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Como cuidar de autistas severos na fase adulta?

Lucas tem 24 anos e tem autismo severo - Arquivo pessoal
Lucas tem 24 anos e tem autismo severo Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Tuvuca Freire

Colaboração para VivaBem

28/05/2020 04h00

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o transtorno do espectro do autismo é definido por características que afetam o comportamento social, a comunicação e a linguagem do indivíduo, que está focado em um conjunto restrito de atividades e interesses únicos de seu contexto.

Normalmente, as características do autismo aparecem nos primeiros cinco anos de vida e tendem a persistir durante a adolescência e a fase adulta. O transtorno é normalmente identificado em três níveis, conforme a dificuldade de comunicação: grau 1 (leve), grau 2 (moderado) e grau 3 (severo).

Enquanto os autistas de nível 1 e 2 têm alguma habilidade em se comunicar e interagir com outras pessoas, os autistas de nível severo são não-verbais, com bastante dificuldade para exercer atividades diárias. Consequentemente, são muito dependentes do cuidado de outra pessoa.

Quando ficam mais velhos, os autistas severos podem ter mudanças de comportamento que surpreendem os pais. Como a comunicação verbal é restrita, essa compreensão é muito limitada.

"Eles podem ficar mais agressivos. E como agora eles têm mais força, com um corpo de adulto, fica ainda mais difícil de serem contido pelos pais, que estão mais idosos", analisa a especialista em biologia molecular Graciela Pignatari, que estuda os mecanismos biológicos presentes no autismo.

As mudanças de comportamento

O casal Eduardo e Alba Milena, de Santo André (SP), estava acostumado com a rotina do filho Lucas, um autista não-verbal que também apresenta quadro de epilepsia —uma doença comum em pessoas que têm o transtorno. O dia a dia de Lucas se resumia a terapias, consultas médicas e atividades variadas em uma escola de educação especial em São Bernardo do Campo (SP).

Há cerca de dois anos, após completar 22 anos, a comunicação ficou mais difícil. Lucas, que sempre havia se mostrado obediente com os pais, começou a ter surtos agressivos mais frequentes e duradouros que o normal para sua condição. "Ele começou a se impor. Percebemos que estava virando um homem que começou a confrontar os pais", conta Eduardo.

Esse processo não aconteceu do dia para a noite; foram cerca de sete meses, ao lado de médicos, terapeutas e profissionais da escola, tentando entender o que estava acontecendo com ele. "Um dia, o Lucas teve uma crise agressiva de oito horas, e aí percebemos que não tínhamos mais controle físico e emocional sobre ele", relata a mãe.

Lucas - autista severo 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas morria de medo animais no geral, e cavalos em particular, e começou a interagir bastante em terapia na clínica de longa permanência
Imagem: Arquivo pessoal

Depois de muitas pesquisas e conversas, os pais foram convencidos de que a saída seria um tratamento mais direcionado, 24 horas por dia, em uma clínica especializada no cuidado com autistas severos. Lucas passaria a viver na clínica; a casa de Eduardo e Alba, agora, seria um local para visitar nos fins de semana.

Para o casal, esse foi o maior sofrimento. Eles mudaram para Atibaia (SP), onde fica a clínica, para ficar mais perto do filho. A recompensa foi vê-lo rapidamente adaptado ao seu novo lar —em uma semana, já não havia mais resquício dos surtos agressivos.

"Tivemos que contar com a ajuda da minha irmã para encontrar essa solução, porque não tínhamos condição de pensar nisso. Mas conversamos com o Mauro, fundador da clínica, e percebemos que esse era o caminho", diz Alba.

O que acontece com o autista quando chega à fase adulta?

Basicamente, como aconteceu com o Lucas, o autista passa por mudanças hormonais análogas a qualquer pessoa que chega à adolescência e à fase adulta e sofre, muitas vezes, de uma crise de identidade.

"Você começa a criar condições físicas, mentais e psíquicas para enfrentar a realidade, com essa obrigação de ter maturidade. Isso também acontece com o autista. Só que ele não consegue entender esse processo de uma maneira linear e nem absorver esse conceito", explica o psicólogo Mauro Sérgio Stepanies, fundador do Núcleo de Integração Luz do Sol, a clínica especializada que recebeu Lucas.

Segundo Graciela Pignatari, essa situação é agravada pela tendência de alguns pais de infantilizarem o filho que possui o transtorno —e que também busca ter alguma independência, de acordo com a sua visão particular sobre o mundo. "O fato de ser autista não descarta que eles tenham questões de crescimento como nós temos, como a puberdade ou a necessidade de ter uma relação sexual, por exemplo", comenta Pignatari.

O cuidado necessário

Independentemente da idade, o tratamento de autistas estimula a interação social por meio de terapia ocupacional, psicoterapia e outros recursos para que ele tenha uma qualidade de vida melhor.

Considerando essas mudanças que afetam o comportamento dos filhos na chegada à fase adulta, os pais continuarão contando com o apoio dos profissionais especializados no trabalho com autistas, entre terapeutas, psicólogos, médicos e cuidadores, para serem mais assertivos no tratamento.

"O terapeuta comportamental pode dar orientações, por exemplo, sobre a questão da sexualidade, de como os pais devem agir com os filhos. Essa é uma das coisas que mais mexe com as pessoas nessa passagem da adolescência, e o terapeuta comportamental é fundamental para ajudar nesse processo", indica a psicopedagoga Cristiane Martins Bianco, diretora da escola de educação especial CrerSer, em São Bernardo do Campo, que recebe alunos que possuem algum tipo de deficiência.

Mas o ponto principal, tanto para os pais quanto para os especialistas, é observar e entender quais são as demandas do autista. "O Lucas é o meu mestre", define Mauro Sérgio Stepanies. "Ele me ensina quais são suas limitações. Temos que criar um ambiente para eles e aceitá-los como são."

Tão importante quanto cuidar do autista é que os próprios pais e familiares procurem ajuda para tratar do emocional e do psicológico nessa fase de transição. "Os pais precisam de trabalho terapêutico. Não é só cuidar dos filhos; eles precisam cuidar de si mesmos", ressalta Mauro.

A quem recorrer

A solução encontrada para o Lucas foi a clínica particular especializada no tratamento a autistas severos, num modelo de residência assistida. Mas Graciela Pignatari ressalta que cada um que possui o transtorno precisa ser avaliado individualmente, e a resposta para o tratamento sairá a partir dessa avaliação. "Não existe autismo igual para todos. Eles têm que ser vistos como pessoas únicas", afirma.

Além das opções de terapia e residência, os pais podem recorrer também às AMAs (Associação de Amigos do Autista) e outros grupos e fundações com experiência no tema, que servem como apoio psicológico. "Foi num evento de uma AMA em São Paulo, por exemplo, que eu conheci a residência assistida, e eles estão lutando para que esse modelo se torne mais viável no Brasil", conta Graciela.

Segundo os especialistas, no entanto, não se deve esperar essa mesma compreensão em relação a hospitais e outras unidades de saúde, que têm muita dificuldade no cuidado com um paciente autista, segundo o relato de pais e especialistas. "A sociedade e o poder público precisam investir nos profissionais da saúde para que eles se capacitem no cuidado com autistas. Eles não aprenderam isso na faculdade", diz Mauro.

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Pais de Lucas escolheram colocá-lo numa clínica especializada no cuidado com autistas severos
Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo e Alba, por exemplo, sofreram com esse desconhecimento dos profissionais quando tiveram que levar o Lucas a hospitais durante seus surtos de agressividade. "Eles não sabem o que fazer, e aí encaminham para um hospital psiquiátrico", conta Alba.

Ao chegar ao hospital psiquiátrico, particular, a experiência foi ainda mais desalentadora. "Fomos orientados a não interná-lo ali. Ele, um autista severo, ficaria junto com pacientes esquizofrênicos e dependentes químicos", conta a mãe. "O sistema de saúde não está preparado. Não tem amparo."

Eduardo e Alba ressaltam que, se o atendimento já é muito deficiente em hospitais particulares, a situação é muito pior em unidades públicas. Por isso, agradecem por terem condições financeiras de levar Lucas para profissionais especializados e se dizem gratos pelo investimento no cuidado com ele.

"Desde o começo, colocamos ele numa escola especial e em todas as terapias. Nunca acreditamos no discurso de 'não adianta, ele não vai melhorar' que ouvimos de alguns médicos", diz Eduardo.

Esse cuidado direto também levou o casal a uma compreensão melhor —ainda que um tanto conturbada— sobre a condição do filho quando ele se tornou adulto.

"Vimos que ele quis o espaço dele. Um pai de um autista precisa entender o que acontece e respeitar essa decisão. Que pode ser doída para a gente, mas é a melhor para ele", diz Alba. "Graças a Deus, ele está num lugar onde é super bem tratado, junto com outros autistas que têm as mesmas, ou até mais, dificuldades que ele. Essa foi a escolha dele, e a gente respeita", conclui Eduardo.

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