar esse tipo de lembrança. A forma como você vai reagir, no entanto, é sempre a mesma.

De acordo com a psicóloga Thalita Cavalcante Freire, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, a memória afetiva está diretamente ligada a essa sensação de bem-estar e saudade. "Por se tratar de uma memória sensorial, temos diversas maneiras de relembrar com carinho de algum momento que nos marcou positivamente. São momentos que marcaram a nossa infância e adolescência, trazendo as mesmas sensações e sentimentos em um tom de nostalgia ao lembrarmos, já na fase adulta, de uma música, um cheiro, um objeto ou um lugar".

A memória afetiva, ainda de acordo com Freire, funciona por meio de gatilhos emocionais, que são reativados ao longo da vida adulta em nosso inconsciente quando nos deparamos com situações já conhecidas. "Um dos gatilhos emocionais mais conhecidos é a comida de mãe que tem um 'gostinho de infância', ou o quintal da casa dos avós, a rua que costumava jogar bola ou passar horas conversando com os amigos na calçada, o cheiro de um perfume e tantos outros momentos que foram armazenados como positivos".

Cheiro de comida - iStock/VivaBem - iStock/VivaBem
Até o cheiro de alguns pratos pode remeter a algum momento da infância
Imagem: iStock/VivaBem

Para a empreendedora Helyda Gomes, 36, o 'gostinho de infância' tem sabor de arroz de leite nordestino. "Geralmente, faço a receita em dias frios e a sensação é sempre a mesma, de conforto. É como me sentir cercada de amor e abraçada pela família. Um sentimento de paz, tranquilidade e proteção. Lembro muito os invernos na minha infância, com a família reunida à mesa para o jantar. Consigo ver as cenas, as brincadeiras com meu irmão e lembro o quanto aquele momento era aconchegante".

Por que lembrar traz conforto?

A sensação de conforto e alegria que a memória afetiva costuma trazer se explica se considerarmos que a tendência do cérebro é sempre guardar as memórias boas. "Quando nosso cérebro identifica que aquele momento nos fez bem e trouxe uma boa sensação, é armazenado automaticamente e será liberado para reviver, de alguma forma, o momento no qual a memória afetiva inicial foi criada", explica Freire.

Para Diogo Haddad Santos, neurologista do Hospital Nove de Julho, memórias emocionais ou afetivas são muito importantes e foram instintivamente evoluídas na espécie humana. "Conseguir tê-las ao longo da vida pode ajudar na concentração e melhorar suas próprias metas e objetivos, se usadas de maneira adequada".

Armindo Ferreira tem cerca de 100 itens variados - Sérgio Gurgel/Divulgação - Sérgio Gurgel/Divulgação
Armindo Ferreira tem cerca de 100 itens variados
Imagem: Sérgio Gurgel/Divulgação

Segundo ele, a memória é, por definição, o processo de retenção e recuperação de informações ao longo do tempo. "Existem muitos fatores que podem influenciar a forma como as memórias são recuperadas, como o tipo de informação que está sendo usada e as dicas de recuperação que estão presentes. O ser humano possui uma cadeia tão grande e complexa de informações emocionais, que pode apresentar em diferentes áreas cerebrais medo, alegria, tristeza, excitação, tédio, nostalgia, romance e adoração a partir de uma única informação".

Esse tipo de memória pode ter efeito no consumo

Brinquedos despertam memórias afetivas o tempo inteiro. Para se ter uma ideia, na Brinquedos Estrela, por exemplo, até 15% dos produtos que chegaram ao mercado nos últimos cinco anos se tratavam de relançamentos de clássicos das décadas de 1970, 1980 e 1990. "Geralmente, esses produtos se esgotam em até cinco dias depois do anúncio do relançamento", diz o diretor de marketing Aires Fernandes. Ano passado, a marca registrou alta de 434% nas vendas de jogos de tabuleiro. A pandemia ajudou muito, mas o fator principal mesmo foram as crianças dos anos 80 (agora pais) terem de ficar em casa (com os filhos) por conta das restrições de circulação impostas pelo coronavírus.

"A memória afetiva contribui muito com o consumo, pois, a todo instante, tentamos voltar no tempo para reviver os mesmos momentos. Se isso pode ser gerado por meio de um objeto, por que não tentar?", diz Freire. A primeira infância é a idade na qual vivenciamos pela primeira vez qualquer momento e sensação. Até a idade adulta, aprendemos a sentir as emoções e sentimentos gerados em experiências que tivemos.

Para Armindo, ter os brinquedos hoje traz sensação boa - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para Armindo, ter os brinquedos hoje traz sensação boa
Imagem: Arquivo pessoal

Aos 45 anos, o jornalista Armindo Ferreira tem cerca de 100 itens variados entre brinquedos, action figures, memorabílias, ilustrações, HQ's e livros. O primeiro que comprou foi uma escultura do Homem de Ferro e ele lembra exatamente como se sentiu. "Me deu uma sensação muito boa comprar algo que, quando eu era criança, não poderia. Como a minha família era muito humilde, minha mãe me dava brinquedos mais simples. Poder comprar um exatamente do jeito que eu queria me fez um bem enorme. Olho para minha coleção e tenho vontade de voltar para o meu eu-criança-do-passado e dizer 'Ei, aguenta aí, que quando você tiver mais velho, terá vários desses que não tem hoje'".

Ano passado, ele ganhou de uma marca uma caixa enorme de itens de colecionador. "Abrir aquela caixa bem pertinho do Natal me fez me ver pequeno, sentado perto de uma árvore, sonhando um dia ter uma caixa enorme cheia de coisas legais para abrir. Demorou umas décadas, mas aconteceu".

Memórias vêm e vão e o fato de podermos acessá-las para sentir exatamente a mesma emoção que sentimos da primeira vez é o que nos faz seres tão especiais. No entanto, segundo a psicóloga Thalita Cavalcante Freire, é preciso ter consciência dos reais sentimentos que tais memórias são capazes de despertar. "Se uma pessoa não tiver o lado emocional mais estruturado, pode se frustrar e entristecer mais facilmente. Mas em relação à saúde, tudo que envolva nosso bem emocional é um benefício".