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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Homens ainda veem terapia como tabu: "Ouvi que devia beber em vez de fazer"

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Imagem: iStock

Carol Firmino

Colaboração para o VivaBem

29/03/2021 04h00

Quantos homens que você conhece fazem terapia? Estudos indicam que a procura é discreta. Segundo relatório da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, 69,4% dos homens passaram por consulta no ano de 2018, enquanto esse número é de 82,3% entre as mulheres —sendo que, dessas pessoas, 79,4% são brancas.

A crença de que indivíduos do sexo masculino são naturalmente fortes, resistentes e tampouco ficam doentes é o que está por trás da ideia de que não choram e, portanto, não precisam de ajuda para lidar com a saúde mental. No entanto, a normalização desse discurso esconde uma situação alarmante sobre a recorrência de suicídios. No Brasil, por exemplo, a OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta que a taxa entre os homens pode ser três vezes maior que entre as mulheres, dependendo da região, e chega a 75% dos casos.

Durante muito tempo, qualquer método que tratasse da mente era associado à loucura ou ao desequilíbrio, algo que a sociedade —preconceituosamente — vinculava ao sexo feminino. Os debates ainda caminham e esse contexto segue em progressiva mudança: os homens estão se abrindo mais à psicoterapia e isso está relacionado, entre outros fatores, ao acesso à informação sobre o que é um acompanhamento psicológico.

"Minha maior conquista foi largar os ansiolíticos após três anos"

Marcelo Moraes, 42, é empresário do setor de turismo e eventos no Rio de Janeiro há mais de duas décadas, mesmo período em que se viu dependente de remédios para conter a ansiedade e a síndrome do pânico: "Quando vi que tomava e não fazia mais efeito, parei e procurei ajuda", conta. Casado com uma médica, ele conversou sobre a dificuldade, pediu indicação de um bom profissional e escolheu a terapia cognitiva-comportamental.

Marcelo Moraes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcelo Moraes faz terapia há anos
Imagem: Arquivo pessoal

"Senti preconceito no começo, com comentários sobre estar exagerando ou ser maluco por procurar terapia. Esse preconceito veio da própria família e dos amigos, mas com o tempo passou", diz. Segundo ele, as pessoas não percebem como é importante contar com a ajuda de um profissional para entender a própria vida. Agora, ele vê os efeitos positivos desse acompanhamento: "Minha maior conquista foi largar os ansiolíticos após três anos de terapia e poder ajudar a outras pessoas com síndrome do pânico, em palestras, a entender melhor os efeitos, os sentimentos e as técnicas para controle dessa ansiedade".

"Lembro de ouvir que homem deveria transar e beber mais"

Muitos homens passam a vida toda coibidos de manifestar seus sentimentos e, quando fazem, sofrem retaliações e são motivo de chacota. Por mais que esse cenário esteja em constante transformação, a decisão de procurar a psicoterapia ainda é algo que provoca desconforto na maioria deles, já que isso requer uma mudança estrutural. Enquanto a mentalidade predominante na sociedade for de associar a dificuldade com a saúde mental à fraqueza, menos iniciativa eles terão.

O programador R.O.L, 32, que procurou tratamento psicológico para diminuir a ansiedade, lidou com comentários desagradáveis: "Ouvi de alguém muito próximo que eu deveria conversar mais com meus amigos, tomar cerveja para esquecer os problemas. Em outras situações, me lembro de ouvir que é coisa de mulher, que homem deveria transar e beber mais ao invés de fazer terapia".

R.O.L conta que é o único homem que faz terapia em todo seu círculo familiar e de amizades, e que isso reflete justamente a quantidade de traumas que esses indivíduos do sexo masculino têm. "São questões que nunca foram respondidas, angústias guardadas, que certamente interferem na qualidade de vida deles e das pessoas que eles amam".

Para ele, a terapia trouxe alívio desde o primeiro dia. "É uma mistura de vergonha com alívio. Ao mesmo tempo em que você se sente aliviado por estar falando tudo aquilo que pesava toneladas na sua mente, sente vergonha por compartilhar coisas que mostram o seu pior lado, expor a sua fragilidade, pois, se fosse com amigos ou família, você poderia ser julgado como um monstro ou como um fraco", afirma.

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Terapia ainda é vista com preconceito pelos homens
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"Posso definir a terapia como a arte da reconstrução"

A descoberta da psicoterapia promove alterações profundas, independentemente do momento da vida em que isso acontece. L.V, 45, é diretor financeiro e diz que sempre teve vontade de fazer, mas que o preconceito de se abrir a alguém era muito presente. "Dizem que expor fraquezas não está na natureza do homem, mas isso não é verdade. Todos precisamos de ajuda, sem isso vivemos no automático e pode ser muito prejudicial", afirma.

Segundo L.V, na primeira sessão ele estava "armado, rígido, cheios de argumentos, justificativas". Mas diferentemente do relato anterior, ele conta que recebeu muito incentivo de amigos que reconheceram o benefício desse projeto pessoal de descoberta. "A terapia nos traz um choque de realidade que sozinhos não temos. Não é escutar o óbvio, é aprender a ouvir. No automático, não precisamos de orientação. Agora vivo um estado de presença, e como isso é importante. O tempo passa, e onde eu estava? Me achei com todas as coordenadas, posso definir a terapia como a arte da reconstrução", diz.

Fontes: Ana Gabriela Andriani, psicóloga pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), mestre e doutora pelo Programa de Pós Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), especialista em psicoterapia dinâmica breve pelo Instituto de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Bruna Richter, psicóloga pelo Centro Universitário IBMR, bióloga pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pós-graduada em psicologia positiva e em psicologia clínica pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro); José Carlos Rezende, médico, cirurgião geral, especialista em medicina da família e criador da startup Cuida Mais; Pedro de Santi, psicanalista, mestre em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo), doutor em psicologia clínica pela PUC-SP, professor no MPCC (Mestrado Profissional em Comportamento do consumidor) e graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing); Sabrina Amaral, psicóloga e hipnoterapeuta Omni, practitioner em PNL e coach da mente, pós-graduada em gestão estratégica de pessoas, especialista em Transe Conversacional com Elisabeth Erickson, neurociência aplicada ao comportamento humano e psicologia positiva, criou a Epopeia Desenvolvimento Humano.