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Hepatite medicamentosa: o que é e qual a relação com o uso do "kit covid"?

Cloroquina - Reuters
Cloroquina Imagem: Reuters

Luiza Vidal

Do VivaBem, em São Paulo

25/03/2021 16h44

O uso do "kit covid", que envolve diversos medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da doença provocada pelo coronavírus, como azitromicina, hidroxicloroquina e ivermectina, está prejudicando a saúde de pessoas que utilizam os remédios. Hospitais e médicos têm relatado casos de hepatite medicamentosa, que é quando ocorre uma inflamação ou lesão no fígado por conta do uso de um remédio. O problema é tão grave que pode ser necessário o transplante de fígado ou, em determinadas situações, o paciente pode morrer.

Segundo especialistas consultados pelo VivaBem, a hepatite medicamentosa é um problema complexo e que envolve diversos fatores, como tempo de uso do medicamento, dosagem, ausência de acompanhamento médico, automedicação, interação entre os remédios, abuso de álcool e até mesmo predisposição genética de hipersensibilidade a alguma substância.

Sobre este último ponto, Tércio Genzini, hepatologista e coordenador do Núcleo de Fígado do Centro de Transplantes do Grupo Leforte, explica: "Na bula, você lê que pessoas com hipersensibilidade a tal componente não podem tomar o remédio, mas muitas sequer sabem ter essa hipersensibilidade. Às vezes, ela é uma falta de capacidade que o fígado tem de metabolizar a substância, por motivos genéticos, e isso pode causar a hepatite".

Ainda segundo Genzini, a hepatite medicamentosa é muito mais frequente do que se imagina. "Ela pode começar de forma assintomática, sem a pessoa sentir. Quando se torna sintomática, a lesão progride e pode chegar na fase avançada", diz.

O médico conta que podem surgir cansaço, fraqueza, mudança da cor da urina, que fica mais escura, pele e olhos amarelados, inchaço no corpo, problemas de coagulação (a pessoa bate uma parte do corpo e fica roxo rapidamente) e, em casos graves, confusão mental. São sintomas de que o fígado está falhando.

Andréia Evangelista, hepatologista do Centro Avançado Hepatobiliar do Hospital São Vicente de Paulo (RJ) e professora na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), conta que os anti-inflamatórios, por exemplo, são mais associados com lesões hepáticas, mas não são todos pacientes que vão apresentar algum problema. "Existe a variabilidade individual e a predisposição genética. Cada metabolismo vai reagir de uma forma, alguns são mais suscetíveis a ter a lesão pelo medicamento, além, claro, da questão das doses altas e a falta de um acompanhamento médico", diz.

Algumas pessoas questionam por que então pacientes que tomam remédios contínuos, como em casos de lúpus ou tuberculose, não têm hepatite medicamentosa. Nesses casos, a diferença é que há um acompanhamento constante de um médico, que certamente irá pedir exames que mostram se há algum comprometimento no fígado. Caso isso ocorra, o especialista interrompe o uso e pensa em outras estratégias de tratamento.

Os perigos do "kit covid"

Um ponto importante é entender que os medicamentos presentes no "kit covid", usados separadamente e para as doenças que comprovadamente ajudam a tratar, não apresentam alto grau de toxicidade —isso se tomados com orientação e acompanhamento médico, doses corretas, pelo tempo certo e nunca por conta própria. Mas não é o que está acontecendo durante a pandemia de covid-19. Indicada pelo presidente Bolsonaro, a combinação desses medicamentos pode gerar problemas e seu uso é considerado "uma bomba" pelos médicos.

Evangelista lembra que não existe tratamento precoce que funcione contra a covid-19 até o momento. "Não temos evidências robustas de que esses medicamentos previnam a doença ou evitem que ela evolua", fala. "Os pacientes estão desafiando o fígado. Se a vizinha tomou algo e não teve nada, sorte dela, mas não faça isso."

A médica cita que um paciente a procurou por alterações nas enzimas hepáticas, presentes no fígado. "Descobrimos que ele estava tomando ciclos de ivermectina porque 'ouviu falar em algum lugar' e não pode. O remédio é de dose única e usado para piolhos e vermes."

"O maior problema disso tudo é a automedicação. Os pacientes tomam porque o vizinho recomendou ou leu em uma rede social. Diariamente, recebemos ligação de pacientes perguntando se podem tomar determinado medicamento preventivamente para covid. É tudo muito aleatório e sem nenhuma recomendação", diz o hepatologista do Grupo Leforte.